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Temor de recessão nos EUA parece exagerado, mas tem sua razão

Relatório fraco de empregos nos EUA levou Bolsas de todo o mundo a caírem na segunda-feira

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Ben Casselman
The New York Times

A economia dos EUA passou três anos desafiando as expectativas. Ela reagiu ao choque da pandemia mais rapidamente e com mais força do que muitos especialistas previram. Mostrou-se resiliente diante tanto da inflação quanto das taxas de juros mais altas que o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) usou para combatê-la.

A perspectiva que muitos analistas consideravam iminente —uma recessão— parecia cada vez mais um alarme falso. Até agora.

Jerome Powell, presidente do Fed, é um homem de cabelo grisalho e óculos está em pé atrás de um púlpito, sorrindo levemente. Ele usa um terno cinza e uma gravata roxa. Ao fundo, há uma cortina azul e a bandeira dos Estados Unidos.
Presidente do Fed, Jerome Powell, concede entrevista em Washington - Andrew Harnik/Getty Images via AFP

Um relatório de empregos inesperadamente fraco na última sexta-feira (2), mostrando uma contratação mais lenta em julho e um aumento surpreendente no desemprego, desencadeou uma venda no mercado de ações, à medida que os investidores se preocupavam que uma recessão econômica pudesse estar em andamento.

Na segunda-feira (5), essa queda se transformou em uma debandada, com os mercados financeiros despencando em todo o mundo. O Japão, por exemplo, caiu mais de 12% em seu pior dia desde 1987.

Alguns economistas disseram que os investidores estavam reagindo de forma exagerada a um relatório fraco, mas longe de ser desastroso, já que muitos indicadores mostram a economia com bases sólidas.

Mas eles também disseram que havia motivos para preocupação. Historicamente, aumentos no desemprego como o de julho —a taxa subiu para 4,3%, a mais alta desde 2021— têm sido um indicador confiável de recessão. E mesmo sem esse precedente, há evidências de que o mercado de trabalho está enfraquecendo.

"Mesmo antes do relatório de emprego, você já via alguns sinais reais de enfraquecimento no mercado de trabalho", comentou Jay Bryson, economista-chefe do Wells Fargo.

Bryson ainda espera um "pouso suave", no qual a inflação reduz sem uma recessão econômica. Mas as chances de um resultado mais doloroso aumentaram. Outros analistas adotaram a mesma linha. No fim de semana, economistas do Goldman Sachs viam uma chance de 25% de uma recessão no próximo ano, acima dos 15% antes da última rodada de dados econômicos.

Mais importante do que as previsões em si —que, afinal, repetidamente se mostraram pouco confiáveis— são os fatores subjacentes a elas. A economia dos EUA não tem as forças a mais que a ajudaram a atravessar a turbulência recente. As famílias não têm mais uma reserva financeira acumulada durante a pandemia, ou demanda reprimida para gastá-la. As empresas não têm mais um acúmulo de vagas para preencher ou prateleiras para reabastecer.

Nada disso significa que uma recessão seja inevitável. Mas torna este momento econômico mais precário do que qualquer outro nos últimos anos.

POR QUE AS PREVISÕES PESSIMISTAS ESTAVAM ERRADAS

Há uma diferença crucial entre as previsões de recessão anteriores, que eram imprecisas, e o último conjunto de alertas: As previsões anteriores baseavam-se em padrões históricos e modelos teóricos. As novas são baseadas em evidências reais de desaceleração.

Quando os economistas começaram a prever uma recessão em 2022, a inflação estava alta e o Fed estava aumentando as taxas de juros de forma agressiva para tentar controlá-la. No passado, essas condições geralmente levavam a uma recessão: Os formuladores de políticas tentam reduzir a demanda apenas o suficiente para diminuir a inflação, mas acabam exagerando e causando demissões generalizadas.

Isso não aconteceu desta vez. Consumidores e empresas deixaram a pandemia com muitas economias e relativamente poucas dívidas, tornando-os menos sensíveis aos custos de empréstimos mais altos. Ao mesmo tempo, a redução das interrupções relacionadas à pandemia permitiu que as pressões inflacionárias se dissipassem sem exigir uma grande queda na demanda por bens e serviços.

"Todas aquelas regras normais que tendem a se aplicar tanto na experiência histórica quanto nos modelos teóricos foram muito diferentes desta vez", afirmou Tara Sinclair, professora da Universidade George Washington que recentemente deixou um cargo no Departamento do Tesouro.

Como resultado, mesmo quando muitos economistas alertavam que uma recessão estaria chegando, nunca houve muitas evidências desse quadro nos dados. A contratação, o crescimento salarial e os gastos dos consumidores diminuíram, mas nenhum colapsou. O desemprego permaneceu próximo a mínimos não vistos em décadas. O PIB (Produto Interno Bruto), a medida mais ampla da produção econômica, continuou a crescer em um ritmo saudável —e às vezes robusto.

POR QUE OS TEMORES DA RECESSÃO VOLTARAM

Agora, no entanto, rachaduras começam a aparecer. Mais pessoas estão atrasando o pagamento de suas contas de cartão de crédito e prestações de carro. Os pedidos do auxílio-desemprego começaram a aumentar. Os gastos dos consumidores em geral permaneceram fortes, mas há sinais de que os consumidores de baixa renda estão reduzindo as despesas.

Os dados de emprego de julho foram o sinal de alerta mais claro até agora. O crescimento do emprego desacelerou muito mais do que o esperado e concentrou-se em um punhado de indústrias. O aumento na taxa de desemprego, o terceiro em quatro meses, foi suficiente para sugerir que uma recessão já poderia ter começado, de acordo com um conhecido indicador chamado Regra de Sahm.

Claudia Sahm, a ex-economista do Fed que desenvolveu a regra, afirmou que as interrupções durante e desde a pandemia podem ter embaralhado seu indicador homônimo, assim como muitos outros sinais de alerta de recessão antes confiáveis. Mas ela disse que a lógica subjacente —que mesmo pequenos aumentos no desemprego são algo para se preocupar— ainda se mantinha.

"Dado tudo o que sabemos, ou que achamos que sabemos, os Estados Unidos não estão em recessão", avaliou Sahm. "Mas o risco de entrar em recessão, digamos, nos próximos três a seis meses? Esses realmente aumentaram."

RAZÕES PARA OTIMISMO

Ainda assim, de acordo com a maioria dos indicadores, a economia dos EUA está desacelerando, não parando. Os gastos dos consumidores, a renda pessoal e o crescimento do emprego —todas medidas usadas pelo National Bureau of Economic Research para determinar quando as recessões começam e terminam— permaneceram solidamente positivos.

O PIB, ajustado pela inflação, cresceu mais rápido no segundo trimestre do que no primeiro, e espera-se que exiba outro ganho no terceiro trimestre. Outros dados recentes mostraram um crescimento forte da produtividade e um setor de serviços em recuperação.

Melhor ainda, a inflação diminuiu significativamente, o que dá ao Fed mais margem para reduzir as taxas de juros se a economia enfraquecer ainda mais, sem se preocupar tanto que isso permitirá que os preços comecem a subir rapidamente novamente.

Jerome Powell, presidente do Fed, indicou em uma coletiva de imprensa na semana passada —antes do relatório de empregos ou da queda do mercado— que o banco central poderia cortar as taxas já na próxima reunião em setembro, algo que os investidores agora veem como quase certo. Alguns investidores esperam que o Fed intervenha ainda mais cedo, embora observadores cuidadosos do Fed considerem tal movimento de emergência improvável.

O desafio para os formuladores de políticas é que, após dois anos tentando desacelerar a economia, eles estão tentando fazer algo ainda mais delicado: estabilizá-la. E estão tentando fazer isso com dados imperfeitos e às vezes contraditórios, usando ferramentas inadequadas para ajustes tão finamente calibrados. "É muito difícil distinguir a diferença entre alcançar a pista e atravessá-la", disse Sinclair.

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