Descrição de chapéu Xi Jinping

Líder chinês reforça poder com novo órgão anticorrupção

Para especialistas, medida amplia controle de Xi Jinping, mas mina Estado de Direito

O líder chinês, Xi Jinping, participa de sessão plenária do Congresso Nacional do Povo nesta segunda-feira (19) em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, participa de sessão plenária do Congresso Nacional do Povo nesta segunda-feira (19) em Pequim - Mark Schiefelbein/Associated Press
Simon Denyer
Pequim | Washington Post

O Parlamento chinês votará nesta terça-feira (20) a criação de uma nova agência anticorrupção com poderes expandidos para deter pessoas durante meses em locais secretos e sem acesso a advogados. 

A medida, segundo especialistas, amplia o controle do mandatário do país, Xi Jinping, mas mina drasticamente o Estado de Direito e os direitos civis. 

A Comissão Nacional de Supervisão se classifica acima do Judiciário na nova Constituição emendada do país, e expande a batalha de Xi contra a corrupção para cobrir não somente membros do Partido Comunista, mas também diretores de companhias e instituições estatais, como escolas, universidades, hospitais e entidades culturais.

É provável que seja usada em duas frentes: para eliminar suspeitas de desvios e aplicar estrito controle ideológico e lealdade ao partido e ao presidente, dizem especialistas.

Seus dispositivos provocaram uma surpreendente comoção pública na comunidade jurídica chinesa, com dezenas de advogados unindo-se para advertir sobre uma “séria crise” no Estado de Direito e um “momento divisor de águas” na história jurídica do país. 

Afinal, porém, o Partido Comunista descartou essas objeções. O novo órgão receberá o carimbo formal do Congresso Nacional do Povo na última sessão de sua reunião anual, nesta terça-feira (20).

O Parlamento já votou uma emenda constitucional para incluir a Comissão Nacional de Supervisão, ou CNS, em um pacote de reformas que também aboliu os limites de mandato da Presidência.

No domingo (18) ela nomeou um homem que seria um protegido do presidente, Yang Xiaodu, como seu primeiro diretor. 

A campanha de Xi para atacar a corrupção endêmica no Partido Comunista teria lhe granjeado apoio popular. Mas também serviu a um duplo objetivo importante: impor a vontade dele ao Partido Comunista e afastar os rivais de seu poder

A Comissão Central para Disciplina e Inspeção, a atual agência encarregada de combater a corrupção no partido, fará parte da nova CNS.

Ela diz que disciplinou mais de 1,5 milhão de autoridades desde o início da campanha anticorrupção em 2012, levando muitas figuras destacadas, como Zhou Yongkang, o antes temido chefe dos serviços de segurança que agora cumpre pena de prisão perpétua, Ling Jihua, chefe de gabinete do ex-presidente Hu Jintao, e alguns generais de Exército entre os mais graduados.

“A sabedoria da China em combater a corrupção, uma noz dura que perturba o mundo inteiro, serve como uma importante inspiração para o mundo”, disse na segunda-feira (19) o “Diário do Povo”, afirmando que outros países em desenvolvimento descobriram que a corrupção piorou depois que eles adotaram a democracia no estilo ocidental.

“Diante desse pano de fundo, a ousada reforma da China derramou uma nova luz sobre o mundo.”

REPRESSÃO

Para muitos advogados, uma comunidade que já sofreu uma repressão sem precedentes sob o regime de Xi, a luz do processo devido e de um sistema jurídico justo e transparente está se extinguindo.

A campanha anticorrupção costumava extrair confissões por meio de um procedimento chamado “shuanggui”, um sistema de detenção fora do processo legal, em que os suspeitos eram mantidos incomunicáveis em locais secretos durante meses a fio, e às vezes eram torturados.

A nova lei substitui o shuanggui por um novo sistema chamado “liuzhi”, que supostamente é submetido a controles mais rígidos, prometendo aos detidos alimentação e descanso apropriados, por exemplo, mas na prática é improvável que seja diferente, segundo advogados e grupos de direitos humanos. 

Os detidos podem ficar sem acesso a advogados por até seis meses, enquanto o direito de informar às famílias sobre a localização de um detido pode ser desprezado se os investigadores acharem que isso prejudicaria as investigações.

“O poder público deve operar de maneira aberta, justa e equilibrada para evitar abusos”, escreveram 59 advogados e juristas em uma carta aberta sobre a proposta no ano passado, chamando a lei de “momento divisor de águas entre ater-se ao regime de direito e avançar para o regime do homem”. 

O grupo não recebeu resposta para a carta, segundo Cheng Hai, um advogado de Pequim que ajudou a redigi-la. Outros advogados que manifestaram objeções tiveram seus comentários apagados da internet, ou foram mais tarde condenados a apoiar publicamente as propostas.

Tong Zhiwei, um advogado que havia escrito sobre suas preocupações, não teve permissão da Universidade de Ciência Política e Direito da China Oriental para falar a “The Washington Post”. 

Mas em ensaios anteriores ele afirmou que as propostas enfraqueceriam o poder do Judiciário para defender a justiça social, infringindo a ideia básica personificada na Constituição chinesa de “igualdade perante a lei”, e em todo caso não seria eficaz.

“O projeto anticorrupção pertence a toda a população”, escreveu ele, acrescentando que a nova agência efetivamente impede que a sociedade participe desse exercício. “Anticorrupção sem a participação das massas não pode ser eficaz.”

De fato, uma pesquisa dos cientistas políticos Dimitar Gueorguiev e Jonathan Stromseth demonstrou que quanto mais as províncias do interior da China empoderaram a população para monitorar a burocracia —aumentando o acesso do público ao orçamento e à tomada de decisões do governo, mais sucesso tiveram na luta contra a corrupção. 

Em comparação, a nova agência se baseia explicitamente em uma abordagem “política” de cima para baixo, escreveram eles em um artigo para o Instituto Brookings. Isso a deixa “vulnerável às correntes políticas e à manipulação” e pode afetar a participação do público no combate à corrupção.

Mas ajuda a preencher um dos principais objetivos de Xi, segundo especialistas: reimpor o controle do Partido Comunista sobre todos os aspectos da vida pública na China, em parte usando o medo.

“Isto é um instrumento para impor a toda a burocracia chinesa uma sensibilidade intensificada aos desejos do centro —e na nova era que está começando isso é sinônimo de Xi Jinping”, disse Carl Minzner, professor na Escola de Direito Fordham.

Os regulamentos disciplinares do partido proíbem especificamente como ofensa qualquer “discussão imprópria da política central do partido”. Expandir isso para universidades e grupos de pensadores, adverte Minzner, “apresenta o risco de reduzir ainda mais o espaço limitado que ainda existe para discussão objetiva e análise das políticas do Estado”.

Em curto prazo, essa abordagem poderá facilitar para Xi impor sua vontade. 

Por exemplo, o sucesso da China em conter a poluição do ar no ano passado ocorreu em parte porque o Ministério da Proteção Ambiental teve o apoio da autoridade anticorrupção, indicou Andrew Polk, da consultoria Trivium em Pequim.

Em consequência, os inspetores do ministério, antes ignorados, agora são temidos, disse ele.

Mas medo demais também pode deixar as autoridades temerosas para assumir riscos, ou de fato tomar qualquer decisão, a menos que sejam explicitamente ordenadas a fazê-lo —e então excessivamente zelosas ao realizá-las, advertem especialistas.

A falta de debate interno também poderá deixar os líderes chineses presos em uma sala de espelhos, cercados por autoridades servis que refletem uma versão otimista da realidade, enquanto a sociedade lá fora não tem oxigênio para abordar os desafios prementes do país, afirma Minzner em seu novo livro, “End of an Era: How China’s Authoritarian Revival is Undermining Its Rise” [O fim de uma era: como o renascimento autoritário na China está minando sua ascensão].

Nicholas Bequelin, diretor para a Ásia oriental da Anistia Internacional em Hong Kong, diz que a nova Constituição marcou “o fim do Estado de direito” na China, eviscerando as instituições jurídicas ao estabelecer um sistema paralelo dirigido diretamente pelo Partido Comunista, sem restrições fora do próprio partido.

“A China está implementando um mecanismo terrível que se destina a produzir confissões forçadas de qualquer pessoa que o partido decida investigar, com razão ou não, por um amplo leque de ações, que vão de corrupção à ‘posição política’ de uma pessoa”, disse ele.

“As ferramentas comprovadas para enfrentar a corrupção são transparência, prestação de contas e um Judiciário independente. As comissões de supervisão definidas por esta lei são sigilosas, autônomas e acima da lei.”

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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