Presidente da Itália indica ex-economista do FMI para ser novo premiê

Escolha de técnico é gesto arriscado que dificilmente terá sucesso no Parlamento

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O economista Carlo Cottarelli, indicado para ser novo premiê da Itália, fala à imprensa em Roma
O economista Carlo Cottarelli, indicado para ser novo premiê da Itália, fala à imprensa em Roma - Tony Gentile/Reuters
Madri

Em um longo impasse político que já ameaça se tornar uma crise de proporções históricas, o presidente italiano, Sergio Mattarella, pediu ao economista Carlo Cottarelli que forme um governo de técnicos. A nomeação foi divulgada na segunda-feira (28).

A escolha do ex-economista do FMI (Fundo Monetário Internacional) é um gesto arriscado e que pode alimentar ainda mais a insatisfação popular, em um país que já demonstrou no último pleito estar bastante desgostoso com as regras políticas.

A proposta, afinal, veio um dia depois de o presidente Mattarella desafiar os partidos populistas Liga e 5 Estrelas, que haviam vencido as eleições de 4 de março somando mais de 50% dos votos. Ele vetou o gabinete deles, impedindo que de fato governem o país —razão pela qual Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas, agora pede o seu impeachment. Di Maio também pediu protestos pacíficos contra a decisão de Mattarella, com cidadãos levando bandeiras às ruas.

A Liga, de direita nacionalista, e o 5 Estrelas, de verve antissistema, queriam que o professor Paolo Savona fosse o próximo ministro da Economia. O nome de Savona, no entanto, incomodou Mattarella, por se tratar de uma figura extremamente crítica à moeda comum europeia, o euro. Por essa razão, o chefe de Estado não aceitou aquele gabinete. A decisão surpreendeu o país, no domingo.

Ao pedir que Cottarelli monte o próximo governo, ainda que de maneira temporária, o presidente Mattarella quer sinalizar ao restante da Europa que a Itália ainda é um parceiro estável e confiável.  A mensagem é relevante, em meio ao crescimento dos grupos que contestam as instituições europeias, entre eles as próprias siglas Liga e 5 Estrelas.

Cottarelli tem experiência em cortes de gasto público (era chamado “Sr. Tesouras”) e sua tarefa será manter as contas em dia até as próximas eleições.

Se ele conseguir um improvável voto de confiança do Parlamento, o pleito deverá ser realizado no início do ano que vem. Se for barrado, italianos podem ir às urnas já em setembro ou outubro, em uma situação inédita na história moderna do país.

A Itália deve hoje o equivalente a 132% de seu PIB (Produto Interno Bruto), um percentual frequentemente lembrado por seus vizinhos. Apenas a Grécia tem atualmente uma dívida pública maior na zona do euro.  

“A economia italiana está em pleno crescimento e as contas públicas estão sob controle”, Cottarelli disse após ser incumbido de formar o novo governo, em mensagem clara à União Europeia.

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse durante o dia que lidará com qualquer administração italiana, mas insistiu na necessidade de se respeitar as regras internas da zona do euro.

Toda essa situação empurra a Itália ainda mais para o fundo de sua crise.

Cottarelli não tem o apoio dos principais partidos e, mesmo que governe apenas provisoriamente, terá dificuldade em aprovar medidas.

O ex-premiê italiano Silvio Berlusconi disse que poderia se candidatar nas próximas eleições representando seu partido, o Força Itália. Ele concorreu neste ano em aliança com o Liga, e estava impossibilitado de ser premiê por uma condenação —mas um tribunal de Milão já disse que ele poderia voltar a esse cargo no futuro.

Quando o país voltar à urnas, a Liga e o 5 Estrelas terão uma estratégia óbvia e possivelmente convincente: vão dizer aos eleitores que Mattarella, representando a elite, impediu um governo eleito pelo povo de ser estabelecido.

Analistas preveem que as siglas populistas podem se fortalecer assim. “A fé na moeda comum europeia é mais forte do que a democracia? Sério?”, escreveu o americano Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia.

“As instituições europeias já sofrem por falta de legitimidade devido ao déficit democrático. Isso vai piorar a situação.”

 

País vive impasse há quase três meses para formar novo governo

Quem comanda hoje a Itália? Enquanto o país não escolher um novo governo, o atual premiê, Paolo Gentiloni, segue no cargo, apesar de seu Partido Democrático ter sido derrotado nas últimas eleições. Ele mantém quase todos os poderes da posição. Só não pode aprovar um novo orçamento

Como a crise começou? Nenhum partido conseguiu maioria no Parlamento na eleição de 4 de março. Por isso, a Liga (de direita nacionalista) e o Movimento 5 Estrelas (crítico ao sistema político) fizeram uma aliança populista e indicaram o desconhecido Giuseppe Conte como premiê

Por que Conte não conseguiu formar um gabinete? O presidente Sergio Mattarella decidiu vetar seu indicado para o Ministério da Economia, o eurocético Paolo Savona. Segundo Mattarella, o país não podia ter alguém contrário ao euro comandando suas finanças. Com isso, Conte desistiu de ser premiê. O veto não é comum no país, mas já foi usado outras vezes

O que acontecerá agora? Mattarella incumbiu o economista Carlo Cottarelli, ex-FMI, de formar um gabinete, que deverá ser aprovado pelo presidente. Com isso, ele se tornará oficialmente premiê no lugar de Gentiloni. Dez dias depois, porém, Cottarelli precisará ter seu nome aprovado pela Câmara e pelo Senado

O que acontece se ele for aprovado? Cottarelli assumirá em definitivo como premiê, com todos os poderes do cargo; na teoria, poderia permanecer até as eleições regulares, em 2023. Entretanto, ele já afirmou que sua prioridade é apenas aprovar o orçamento de 2019. Depois disso, vai convocar uma nova eleição, provavelmente no começo do próximo ano

E se ele não for aprovado? Se uma das duas casas reprovar Cottarelli, ele se tornará um premiê interino, como Gentiloni é atualmente. Na prática, isso deve forçar Mattarella a convocar uma nova eleição para tentar resolver o impasse, provavelmente em setembro ou outubro

O que dizem os principais partidos? Mattarella recebeu apoio apenas do Partido Democrático (de centro-esquerda). A Liga criticou sua decisão e pediu uma nova eleição, o 5 Estrelas defendeu impeachment do presidente, e o Força Itália (de centro-direita) disse que vai votar contra Cottarelli

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