Candidatos democratas à esquerda tentam ganhar espaço nos EUA

Vitória de Ocasio-Cortez em primária em Nova York anima ativistas, mas há resistências na sigla

Nova York

O havaiano Kaniela Ing, 29, acha importante levar moradia a todo o 1,43  milhão de habitantes do arquipélago, onde um apartamento com vista para o mar pode custar US$ 7 milhões (R$ 27 milhões).

Com um discurso com acenos socialistas no país que se orgulha de ser o mais capitalista do mundo, o político é mais um dos que tentam surfar na onda de renovação que movimenta o Partido Democrata desde que o senador Bernie Sanders disputou a candidatura à presidência com Hillary Clinton, em 2016.

Durante a campanha, Sanders defendeu temas como emprego com garantia federal para trabalhadores americanos e saúde universal. As propostas atraíram eleitores saturados de ouvir o partido falar sempre dos tradicionais temas de aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Nas eleições legislativas de 2018, associar sua imagem à de Sanders é quase pré-requisito para atrair o público conquistado pelo senador.

“Nós estamos pressionando pelo que é progressista nos EUA, falando de questões como empregos com garantia federal, renda básica universal, assuntos que foram abordados na campanha de Bernie Sanders”, defende Ing.

Mas a imagem de Sanders não é a única a fazer sucesso entre os novos políticos democratas. Também tem sido estratégico receber a bênção de uma estrela em ascensão que ganhou espaço com os mesmos temas “de esquerda” defendidos pelo senador: Alexandria Ocasio-Cortez, 28.

Desde que Barack Obama virou senador em 2004, nenhum nome causava tanto furor no partido quanto o de Ocasio-Cortez, ex-organizadora da campanha de Sanders. Com um orçamento considerado baixo para o padrão político —cerca de US$ 862 mil (R$ 3,3 milhões)—, ela desafiou e derrotou um figurão do partido, Joseph Crowley, que arrecadou US$ 4 milhões (R$ 15,6 milhões).

Ele era considerado o quarto nome mais importante da sigla na Câmara. Mas, em novembro, será ela quem disputará a possibilidade de representar em Washington o 14º distrito de Nova York, região que inclui Bronx e Queens.

Foi no meio do Queens onde Ocasio-Cortez, que tem raízes porto-riquenhas, montou seu quartel-general; mais precisamente, em cima de um restaurante mexicano e perto de um local que oferece leitura de tarô e da palma da mão.

A temática defendida por Ocasio-Cortez ecoou, em muitos pontos, a de Sanders: saúde para todos, emprego com garantia federal, moradia como direitos humanos. Mas tocou também em pontos com apelo forte para a população latina que vive nas duas regiões, como abolição da ICE (departamento de imigração e alfândega), grande terror atual dos imigrantes nos EUA.

Mas não é na sala pequena com folhetos e várias imagens da política que a democrata pretende brigar pelo assento.

A arena escolhida por Ocasio-Cortez para conquistar eleitores são as redes sociais, ferramenta que tem sido bastante usada pelos novos nomes do partido. “Nós usamos muito as redes sociais e também pessoas no telefone conversando com milhares de pessoas. Não queremos apenas levantar recursos e usar o dinheiro para comprar tempo na televisão”, afirma Ing.

No caso do havaiano, entretanto, nem o discurso, nem as redes sociais nem a associação com Ocasio-Cortez foram suficientes para que derrotasse os rivais nas primárias do distrito. Ele recebeu apenas 6,3% dos votos e terminou a corrida em quarto lugar.

Mesmo destino encontrou Abdul El-Sayed, que foi derrotado nas primárias para governador em Michigan. Mas a tática deu certo para James Thompson, que vai disputar com o republicano Ron Estes a vaga do distrito 4 do Kansas na Câmara dos Deputados.

Ou seja, embora funcione em algumas bases eleitorais, há limitações ao discurso progressista, afirma T.J. Rooney, ex-presidente do partido Democrata na Pensilvânia e ex-deputado federal.

“Ocasio-Cortez é inteligente, tenho admiração por ela. É boa em articular sua visão e teve um resultado positivo. Mas não significa que o que ela fala em Nova York vai ter impacto em outros lugares”, diz.

“O distrito da Pensilvânia não vai abraçar o socialismo, mas vai eleger democratas. As pessoas têm que falar a língua de seus distritos antes de ir para Washington pensando em mudar os EUA.”

É a mesma percepção de Chayenne Polimédio, vice-diretora do “think tank” New America. Ela lembra que Nova York e Califórnia são dois estados que encabeçam grandes mudanças nos EUA, mas estão longe de representar o país.

“Como aprovam legislações progressistas, dão a impressão de que há uma onda em direção a políticas mais inclusivas. Mas até que ponto isso é realidade nas partes rurais do país? Há limitações”, afirma.

“Se você for para Ohio, Michigan, Kansas, a narrativa é diferente. Primeiro as pessoas votam no partido, e depois no candidato”, lembra.

Em alguns casos, a resistência à mudança pode estar dentro do próprio partido democrata, afirma Rooney.

Para ele, o partido precisa encarar essa ala mais “à esquerda” como uma oportunidade. “Se você vir as pessoas dentro do seu partido como oponentes, vai ser um partido perdedor”, ressalta. “O que os democratas têm que manter em mente é que as diferenças que nos dividem ainda são menores que as diferenças que dividem democratas e republicanos.”

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.