Estado Islâmico cresce nas Filipinas enquanto decai no Oriente Médio

Selva densa das ilhas do sul do país asiático atrai jihadistas, apesar de governo negar problema

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Soldados vigiam selva durante cerimônia para construir casas para ex-insurgentes islâmicos em Tipo-Tipo, nas Filipinas
Soldados vigiam selva durante cerimônia para construir casas para ex-insurgentes islâmicos em Tipo-Tipo, nas Filipinas - Jes Aznar/The New York Times
Basilan (Filipinas) | New York Times News Service

Em ilhas do sul das Filipinas, a bandeira negra do Estado Islâmico está voando sobre o que a organização considera como sua província do Leste Asiático.

Na selva, a dois oceanos de distância do árido local de nascimento do Estado Islâmico, homens estão carregando o símbolo da organização terrorista em novas batalhas.

Em janeiro, enquanto fiéis se reuniam para a missa dominical em uma catedral católica, duas bombas foram detonadas na igreja, matando 23 pessoas. O Estado Islâmico reivindicou a autoria do massacre, atribuindo-o a dois de seus terroristas suicidas.

Dias mais tarde, circulou uma ilustração em sites de chat do Estado Islâmico mostrando o presidente filipino Rodrigo Duterte ajoelhado sobre uma pilha de crânios e um combatente da organização em pé diante dele portando um punhal. A legenda da ilustração era um aviso: "A luta apenas começou".

O território do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, que chegou a ter área semelhante à do Reino Unido, encolheu depois de quatro anos de bombardeios e de ataques terrestres por combatentes curdos e xiitas, apoiados pelos Estados Unidos. O que resta é uma minúscula aldeia no sul da Síria, que pode cair a qualquer minuto.

Mas longe de se admitir derrotado, o movimento prosperou em outros lugares. E no grupo de ilhas em torno de Mindanao, no sul das Filipinas, há muito tempo um refúgio para insurgentes devido à sua selva densa e policiamento fraco, o Estado Islâmico atraiu diversos jihadistas militantes.

"O Estado Islâmico tem muito poder", disse Motondan Indama, que começou a combater quando ainda criança na ilha de Basilan e é primo de Furuji Indama, um líder militante que jurou aliança ao Estado Islâmico. "Não sei por que meu primo aderiu, mas isso está acontecendo em toda parte".

Igreja de Jolo onde bomba explodiu em atentado em janeiro deste ano
Igreja de Jolo onde bomba explodiu em atentado em janeiro deste ano - Forças Armadas das Filipinas/comando de Mindanao do Oeste/via Reuters

O grupo realizou sua primeira grande campanha de recrutamento no sul das Filipinas em 2016, divulgando vídeos para atrair militantes que não podiam viajar ao "califado" que a organização proclamou no Iraque e Síria. Centenas de combatentes acorreram à região, alguns dos quais vindos de lugares distantes como a Tchetchênia, Somália e Iêmen, segundo agentes de serviços de inteligência.

No ano seguinte, militantes que haviam jurado aliança ao Estado Islâmico tomaram a cidade de Marawi, em Mindanao. Quando o exército conseguiu reconquistá-la, cinco meses mais tarde, a maior cidade de população majoritariamente muçulmana no país estava arruinada. Pelo menos 900 insurgentes foram mortos, entre os quais combatentes estrangeiros e Isnilon Hapilon, o emir do Estado Islâmico no leste da Ásia.

Duterte declarou vitória sobre o Estado Islâmico. Mas a retórica triunfante não impediu militantes leais à organização de se reagruparem.

"O Estado Islâmico envia dinheiro às Filipinas e está recrutando combatentes", disse Rommel Banlaoi, presidente do Instituto Filipino de Pesquisa sobre a Paz, Violência e Terrorismo. "O Estado Islâmico é o problema mais complicado que existe nas Filipinas hoje, e não deveríamos fingir que não existe só porque preferiríamos que não existisse".

Desde o atentado contra a catedral, em 27 de janeiro, na ilha de Jolo, as forças armadas filipinas responderam com ataques aéreos e o deslocamento de 10 mil militares para Jolo, de acordo com o coronel Gerry Besana, porta-voz do comando militar regional na cidade de Zamboanga,

Soldados inspecionam veículo na entrada da  cidade de Zamboanga, no sul das Filipinas
Soldados inspecionam veículo na entrada da cidade de Zamboanga, no sul das Filipinas - Jes Aznar/The New York Times

​Drones (aeronaves de pilotagem remota) dos Estados Unidos estão patrulhando o arquipélago no sul das Filipinas, onde a minoria muçulmana do país está concentrada; a região abriga diversos movimentos insurgentes que há muito batalham contra o Estado, majoritariamente cristão.

Mas apesar da intensificação da ofensiva militar, o governo se recusa a admitir que as Filipinas são parte da área de atuação mundial do extremismo islâmico. Membros importantes do governo minimizam o envio de dinheiro e de combatentes estrangeiros do Estado Islâmico ao país para ataques mortais. A violência, dizem, resulta de disputas entre clãs muçulmanos ou de banditismo comum.

Uma semana depois do atentado contra a catedral de Jolo, a polícia declarou que o caso estava resolvido, atribuindo o ataque à organização militante Abu Sayyaf, sem admitir que grande número de seus integrantes haviam se tornado aliados do Estado Islâmico.

Em visita à catedral de Jolo, Nossa Senhora do Monte Carmel, Duterte e seu séquito pisotearam indícios do ataque, disseram líderes da Igreja. Os investigadores forenses foram impedidos de trabalhar no local do crime por dias. Pedaços de corpos foram comidos por cachorros.

"Estamos apelando por uma investigação independente porque o trabalho foi apressado demais, e eles declararam cedo demais que o caso estava encerrado", disse Jefferson Nadua, um padre da paróquia. "Essa é uma questão grave que precisa ser estudada de modo mais profundo, porque a ameaça não é apenas local. Talvez esteja vindo de fora, do Estado Islâmico".

Por décadas, insurgências locais como a organização Abu Sayyaf mantiveram uma campanha de atentados com explosivos e decapitações, e prosperaram nas selvas e mares sem lei que se estendem da Malásia à Indonésia.

Na década de 1990, depois que filipinos voltaram de períodos como combatentes na jihad do Afeganistão e de estudos em madrassas (escolas religiosas) linha dura no Iêmen e Arábia Saudita, as queixas locais e os apelos mundiais pela jihad se fundiram. Em uma porção de terra em formato de crescente no Sudeste Asiático, os militantes sonhavam com um califado livre de governo laico.

A organização terrorista Jemaah Islamiyah, afiliada da Al Qaida que matou mais de 200 pessoas em um atentado contra uma casa noturna em Bali em 2002, treinava recrutas nas selvas das Filipinas.

Mais tarde, quando o Estado Islâmico começou a construir seu califado no Oriente Médio, o movimento uniu os militantes díspares das Filipinas sob uma só bandeira ideológica, disse Sidney Jones, diretor do Instituto de Análise Política de Conflitos, em Jacarta, Indonésia.

"O governo não reconheceu a força deles para atrair todo mundo, de estudantes universitários a meninos do Abu Sayyaf na selva", disse Jones. "O que quer que aconteça com a coalizão pró-Estado Islâmico em Mindanao, ela plantou a ideia de um Estado islâmico como alternativa desejável à democracia corrupta".

Representantes do governo de Basilan dizem que a ilha agora está livre dos separatistas do Abu Sayyaf, que iniciaram sua luta em 1991. As autoridades insistem que não há combatentes estrangeiros escondidos na selva e afirmam que os rebeldes foram reduzidos a um efetivo disperso de apenas 20 combatentes encurralados.

Mas Besana estima o número de militantes em Basilan em talvez 200, e o líder deles jurou aliança ao Estado Islâmico.

Indama, antigo combatente que diz ter deixado o Abu Sayyaf no ano passado por rejeitar a ideologia do Estado Islâmico, afirma ter visto agentes estrangeiros em campos na selva de Basilan.

A ideia de que nenhum combatente estrangeiro havia se infiltrado em Basilan foi demolida em julho de 2018, quando a ilha se tornou o local do primeiro atentado suicida nas Filipinas.

O Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque, que matou 11 pessoas, atribuindo-o a um recruta marroquino. As autoridades filipinas inicialmente negaram que o incidente fosse um ataque suicida, muito menos envolvendo um estrangeiro. Semanas mais tarde, admitiram que o terrorista suicida era um alemão de origem marroquina.

Eduardo Año, secretário do interior das Filipinas, atribuiu a responsabilidade pelo ataque em Jolo a um casal indonésio, ainda que investigadores indonésios afirmem haver poucos indícios quanto a isso.

Besana admitiu que alguns combatentes estrangeiros estavam escondidos nas colinas de Jolo, sob o comando de Hatib Hajan Sawadjaan, que supostamente substituiu Hapilon como emir regional do Estado Islâmico.

Tradução de Paulo Migliacci

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