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Frustrado, Trump questiona a estratégia dos EUA para a Venezuela

Demora na queda de Maduro e possibilidade de intervenção militar desagradam a Trump

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Washington | Washington Post

Após o fracasso do esforço apoiado pelos EUA para depor o ditador Nicolás Maduro, o presidente Trump está questionando a estratégia agressiva de sua administração em relação à Venezuela.

Segundo figuras da administração e assessores da Casa Branca, Trump diz que foi induzido a pensar equivocadamente que seria fácil substituir o ditador socialista por uma figura oposicionista jovem.

O presidente Donald Trump em encontro na Casa Branca com Fabiana Rosales, esposa do autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó
O presidente Donald Trump em encontro na Casa Branca com Fabiana Rosales, esposa do autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó - Saul Loeb/AFP

A insatisfação do presidente se cristalizou em torno do assessor de segurança nacional John Bolton. Trump se queixa de que a postura intervencionista de Bolton destoa da visão do presidente de que os Estados Unidos deveriam manter distância de atoleiros no exterior.

Nos últimos dias Trump vem dizendo que Bolton quer que ele “entre numa guerra”. É um comentário que ele já fez no passado em tom de brincadeira, mas que hoje, segundo um funcionário sênior da administração, reflete suas preocupações mais sérias.

A política da administração se mantém oficialmente igual desde a tentativa fracassada do oposicionista Juan Guaidó de tomar o poder na semana passada, com o apoio dos EUA. Mas nos últimos dias as autoridades americanas estão mais cautelosas em suas previsões sobre uma saída rápida de Maduro, ao mesmo tempo em que reavaliam o que um funcionário descreveu como a probabilidade de um processo diplomático prolongado.

Autoridades americanas apontam para o engajamento contínuo de Trump com a questão da Venezuela desde as primeiras semanas de sua Presidência, vendo-a como prova de que ele tem uma visão realista dos desafios nesse país e não acha que exista uma solução rápida possível.

Mesmo assim, na última semana Trump se queixou de que Bolton e outros teriam subestimado Maduro, segundo três funcionários seniores da administração que, como outros entrevistados para esta reportagem, exigiram anonimato para discutir deliberações privadas.

Trump já disse que Maduro é “osso duro de roer” e que seus assessores não deveriam tê-lo induzido a pensar que o líder venezuelano pudesse ser afastado do poder na semana passada, quando Guaidó liderou protestos de rua que resultaram em mortes.

Em vez disso, Maduro rejeitou uma oferta para deixar o país, e, segundo John Bolton, duas figuras chaves de seu governo desistiram da ideia de desertar.

Em resposta, Maduro zombou publicamente de Trump e falou que não vai a lugar algum, dizendo que os Estados Unidos tentaram lançar um golpe “tolo”.

Na noite da quarta-feira (8), agentes mascarados da inteligência venezuelana detiveram o vice-presidente da Assembleia Nacional, Edgar Zambrano, numa operação dramática em Caracas.

Zambrano foi o primeiro político oposicionista sênior detido pelo governo socialista em retaliação pelo levante militar fracassado. Ele é um dos dez líderes oposicionistas acusados de traição, conspiração e rebelião pela Suprema Corte, favorável a Maduro, por envolvimento com a tentativa de golpe.

Bolton revelou o plano de deserção para colocar pressão sobre Maduro, algo que funcionários dos EUA dizem que deu certo. Eles afirmam que Maduro está dormindo em um bunker, paranoico com a ideia de que assessores próximos possam se voltar contra ele.

Mas Trump expressou o receio de que Bolton o tenha encurralado num beco sem saída e ido além do ponto em que ele se sente confortável, disse um funcionário dos EUA familiarizado com a política dos EUA para a Venezuela.

Os tuítes de Bolton incentivando Maduro a “aposentar-se precocemente” numa “praia bonita” e incentivando deserções em massa foram vistos por muitos como sinal de arrogância e teriam criado uma expectativa pouco realista quanto à rapidez com que será possível arquitetar o afastamento do líder venezuelano.

Dois funcionários seniores do governo disseram que, apesar de Trump estar se queixando de que Bolton o deixou em uma posição insustentável em relação à Venezuela, Bolton continua seguro em seu cargo. E Trump mandou seu assessor de segurança nacional continuar focando sobre a Venezuela.

A ameaça aberta de envolvimento militar dos EUA na Venezuela cresceu lado a lado com a atitude cada vez mais beligerante da administração em relação ao Irã.

Na semana passada, Bolton anunciou que um grupo de porta-aviões de batalha americanos será enviado para obstruir complôs iranianos para prejudicar as forças americanas no Oriente Médio.

Nos dois casos a administração adotou uma política intransigente que agrada ao instinto de Trump de projetar o poderio dos EUA no exterior, mas ao mesmo tempo ecoa o tipo de aventureirismo militar que ele sempre ridicularizou.

Trump parece estar mais à vontade com a política americana em relação ao Irã, baseada em sua própria ideia ferrenha de que o ex-presidente Barack Obama cometeu um erro de cálculo ao fechar um pacto nuclear com Teerã.

O presidente dos EUA está menos à vontade com a escalada da retórica em relação à Venezuela, que não representa uma ameaça militar direta aos EUA.

Qualquer envolvimento militar dos EUA no país latino-americano correria o risco de desencadear um envolvimento secundário com a Rússia, que apoia Maduro e já lhe vendeu armas.

Após um telefonema longo com o presidente russo Vladimir Putin na sexta-feira passada (3), Trump falou em tom aprovador das ações da Rússia na Venezuela, dizendo que Putin “não pretende se envolver na Venezuela de nenhum modo, só que ele gostaria de ver algo positivo acontecer para a Venezuela. E eu penso do mesmo modo. Queremos levar alguma ajuda humanitária.”

Sua fala contrastou com declarações anteriores do secretário de Estado Mike Pompeo e de John Bolton, que acusaram a Rússia de respaldar Maduro com dinheiro e equipamentos militares.

Durante o telefonema com Putin, Trump manifestou sua preocupação com a situação humanitária e de segurança  na Venezuela, segundo uma pessoa informada sobre a ligação.

Putin concordou com a avaliação de Trump, mas disse que a posição adotada pelos EUA solidificou o domínio de Maduro sobre o poder na Venezuela.

Putin também disse a Trump que Moscou não está vendendo armamentos novos à Venezuela, mas mantendo os contratos já existentes. E ele minimizou os investimentos financeiros da Rússia no país.

Os acontecimentos de 30 de abril engavetaram a discussão séria de uma resposta militar americana pesada, segundo antigos e atuais funcionários do governo e também assessores externos.

As autoridades americanas acham que o tempo joga a seu favor e que Maduro vai cair por conta própria. Mas essa estratégia de espera pode ser arriscada se Guaidó solicitar assistência militar dos Estados Unidos.

Numa entrevista em Londres na quarta-feira (8), Mike Pompeo rejeitou uma crítica do líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn sobre a suposta interferência dos EUA na Venezuela.

“Oferecer alimentos a crianças famintas não é interferência”, disse Pompeo. “É apoio, é o que fazemos. Faz parte de nossas tradições mais profundas de ajuda humanitária. A interferência já ocorreu: os cubanos estão lá. Eles já interferiram. Assim, espero que Corbyn peça a Cuba que cesse sua interferência na Venezuela.”

O vice-presidente Mike Pence foi comedido em suas ameaças a Maduro durante declarações que deu num encontro de líderes latino-americanos em Washington na terça-feira (7), dizendo que “Maduro precisa partir”, mas também assinalando que é possível que isso não aconteça logo.

Pence anunciou o envio de um navio-hospital da Marinha para a região em junho e disse que os EUA vão suspender as sanções sobre um assessor sênior de Maduro que trocou de lado. Foi uma mudança em relação ao discurso anterior sobre a intensificação das sanções.

Segundo um funcionário sênior, o objetivo é destacar que a política dos EUA inclui incentivos além de punições.

Bolton, conhecido por ser de linha dura, tem sido a voz mais forte na administração a defender uma potencial resposta militar à crise política e humanitária na Venezuela, onde a escalada das sanções americanas não conseguiu forçar Maduro a abrir mão do poder.

Mas Bolton não foi o primeiro.

No ano passado Trump falou sobre a possibilidade de invadir ou bombardear a Venezuela, comentários que em um primeiro momento foram descartados como mera fantasia.

Hoje Trump não vê com bons olhos a ideia de qualquer tipo de intervenção militar na Venezuela, segundo dois funcionários e um assessor externo.

Em reuniões no Gabinete Oval e telefonemas com seus assessores, Trump vem questionando o apoio forte dado a Guaidó por sua administração.

Alguns funcionários da Casa Branca dizem que Trump gosta do líder carismático, que ele descreveu como corajoso, mas já questionou se ele está realmente preparado para assumir o poder e quanto o governo americano realmente sabe a seu respeito.

Os muitos defensores de Guaidó dentro da administração dizem que ele é o primeiro líder oposicionista venezuelano a ter conseguido unificar a oposição e representar uma ameaça séria a Maduro.

Sua posição dentro do país teria sido confirmada, segundo alguns funcionários, pelo fato de que Maduro não o mandou prender ou prejudicar, por temer retaliações.

O senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, disse que não receia que os EUA tenham errado ao apostar em Guaidó.

“De jeito nenhum”, disse Graham. “Foi uma aposta inteligente. Acho que ele é o futuro da Venezuela. Ele é jovem, ele é a solução, não o problema.”

Graham disse também que Trump vem sendo bem servido por seus assessores, incluindo Bolton.

Mike Pompeo também mostrou otimismo na semana passada em relação à deposição de Maduro, dizendo depois que o plano fracassou que Maduro já estava a caminho do aeroporto quando assessores russos o convenceram a não partir. Maduro negou.

O senador republicano Marco Rubio, da Flórida, que tem influído na política do governo em relação â Venezuela, disse que Trump e Bolton estão na mesma página.

Rubio, que disse ter conversado com Trump sobre a Venezuela na noite de terça-feira (7), defende a política de esperar para que Maduro caia sozinho. Segundo ele, algumas das sanções americanas mais duras apenas agora estão fazendo efeito pleno, incluindo o de semear discórdia entre os assessores do ditador venezuelano.

“Acho que só agora estamos vendo o efeito ser sentido para valer e acho que é isso que está provocando parte desse atrito interno no regime”, disse Rubio.

Líderes da Defesa americana enxergam qualquer cenário militar que envolva tropas  em território da Venezuela como um atoleiro. Eles avisam que armas de repulsão como mísseis Tomahawk têm o grande risco de matar civis.

Mas a Casa Branca já pediu reiteradamente que sejam traçados planos militares que não cheguem a uma invasão.

As opções sob discussão enquanto Maduro ainda está no poder incluiriam o envio de elementos militares adicionais à região, aumentar a assistência dada a países vizinhos da Venezuela, como a Colômbia, e outras medidas para oferecer ajuda humanitária a venezuelanos deslocados fora do país.

Outras opções incluem o envio de navios da Marinha para fazer uma demonstração de força em águas venezuelanas.

Outras medidas sob discussão estão sendo pensadas para após a saída de Maduro, quando militares americanos podem ser autorizados a entrar em território venezuelano para auxiliar na resposta humanitária.

John Feeley, ex-embaixador americano na Venezuela e analista político da emissora Univision, disse que há outro motivo pelo qual uma intervenção militar dos EUA é pouco provável.

“Ela contraria a narrativa da reeleição de Donald Trump em 2020. Num momento em que estamos tirando tropas da Síria, do Iraque e do Afeganistão, como dizer que agora vamos comprometer 50 mil, 100 mil, 150 mil de nossos homens e nossas verbas a um país onde não é possível diferenciar os mocinhos dos bandidos?”, disse Feeley.

Tradução de Clara Allain 

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