Descrição de chapéu Financial Times Venezuela

Capitalismo selvagem cria raízes na Venezuela em crise

Empresários apontam para ampliação das liberdades de mercado sob governo socialista

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Michael Stott
Caracas | Financial Times

Após anos de desapropriações, hiperinflação, falências e colapso financeiro, não surpreenderia se o que restou do setor privado venezuelano tivesse perdido a esperança.

Mas empresários nesse país dizem que a crise econômica está levando o governo do presidente Nicolás Maduro a tomar medidas que o afastam do socialismo pleno de seu predecessor Hugo Chávez e o aproximam de um mercado mais livre.

“Como empresários, há anos ansiamos por preços livres e um fluxo livre de dólares”, comentou um executivo sênior no setor de bens de consumo. “Agora os preços foram liberados, na prática, e é possível pagar com dólares.”

Para ele, a Venezuela adotou o capitalismo selvagem.

Homem segura nota de 500 bolívares nas ruas de Caracas; o país emitiu novas cédulas em reconhecimento à hiperinflação - Federico Parra/AFP

Ministros do governo não fizeram nenhum anúncio oficial sobre mudanças de política e não responderam a pedidos de entrevista.

Mas empresários dizem que nos últimos meses as regras que proíbem transações em divisas não vêm sendo implementadas, muitos controles de preços foram abandonados, as importações foram liberadas e a combalida economia da Venezuela vem se dolarizando em ritmo acelerado.

Com isso, algumas mercadorias antes escassas ou impossíveis de obter reapareceram nas lojas, ainda que seus preços estejam fora do alcance da imensa maioria dos consumidores. A inflação caiu do nível estratosférico de mais de 100.000% no ano passado para vários milhares por cento previstos neste ano.

“A economia se estabilizou em certa medida”, comentou o analista e consultor Dimitris Pantoulas, de Caracas. “Antes a situação era de caos, com filas em toda parte e nada de alimentos. Agora é possível encontrar o que você procura, embora tudo custe muitíssimo mais.”

“Há uma certa ortodoxia”, concordou Asdrúbal Oliveros, diretor da consultoria Ecoanalítica. “Mas ela demorou a chegar e é extremamente desordenada. Os controles não foram suspensos –apenas não são implementados. É tudo muito arbitrário.”

Ninguém está sugerindo que a economia da Venezuela, enfraquecida após anos de má gestão e sob efeito de sanções dos Estados Unidos, encontre-se em situação de alguma maneira sustentável.

O produto nacional bruto caiu para menos da metade nos últimos anos, algo que o ex-diretor do banco central venezuelano Ricardo Hausmann descreveu como o maior colapso econômico dos tempos modernos que não envolva uma guerra ou um desastre natural.

Mas alguns empresários saúdam a liberdade econômica maior dos últimos meses, apesar de os motivos que levaram o governo Maduro a permiti-la não serem puros.

“A pressão dos controles de câmbio caiu não por uma questão de convicção, mas de necessidade”, explicou o diretor da Fedecámaras, a maior associação comercial do país, Carlos Larrazábal.

“Há uma recessão profunda nos setores produtivos, o consumo sofreu uma quedra dramática, não há financiamentos, é impossível obter crédito.”

Para combater a inflação, os bancos foram obrigados a conservar 100% dos depósitos recebidos como reservas obrigatórias do Banco Central, que cortou os créditos. Como os cartões de crédito não estão conseguindo acompanhar a inflação galopante, foi colocado um freio a empréstimos ao consumidor.

E algumas das poucas indústrias remanescentes que ainda funcionam afirmam não conseguir concorrer com os importados baratos, já que seus custos de produção são mais altos.

“O poder de compra desabou, então as vendas estão em 20% de seu nível anterior”, explicou o dono de uma fábrica. “Mas ainda tenho uma fábrica montada para produzir para um mercado muito maior. Assim, no curto prazo essa situação não está melhor. Mas no longo prazo é boa porque há menos intervenção do Estado.”

Pantoulas comparou a Venezuela a uma economia em guerra. “Dez por cento da população tem acesso a tudo que quer”, explicou, “enquanto os 90% restantes vivem na penúria.”

De fato, o clima era de tempos de guerra na assembleia anual da Fedecámaras, realizada neste mês numa universidade de Caracas.

Quando o sistema de alto falantes não funcionou, deixando de transmitir o hino nacional durante a sessão inaugural da assembleia, os participantes se puseram de pé e cantaram o hino de improviso, terminando com gritos de “Viva Venezuela!”.

“O setor privado se recusa a desaparecer”, disse Larrazábal em discurso em tom desafiador à plateia reunida. “Essa não é uma opção para nós. Fazemos parte da solução, não do problema.”

Questionado pelo Financial Times antes da assembleia por quanto tempo o setor privado poderá se manter, ele pintou um retrato mais sombrio: “É difícil prever. Em 1998 havia mais de 12 mil estabelecimentos industriais no país, quase 13 mil; hoje restam não mais que 3.000”.

Desses 3.000 restantes, ele acrescentou, um terço havia previsto no final de 2018 que não conseguiria sobreviver por mais um ano se a política econômica não mudasse.

Larrazábal explicou: “A rapidez com que a economia está sendo destruída é muito superior à velocidade das expectativas de uma mudança política que nos permita ter um modelo de livre empreendimento e propriedade privada”.

Tradução de Clara Allain 

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