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Alta dos preços de carne de porco vira nova ameaça ao regime chinês

País tem reservas estratégicas do produto para atender à grande demanda nacional

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Alexandra Stevenson Raymond Zhong
Pequim | The New York Times

Coisas que não deixam os principais líderes chineses dormir à noite: a economia estagnada, uma guerra comercial contundente e, cada vez mais, os porcos.

Especificamente, a escassez de porcos, que está rapidamente se tornando uma crise nacional.

O preço da carne suína vem subindo há meses e agora está quase 50% mais alto que um ano atrás, segundo dados publicados na terça-feira (10).

Os consumidores estão frustrados, e as autoridades silenciosamente manifestam alarme ao combater o surto de uma doença que está devastando a população suína do país e causando a escassez.

Consumidores escolhem carne de porco em mercado de Pequim - AFP

O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, e o principal órgão governante do país pediram "uma atitude de urgência" para lidar com o problema.

Outra autoridade classificou o problema no mês passado como "prioridade nacional".

Pelo menos três governos locais usaram as reservas estratégicas de carne suína do país para garantir que os consumidores continuem comendo o produto sem gastar muito, de acordo com reportagens locais.

(Sim, a China tem reservas estratégicas de carne de porco. A carne de porco é muito importante aqui.)

Mesmo com essas medidas, os consumidores estão sendo duramente atingidos no momento em que as contas dos supermercados já estão subindo, graças à guerra comercial com os Estados Unidos.

"Muito caro, muito caro, muito caro! Não podemos pagar", disse Gui Fuyi, 69, aposentada que percorria a seção de carnes de um supermercado em Pequim na terça-feira.

Atualmente, Gui compra apenas carne de porco moída para fazer bolinhos, e não cortes inteiros.

Na terça-feira, a China divulgou números da inflação dos preços ao consumidor que ilustram o crescente fardo para os compradores.

Os custos com alimentos aumentaram 10% no último ano, segundo os números, um aumento agravado pelas tensões comerciais que resultaram em altas tarifas sobre produtos agrícolas e ração animal que vêm dos Estados Unidos.

"O governo chinês sempre gosta de dizer que a China pode tolerar qualquer dor e repercussões do conflito comercial", disse Victor Shih, professor associado na Universidade da Califórnia em San Diego e especialista em economia chinesa.

"Mas o que eles esquecem de dizer é que é a população que está sofrendo o impacto da dor."

A China disse publicamente que a guerra comercial com os Estados Unidos não afetará seu suprimento de carne de porco.

Mas com as tarifas mais recentes, que entraram em vigor em 1º de setembro, a China agora impõe impostos extras sobre produtos americanos, incluindo soja, carne de porco, frutos do mar e petróleo bruto.

Enquanto as autoridades se preparam para aumentos mais acentuados de preços —analistas estimam que os preços da carne suína poderão terminar o ano duplicados em relação a 2018—, o desafio para Pequim está se tornando mais sério.

Há mais de um ano a China luta para conter uma epidemia violenta de peste suína africana, doença altamente contagiosa que é inofensiva para seres humanos, mas mata quase todos os porcos que infecta.

O governo chinês declarou seu primeiro surto em agosto de 2018, e desde então foram relatados casos em todas as províncias do país.

Em resposta, as autoridades ordenaram que os agricultores não alimentassem os porcos com restos de frango, um importante canal por meio do qual a doença, que pode sobreviver por dias em fezes e carne crua, se espalhou para populações saudáveis.

As autoridades impuseram quarentenas e restrições de transporte nos locais onde a doença foi encontrada. A polícia prendeu pessoas por negociarem porcos infectados.

Mas os padrões de segurança e higiene têm sido difíceis de aplicar aos milhões de pequenas fazendas onde é criada a maioria dos porcos da China.

O governo diz que 1,2 milhão de porcos foram abatidos até agora para tentar impedir a propagação da doença, o que é uma pequena fração dos 700 milhões de porcos que foram mortos no país no ano passado.

Muitos analistas de gado dizem que os números oficiais não refletem a gravidade da epidemia.

Agricultores e observadores da indústria na China dizem que um grande número de casos de peste suína africana não foi relatado às autoridades e que por isso muitos porcos infectados acabam sendo vendidos no mercado.

Em alguns casos, dizem os agricultores, as autoridades locais têm sido lentas ou relutantes em reconhecer as infecções encontradas em seus rebanhos.

A doença já cruzou a fronteira chinesa com o Vietnã, Mongólia e Coreia do Norte. Outros países asiáticos estão em alerta máximo.

À medida que os preços da carne de porco aumentam, e as famílias chinesas se preparam para vários grandes feriados, as autoridades locais começaram a encontrar maneiras criativas de tentar conter o nervosismo.

Na cidade oriental de Wenzhou, o governo local disse que tem carne de porco congelada suficiente em reserva para dar a cada cidadão 50 gramas por dia, durante quatro dias.

Na cidade de Nanning, no sul, foi dito aos moradores que podem comprar até 1 quilo de carne de porco por dia por um preço com desconto.

O governo da província de Guangdong, no sul, prometeu liberar mais de 3.100 toneladas de carne de porco congelada, segundo a imprensa local.

O governo central da China também anunciou uma série de medidas para incentivar os agricultores a voltarem a criar porcos, incluindo subsídios para a construção ou expansão de fazendas.

Alguns subsídios oferecem até US$ 700 mil (R$ 2,8 mi) para aqueles que aceitarem a tarefa.

Mas a peste suína africana ainda está sendo descoberta em partes do país, e um boom na criação de suínos poderia simplesmente dar à doença novos rebanhos para infectar e mais oportunidades para se espalhar.

"Para o governo, é realmente uma tarefa muito difícil", disse Pan Chenjun, analista agrícola no banco holandês Rabobank em Hong Kong. "Você não pode dizer que para curar essa doença temos que eliminar a produção."

Pan disse que, independentemente dos incentivos do governo, os próprios agricultores decidirão se devem começar a voltar ao negócio de suínos.

Muitos deles sabem que o vírus ainda está por aí, disse ela, e que o risco de infecção não desapareceu.

Enquanto as autoridades chinesas lutam para reabastecer o estoque de porcos do país, também lançam novas mensagens enfatizando as virtudes de reduzir o consumo de carne suína.

O jornal Life Times, do Partido Comunista, publicou recentemente um artigo de primeira página intitulado "É melhor comer menos carne de porco".

O consumo desse produto é uma antiga tradição da população chinesa, mas uma grande quantidade dela engorda, segundo o artigo, citando uma autoridade de saúde chamada Xu Shufang.

"Na verdade, não importa se a carne de porco é cara ou não, todos devem melhorar sua dieta comendo um pouco menos de carne de porco e um pouco mais de carne branca", disse Xu, segundo citação.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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