Apontado como sucessor de Evo, sindicalista de 30 anos lidera protestos na Bolívia

Andrónico Rodriguez é o número 2 de sindicato de cocaleiros dirigido por ex-presidente

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São Paulo

Ao lançar a candidatura para a eleição presidencial deste ano em seu berço político, Cochabamba, Evo Morales escolheu para apresentá-lo à multidão uma liderança que vinha despontando rápido em seu partido: Andrónico Rodriguez, que na época não tinha nem 30 anos —chegou a essa idade há poucos dias.

Vice-presidente há um ano das seis Federações de Cocaleiros do Trópico de Cochabamba —das quais o presidente é o próprio Evo​—, ele apareceu, nos últimos meses, ao lado do ex-mandatário boliviano em atos públicos e tem sido apontado como um de seus prováveis sucessores. 

Andrónico é filho de um dirigente sindical, estudou ciência política na universidade e hoje é um dos líderes dos bloqueios e protestos contra o governo interino de Jeanine Añez, que já deixaram dezenas de mortos. Ele deu entrevista por telefone à Folha na última quinta-feira (21).

Quais são as reivindicações de vocês?
Nunca aceitamos a renúncia de Evo Morales. Queremos que ele termine sua gestão, que vai até 22 de janeiro de 2020, como manda a Constituição. Evo foi colocado entre a espada e a parede.

Foi tudo planejado. Forçou-se sua renúncia da maneira mais maliciosa, usaram a institucionalidade para tirar do poder um dos presidentes mais democráticos e de maior aceitação popular.

Com todo o aparato do Estado —policiais, militares, Ministério Público—, converteram uma presidente ilegítima em constitucional. Venceu a mentira e o dinheiro. É muito preocupante.

E quanto às denúncias de fraude na eleição?
A contagem rápida realmente paralisou no 83%, faltavam 17% das áreas rurais, e o órgão eleitoral cometeu o erro de simplesmente parar a contagem, sem explicar o que estava acontecendo.

Essa foi uma das grandes suscetibilidades, tanto para a oposição quanto para nós. Houve irregularidades, tinha que repetir-se a eleição em algumas mesas, e Evo concordou. O presidente aceitou todos os pedidos da oposição. Eles não cederam em absolutamente nada.

O governo interino os acusa de protestar com violência. Vocês usam armas?
Há um ataque incrível contra nós. Nossos companheirinhos que vão com mochilas são revistados, aí do nada surge uma granada, um coquetel molotov, e os prendem. É tudo armado.

Encontramos policiais infiltrados nos protestos com armas, como se fossem manifestantes. É grave o que estão fazendo as pessoas acreditarem. Enxergam o Trópico de Cochabamba como uma republiqueta sem Estado. 

Para nos defender, usamos flechas, fogos de artifício e outros explosivos permitidos por lei, mas eles têm armas muito piores.

O que aconteceu no protesto em Cochabamba na sexta-feira (15), quando morreram nove manifestantes?
Era um protesto pacífico. Por que houve tantos mortos do nosso lado? Do lado dos policiais e do Exército não tinha nenhum ferido. Eles dizem que disparamos contra nós mesmos. Isso é inconcebível. 

Há quem diga que vocês obrigam os camponeses a ir aos protestos...
Totalmente falso. Há anos eles dizem que obrigamos as pessoas a marchar, que ameaçamos tirar suas terras. A mídia consegue um entrevistado que diz que foi obrigado a ir, aí vamos ver e a pessoa nem é do lugar. O que acontece é que é preciso cumprir as decisões da maioria.

Se somos cem afiliados em um bairro, e 90 decidem que vamos protestar, os dez que não estão de acordo também têm que ir. 

Mesmo os dez que não concordam são obrigados a ir? 
Não existe decisão unilateral, então eles têm que acatar a decisão da maioria. Isso não significa ditadura sindical. É uma luta por uma causa comum, não estão indo perder tempo.

O desabastecimento não castiga a própria população?
É uma medida de última instância, uma forma de pressão utilizada historicamente. Lamentavelmente afeta bloqueadores e bloqueados, porque ou é para todos ou para ninguém.

Você é apontado como possível sucessor de Evo Morales. Considera-se assim?
Não. Há muitos jovens em nível nacional que poderiam sucedê-lo. Sou um a mais. 

Vai se candidatar nas próximas eleições?
Respeito as decisões orgânicas que serão tomadas pelo partido [MAS, Movimento ao Socialismo, sigla de Evo]. Não gostaria de assumir com um país tão tenso, mas a resolução não cabe a mim. Nada está decidido neste momento. 

​​Com que idade entrou para o movimento?
Desde que me entendo por gente. Meu pai sempre foi dirigente, sempre foi preocupado em levar água, luz para a comunidade. 

Os cocaleiros de Cochabamba são acusados de abastecer o narcotráfico. Qual é a magnitude do problema?
Obviamente uma pequena parte da coca da Bolívia se desvia para o mercado ilegal, ninguém vai negar. Mas isso não só no Trópico de Cochabamba, também em La Paz e em outros lugares do mundo. 

Estigmatizaram o Trópico de Cochabamba de forma muito negativa, mas antes de Evo tinha muito mais narcotráfico. A diferença é que os EUA mandavam dinheiro para se imiscuir na política interna do país.

Pela Lei Geral de Coca que o governo de Evo aprovou, quem for pego fornecendo para o narco perde sua terra. Não é porque há coca no Trópico que há narcotráfico no mundo. É um problema que deve ser tratado de forma integral a nível internacional.

Evo deve voltar à Bolívia em curto prazo?
Esse é o objetivo, que se cumpra a Constituição. Mas no momento não há condições.

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