Descrição de chapéu The New York Times

Com França em tumulto devido a aposentadorias, Macron pode precisar de uma antecipadamente

Governo deve apresentar proposta que acaba com regimes especiais nesta quarta (11)

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Adam Nossiter
Paris | The New York Times

Com seu país em estado de turbulência, mais caos pela frente e nenhuma resolução dos problemas à vista, o presidente francês Emmanuel Macron tentou mudar de assunto.

Quase 1 milhão de pessoas saíram às ruas na quinta-feira (5) para protestar contra seu plano de reforma do generoso sistema de aposentadorias da França.

O presidente francês Emmanuel Macron, em entrevista coletiva no Palácio do Eliseu, em Paris - Ludovic Marin - 10.dez.2019/AFP

Mas um dia depois, Macron, em vez de tratar da questão mais premente –como sair do impasse que está deixando milhares de passageiros sem transporte público—, fez uma homenagem poética, longe de Paris, a três socorristas mortos num acidente de helicóptero.

Para alguns analistas, esse silêncio olímpico em relação à questão mais premente do momento resume à perfeição as dificuldades passadas, presentes e futuras de Macron para realizar reformas.

O presidente francês se promoveu junto aos eleitores como sendo um não político, mas essa credencial agora o prejudica. Seu próprio partido critica o que muitos consideram ser seu discurso desajeitado sobre um tópico que provoca grande ansiedade. Agora alguns setores em seu partido estão prevendo dificuldades pela frente para o homem que em seu manifesto de campanha prometeu a seu país promover uma revolução.

Os franceses estão promovendo sua revolução própria, uma que, como tantas outras no passado do país, está nascendo das próprias ruas.

Mais greves e protestos estavam planejados para esta semana, depois de o governo ter se reunido no fim de semana para discutir os detalhes do plano de enxugamento da Previdência. Na segunda-feira (9) os franceses se defrontaram com mais caos, com 14 das 16 linhas de metrô da cidade fechadas, a maioria dos trens no país cancelados e o trânsito parado por quilômetros em volta de Paris.

Os sindicatos se preparam para um embate prolongado. Macron pode estar ficando sem tempo e espaço para concretizar sua própria versão cerebral da revolução.

“A possibilidade que este governo tem de promover reformas está enfraquecida”, opinou Gérard Grunberg, veterano cientista político da universidade internacional Sciences Po.

Macron vem tentando levar o país a uma adesão maior às forças de mercado –liberalizando as regras sobre contratações e demissões, por exemplo— e reduziu o índice de desemprego de mais de 9% para 8%.

Mas isso não ampliou seu círculo de apoio: ele tem a aprovação de apenas um terço dos franceses. E sua iniciativa mais recente pode erodir sua popularidade ainda mais.

“Macron parece ser totalmente incapaz de ampliar sua base política e social”, disse Grunberg. “Ele só tem o apoio dos 25% que são a favor do que ele representa ideologicamente. Não o vejo recuperando sua popularidade. É uma fraqueza séria.”

Macron insiste que a reforma da Previdência, que visa simplificar os atuais 42 sistemas de aposentadorias do país, criando um sistema único baseado em pontos, vai criar um sistema mais justo.

“É um sistema único, para unificar”, disse Macron num encontro político com cidadãos em outubro.

“Qualquer que seja sua categoria profissional, cada ponto que você poupa, que voce ‘compra’, lhe dará exatamente os mesmos direitos quando você se aposentar.”

Na quarta-feira (11) o primeiro-ministro Edouard Philippe vai apresentar o que se pretende que será o texto final do plano.

Com a opinião pública apoiando os grevistas e com o movimento sindical encorajado com o sucesso das greves, a margem de manobras do governo parece limitada. Segundo pesquisa publicada no domingo pelo Journal du Dimanche, 53% dos franceses são a favor dos grevistas.

O fato de Macron estar aprendendo a fazer política desde que se tornou presidente não tem ajudado. Mesmo alguns de seus seguidores estão começando a ficar preocupados.

“Precisamos absolutamente acabar com as incertezas para os franceses, mostrar a eles que esta reforma não terá um impacto negativo sobre sua aposentadoria”, comentou Benoît Simian, deputado do partido de Macron que representa uma área em volta de Bordeaux.

Para ele, o impasse “prejudica a capacidade reformista do governo, que é uma necessidade para nosso futuro. Está claro que isto pode prejudicar nossa capacidade de reformar.”

A falta de clareza sobre quem vai perder ou ganhar com a reforma da Previdência abriu a porta para a oposição política a Macron, até agora fraca, e aos sindicatos. Alguns analistas dizem que os trabalhadores do setor privado serão beneficiados pela reforma. Essa previsão deixou os funcionários públicos enfurecidos.

“Eles decidiram por conta própria criar uma revolução na Previdência”, disse o líder oposicionista de esquerda Jean-Luc Mélenchon, falando com jornalistas em Marselha na semana passada. “É uma provocação lançada a nosso Estado de bem-estar social.”

Numa manifestação organizada pelos sindicatos em Paris no fim de semana para protestar contra as alterações à Previdência, os manifestantes deixaram claro quem era seu alvo. “Vamos barrar Macron, seu governo e seu programa reacionário!” gritou um organizador diante da estação ferroviária de Montparnasse, normalmente movimentada mas virtualmente vazia naquele momento.

“Este movimento é sobre muito mais do que a Previdência”, disse Fabrice Angei, da central sindical de esquerda CGT, gritando para se fazer ouvir por cima dos hinos sindicais que saíam dos alto-falantes.

“Macron é representante dos defensores do livre mercado, de Thatcher, e isso tudo está sendo contestado em todo o mundo”, disse Angei. “Ele é um anacronismo em relação a esta revolta contra a desigualdade e o estado autoritário.”

Macron já enfrentou uma experiência quase mortal para seu governo com os protestos do movimento dos coletes amarelos. Os manifestantes foram amansados com uma injeção maciça de dinheiro, repressão policial forte e dias de discursos presidenciais.

O cientista político Pascal Perrineau opinou: “O que estamos vendo é que Macron, com coragem considerável, está empreendendo uma reforma sistemática da Previdência, algo que nunca antes foi feito. Toda vez que alguém já tentou isso no passado houve uma mobilização social tremenda, porque a questão toda da Previdência induz ansiedade profunda.”

Os assessores de Macron dizem que o presidente tem consciência dos riscos.

“Ele não está perdendo a calma. Está totalmente preparado”, disse Ismaël  Emelien, que foi assessor de Macron por muito tempo e hoje trabalha no setor privado, mas ainda aconselha o presidente.

“Ele sabe que esta reforma é complicada e que reformar as aposentadorias é o mais difícil de tudo”, disse Emelien. “Isso é algo que traz muitas más lembranças de volta para os franceses.”

A opinião pública parece estar do lado oposto.

“Sou totalmente a favor da causa”, comentou a videografista freelancer Anais de Matos. “A greve não me preocupa nem um pouco. Acho ótima.

“Não podemos recuar. Não temos que tirar alguns privilégios de algumas pessoas, mas sim estender esses privilégios a outras.”

Tradução de Clara Allain

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