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The New York Times Eleições EUA 2020

Trump enfrenta semana péssima graças a coronavírus, queda nas Bolsas e vitória de Biden

Sequência de notícias ruins vira desafio para presidente americano em sua busca pela reeleição

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Maggie Haberman Annie Karni
The New York Times

O presidente Donald Trump já estava tendo uma semana difícil na segunda-feira (2).

O coronavírus estava se alastrando, as Bolsas estavam em queda e sua administração estava sendo criticada por uma reação inadequada à crise de saúde.

Então chegou a terça-feira (3). Joe Biden, que Trump tanto tentou retratar como corrupto que seus esforços para fazê-lo levaram ao processo de impeachment, teve uma das viradas políticas mais espantosas da história recente.

O ex-vice-presidente ganhou em dez estados e se colocou ao lado do senador Bernie Sanders na liderança da corrida pela indicação a candidato presidencial democrata.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para jornalistas ao deixar a Casa Branca
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para jornalistas ao deixar a Casa Branca - Carlos Barria - 5.mar.20/Reuters

As ações americanas voltaram a subir na quarta-feira (4), fechando em alta de quase 1.200 pontos, algo que representou uma boa notícia para um presidente que aposta tudo numa economia forte.

A má notícia foi a razão da recuperação citada por muitos analistas: as vitórias de Biden na Super Terça.

Para Trump, cuja fé em sua capacidade de moldar os acontecimentos externos é fonte de tranquilidade para ele, nesta semana o vem forçando a confrontar a verdade de que quase nada está sob seu controle neste momento.

Trump lidou com o coronavírus, a primeira crise externa de sua administração, repetindo uma sequência de mentiras, em vez de tranquilizar a população.

Ele declarou falsamente que haverá uma vacina pronta em questão de meses, sendo que na realidade ela só estará disponível dentro de mais de um ano.

E sua insistência em que sua administração merece nota “A+++” por sua resposta ao coronavírus não vem ajudando a tranquilizar os mercados assustados nem o eleitorado ansioso.

Não é de hoje que há uma desconexão entre o modo como Trump encara a política e como seus assessores mais experientes a enxergam.

Nas últimas semanas, ele voltou sua atenção a Bernie Sanders e a seu rival de longa data, Michael Bloomberg.

Mas vários assessores dele, falando reservadamente, disseram na quarta-feira que não se surpreenderam com o fato de os democratas terem se unido em torno de Biden, mesmo que Trump não esperasse por isso.

E eles previram uma campanha cansativa daqui para frente, com a corrida presidencial brutal de 2016 contra Hillary Clinton na memória, de como Trump vai tentar desqualificar seus rivais, enquanto os eleitores na terça-feira pareceram ter dado preferência a um candidato que projetou estabilidade e calma, e não turbulência e incertezas.

Funcionários da campanha de Trump disseram na quarta-feira que enxergam Biden como uma “versão light de Hillary Clinton”, um candidato que, segundo eles, vai gerar pouco entusiasmo por seus próprios méritos, mas ganhar força devido à oposição ao presidente e a Bernie Sanders entre os democratas.

Eles disseram que pretendem solapar o apoio do eleitorado negro a Biden, destacando o fato de o ex-vice-presidente ter votado pela lei criminal de 1994, hoje controversa, e ao mesmo tempo promovendo e elogiando o trabalho de Trump com a reforma da justiça criminal.

E eles disseram que vão tentar destacar seu apoio a políticas comerciais, como a Parceria Transpacífica, um acordo que teve origem sob o governo do presidente Barack Obama.

Mas eles enfrentam um desafio difícil. Obama continua altamente popular entre os eleitores democratas, e ressaltar a colaboração de Biden com ele pode simplesmente energizar seus partidários a comparecer às urnas para votar em novembro, caso ele seja o candidato democrata.

E, diferentemente de Hillary, vista negativamente por uma grande parcela de eleitores ao longo de décadas, Biden pode ter um vínculo mais forte com alguns eleitores de seu partido.

A frustração de Trump com os resultados das eleições ficou evidente em um de seus posts no Twitter na manhã de quarta-feira –uma diatribe ácida contra Jeff Sessions, o ex-secretário da Justiça forçado a enfrentar um segundo turno na disputa por sua antiga vaga no Senado no Alabama.

Trump ainda o vê como culpado pelo investigação de dois anos que buscou apurar uma possível conspiração entre sua campanha de 2016 e autoridades russas.

“Isso é o que acontece com alguém que é lealmente nomeado secretário da Justiça dos Estados Unidos e então não tem a sabedoria ou coragem de enfrentar e acabar com a caça às bruxas fajuta sobre a Rússia", tuitou Trump depois de Sessions não ter conseguido uma maioria na primária republicana.

"Que se abstém do assunto em seu PRIMEIRO DIA no cargo, e então o Golpe de Mueller tem início!”

Em um momento de incerteza, Trump parece estar se agarrando ao equivalente a “comfort food”: atacar Sessions.

Também ficou claro que o esforço do presidente para ditar os contornos da disputa presidencial democrata vem tendo pouco efeito.

Trump vem dizendo a seus assessores há meses que acredita poder moldar a corrida democrata de modo vantajoso a ele, focando sua atenção sobre candidatos específicos.

De maneira mais aberta e descarada que qualquer presidente anterior, ele vem procurando influenciar a disputa pela indicação presidencial de outro partido, direcionando seus posts no Twitter contra seus potenciais rivais e se esforçando para aprofundar as divergências autênticas no interior do Partido Democrata, alimentando o medo de que o establishment estaria tentando roubar Bernie Sanders da indicação presidencial.

Em janeiro, Trump aventou a ideia de que o julgamento de seu impeachment no Senado teria tido o objetivo de manter Sanders em Washington, em lugar de fazer campanha em Iowa antes do caucus nesse estado.

“Eles estão manipulando a eleição para prejudicar Bernie Sanders, como fizeram da vez passada, só que de modo ainda mais óbvio”, escreveu Trump no Twitter.

No mesmo mês, assessores de Trump começaram a encarar Sanders como seu adversário democrata ideal em novembro e buscaram fortalecer o perfil dele.

O presidente começou a falar ostensivamente sobre o senador em seus comícios e também no Twitter.

“Bernie está subindo nas pesquisas”, disse Trump em janeiro num evento em Toledo, Ohio. “Ele está em alta. Bernie Maluco está ganhando força.” Trump também destacou os avanços de Sanders nas pesquisas.

Outro alvo do presidente foi Bloomberg, que gastou milhões de dólares em anúncios atacando Trump e não hesitou em comparar sua fortuna com a do presidente.

Na terça-feira, quando os locais de voto abriram em 14 Estados, o presidente tentou mandar uma mensagem a eleitores no Texas e em Oklahoma.

“O Mini Mike Bloomberg vai acabar com sua extração de petróleo, com o fracking e os oleodutos”, postou ele no Twitter. “Qualquer coisa à base de petróleo vai acabar. Os empregos no setor energético vão acabar. Não vote no pequeno Mike!”

A desistência de Bloomberg na disputa, anunciada na quarta-feira, pode representar um pequeno consolo para Trump.

Mas também o coloca diante de uma ameaça grave a sua campanha, na medida em que Bloomberg prometeu desembolsar US$ 1 bilhão para ajudar o candidato presidencial democrata que for escolhido e imediatamente depois declarou apoio a Biden.

Outro desafio é o crescimento inesperado de um candidato que tem uma ligação genuína com o eleitorado afro-americano, o elemento essencial da vitória de Biden na Super Terça.

A campanha de Trump vem investindo dinheiro e tempo em um esforço para ampliar a popularidade do presidente entre os eleitores negros, empregando táticas como a abertura de escritórios em bairros negros e a compra de um anúncio durante o Super Bowl para divulgar a reforma do sistema de justiça criminal.

Trump recebeu apenas 8% do voto negro em 2016, mas seus diretores de campanha acharam que se ele enfrentasse um candidato como Sanders, que tem sua dificuldade própria em ganhar a adesão dos eleitores afro-americanos, isso abriria uma oportunidade para Trump.

Mas durante meses o filho de Joe Biden, Hunter Biden, e seu trabalho para a empresa energética ucraniana Burisma foram um dos maiores focos de atenção do presidente e seus assessores.

Esse esforço foi a razão principal do inquérito de impeachment, que investigou se Trump tentou pressionar a Ucrânia a investigar os Biden, em troca de liberar assistência militar para o país.

Os danos que isso causou ao presidente eram evidentes, mas a candidatura do ex-vice-presidente também foi prejudicada.

Sua posição nas pesquisas de opinião caiu na medida em que ele tinha dificuldade em responder a perguntas de jornalistas e eleitores sobre seu filho.

Mas a volta por cima de Biden ilustra os limites da influência de Trump.

“Acho que os eleitores das primárias democratas, especialmente os eleitores negros, estão ficando imunes às manobras absurdas de Trump”, comentou Addisu Demissie, que comandou a campanha presidencial do senador Cory Booker.

“São eles que infundiram vida nova na campanha de Biden. É provável que eles até tenham prazer em assistir a Biden derrotando Trump.”

O único papel real que Trump parece ter exercido na terça-feira foi assegurar que a chance real de um candidato ser eleito fosse a preocupação principal dos eleitores democratas e a base do apoio dado a Biden.

“Eu descreveria Trump como uma figura irrelevante neste processo”, disse o pesquisador democrata Geoff Garin. “Não há nenhuma evidência de que ele comande um grande exército de eleitores que estão afetando as primárias democratas.”

Apesar de sua falta de influência, Trump pareceu ansioso na quarta-feira por continuar a exercer seu papel de espectador que faz comentários com o intuito de perturbar a calma dos participantes em um processo.

“Nenhuma pergunta sobre a eleição?”, questionou ele a jornalistas na Casa Branca, onde havia se reunido com executivos de companhias aéreas para discutir o coronavírus.

O presidente sorriu enquanto seus assessores rapidamente conduziram os jornalistas para fora.

Tradução de Clara Allain

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