Descrição de chapéu The New York Times

Imigrantes fixam raízes no México enquanto esperam por asilo

Sem entrada fácil nos EUA, eles criam comunidades que reproduzem ambientes de seus países de origem

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tapachula (México) | The New York Times

O boteco mais descolado do sul do México —ou, pelo menos, o mais descolado a ter sido fundado por imigrantes do Camarões— fica num bairro predominantemente residencial em Tapachula, cidade mexicana perto da fronteira com a Guatemala.

Não foi fácil localizar o bar, escondido atrás de um portão amarelo de metal, sem placa, no final de uma viela imunda.

Mas o lugar oferece um ambiente de companheirismo e familiaridade para imigrantes da África subsaariana que estão presos em uma cidade muito distante de casa e também do destino ao qual querem chegar.

“Estamos estressados”, comentou o freguês Banks, 25, que era professor de física e química no ensino secundário em Uganda, mas fugiu da perseguição que sofria por ser gay.

Banks disse que forças do governo mataram seu namorado e estavam vindo para pegá-lo. “É por isso que estou bebendo”, disse ele, pedindo para ser identificado apenas pelo sobrenome, por temer que a administração ugandense pudesse encontrá-lo mesmo no México.

Numa noite de fevereiro, Banks era um entre uma dúzia de frequentadores, todos imigrantes africanos, que tomavam cerveja no bar e comiam pratos de espaguete e banana-da-terra preparados na cozinha improvisada. Um alto-falante portátil tocava música afropop.

O bar e seus fregueses eram uma consequência indireta da recente onda de repressão movida pelo México contra imigrantes sem documentos.

Pressionadas pela administração Trump, na primavera passada as autoridades mexicanas começaram a reforçar a segurança na fronteira, intensificando a implementação das leis de imigração locais e elevando o número de detenções feitas em todo o país.

Devido à mudança na política migratória, muitos imigrantes, confrontados com a possibilidade de serem deportados e sem caminho fácil para entrar nos Estados Unidos, agora estão buscando asilo ou algum outro status legal no México.

E novas comunidades de imigrantes vêm se formando na medida em que pessoas de todo o mundo fixam raízes no país.

A composição demográfica de Tapachula, ponto de entrada no país para migrantes vindos da Guatemala, vem mudando levemente, mas de modo perceptível, com a chegada de imigrantes de todo o hemisfério e de mais longe que vêm somar-se aos centro-americanos que eram e ainda são a grande maioria.

Entre os que chegaram mais recentemente há haitianos, cubanos, venezuelanos, migrantes do sul da Ásia e da África subsaariana.

Enquanto aguardam em Tapachula pelo processamento de seus pedidos de asilo, alguns imigrantes ganham algum dinheiro trabalhando como diaristas. Mas há outros que abriram pequenas empresas.

Cada empreendimento constitui uma expressão da ambição, criatividade e coragem que levam tantos imigrantes pelo mundo afora a deixar suas casas para trás e partir em busca de uma vida melhor.

Há quatro meses um restaurante ganense vem servindo fufu e outro pratos africanos. Barbeiros cubanos aparam cabelos em barbearias espalhadas pela cidade. Mulheres haitianas fazem tranças de raiz na praça central.

Esses empreendimentos chegam e desaparecem, acompanhando o fluxo e refluxo das populações migrantes. É o caso de um restaurante de cozinha asiática do sul e de um bar gay cubano: ambos prosperaram e depois foram fechados.

Kwende Pekings, candidato a asilo vindo do Camarões e co-fundador do bar, disse que sua ideia foi criar “um lugar feito por africanos, para africanos”.

“A ideia foi criar um ponto de encontro, um espaço onde africanos podem se reunir e bater papo.”

Estávamos no bar numa noite quente do início de fevereiro. Pekings não sabia disso, mas o estabelecimento estava vivendo seus últimos dias.

Como já aconteceu com outros empreendimentos de imigrantes que prosperaram e então desapareceram, a maioria dos frequentadores acabaria seguindo viagem, munidos de novos documentos de imigração, e o bar seria fechado antes do final do mês.

Situado na extremidade de um terreno cheio de escombros e lixo, o bar era um barraco com uma lateral aberta, telhado de zinco, mesas e cadeiras de plástico branco, um alto-falante barato e uma única lâmpada estroboscópica.

Podia não parecer grande coisa, mas representava a concretização de uma ideia que Pekings teve: oferecer a outros imigrantes um lugar onde pudessem trocar informações, especialmente para os que acabavam de chegar no país ou haviam sido libertados de centros de detenção de imigrantes.

Pekings, 29, era estudante de ciências da computação nos Camarões. Ele chegou ao México em junho.

Como a maioria das outras centenas de camaronenses vindos ao país recentemente, ele fugia da violência política em seu país, onde separatistas nas regiões de idioma inglês vêm travando uma batalha para criar seu território próprio, separado do resto da nação.

Pintado à mão sobre cartazes, Lebialem, o nome de seu bar, é também o nome da província camaronense onde se fala o inglês e de onde vêm muitos dos camaronenses que acabaram no México.

Imigrantes haitianos em um parque em Tapachula, no México - Daniele Volpe 5.fev.20/The New York Times

​Pekings esperava conseguir asilo nos Estados Unidos. Mas, sem enxergar um caminho possível até a fronteira americana, ele parou em Tapachula e foi viver numa casa onde estava pagando US$ 2 (R$ 4,40) por noite para dormir no chão.

Um dia ele subiu no telhado da casa, viu um barraco cheio de lixo no canto do quintal dos fundos e teve uma visão do bar que poderia criar.

“Imaginei este espaço do jeito que é hoje”, recordou Pekings, que solicitou visto humanitário para permanecer no México.

Com a permissão do locatário, Pekings e seus amigos puseram mãos à obra, retiraram o entulho e pintaram as paredes do barraco. O locatário então instalou um televisor, adiantou a Pekings o dinheiro para a compra dos primeiros engradados de cerveja e em setembro passado o Lebialem abriu as portas.

“Nosso objetivo não era ganhar dinheiro”, comentou o camaronense Ngwo Diddas Elad, 26, candidato a asilo que virou sócio de Pekings no empreendimento. “A ideia era manter as pessoas unidas.”

O bar rapidamente virou um ponto de encontro popular, atraindo não apenas imigrantes africanos mas também alguns fregueses locais ocasionais, chegando a receber mais de cem pessoas em algumas noites.

“Todo mundo ia para lá porque era o bar mais animado do centro da cidade”, disse Elad, que nos Camarões trabalhava como engenheiro de som.

Mas a população de origem subsaariana em Tapachula diminuiu muito nos últimos meses, à medida que os imigrantes receberam asilo ou encontraram outras soluções e foram deixando a cidade. E o número de frequentadores regulares do Lebialem também diminuiu.

Pekings e Elad passaram o controle do bar para novos donos em dezembro, e depois disso o local continuou funcionando graças a uma sucessão de outros camaronenses.

“Ainda é um boteco descolado, mas em pequena escala”, disse Elad, com orgulho, numa noite no início de fevereiro.

Vários imigrantes africanos comemoravam o aniversário de um amigo. Em volta de outra mesa, um segundo grupo discutia a melhor maneira de chegar aos Estados Unidos legalmente, pesando as vantagens de primeiro conseguir asilo no México.

O estilista camaronense Chris Boris Tchinda Kuete, 29, mostrou fotos e vídeos em seu telefone para ilustrar o que disse ser atos de violência cometidos contra sua família pelas forças de segurança dos Camarões.

Uma foto mostrava dois corpos calcinados no chão: sua prima e a filha de 3 anos dela. "Não posso voltar para lá”, disse Kuete.

Ele não conseguira encontrar trabalho em Tapachula. Então comprou uma máquina de costura para fazer roupas sob medida. Além disso, estava ajudando a administrar o bar.

“Gosto disso: deixar as pessoas felizes”, comentou. “E é isso que a América também gosta: dar uma vida nova às pessoas.”

Cada imigrante no bar tinha uma história angustiante de perseguição e de fuga sofrida de um país que amava.

A maioria deles viajou de avião para o Equador —onde até agosto do ano passado podiam entrar sem visto— e depois fez a perigosa viagem até o México por terra.

“Muitas pessoas pensam que estamos indo à América para tentar encontrar um bom emprego”, disse Bertrand, 29, soldador camaronense que só deu seu primeiro nome, temendo ser localizado pelas autoridades de seu país. “Eu tinha um bom emprego no meu país. Nunca tive a intenção de ir embora.”

Alguém estourou fogos de artifício precários como parte da festa de aniversário. As pessoas terminaram suas cervejas.

E pouco depois todos foram embora, partindo para seus quartos em hotéis baratos ou seu pedacinho de chão alugado para tentar dormir numa cidade estranha que se tornou de certa forma a casa deles, por enquanto.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.