Embaixadores de China e EUA no Brasil trocam farpas em rede social

Yang Wanming diz que Todd Chapman ataca China 'com boatos e mentiras'

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São Paulo

O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, subiu o tom ao responder neste domingo (12) a uma postagem do embaixador americano Todd Chapman.

Na sexta (10), Chapman divulgou link para um relatório segundo o qual o Partido Comunista chinês estaria conduzindo uma campanha de esterilização em massa de mulheres como forma de repressão à minoria étnica uigur.

Ao postar o link para o estudo, Chapman escreveu: "Esterilização em massa de mulheres uigures pelo Partido Comunista Chinês —silêncio não é uma opção".

Wanming respondeu: "Olha, esse homem vem ao Brasil com a missão especial, que é atacar a China com boatos e mentiras, aconselhamos que pare de fazer atividades desse tipo e faça bem o seu trabalho. Uma formiga tenta derrubar uma árvore gigante, ridiculamente exagerando em sua capacidade".​

O relatório foi feito pela Fundação Jamestown, um think tank de Washington. Divulgado no final de junho, aponta que o Partido Comunista utiliza esterilização, controle de natalidade obrigatório e abortos forçados para conter as taxas de nascimento na província de Xinjiang.

A taxa de crescimento populacional nas regiões com as maiores populações uigures caiu 84% entre 2015 e 2018, informa o documento, que teve bastante repercussão na imprensa internacional.

Segundo números da China, há cerca de 12 milhões de uigures na província de Xinjiang.​ Eles são considerados uma das 55 minorias étnicas do país.

Mulher uigur trabalha em fábrica de seda na província de Xinjiang - Simon Zo -23.mar.2008/Reuters

Nos últimos anos, as autoridades da região de Xinjiang internaram centenas de milhares de uigures, cazaques e membros de outros grupos minoritários muçulmanos em campos de doutrinamento, em nome da segurança nacional.

São as maiores detenções em massa desde a era de Mao Tsé-tung, de acordo com um documento vazado no final do ano passado, que sustenta que as detenções estão destruindo a tessitura da sociedade em Xinjiang. Críticos acusam a administração central de fazer genocídio cultural contra as tradições uigures.

O documento é um de vários arquivos compilados sobre mais de 1 milhão de pessoas que já passaram pelos campos e mostra a gama de comportamentos que as autoridades veem como problemáticos, como desistir de beber álcool, querer partir numa peregrinação religiosa ou ir a um funeral.

Esta não é a primeira vez que Wanming se envolve em farpas políticas nas redes sociais. Em março deste ano, ele fez duras críticas ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, por causa de declarações sobre a pandemia, e exigiu que o parlamentar se desculpasse.

"As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês. Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu estatuto como deputado federal nem [com] a sua qualidade como uma figura pública especial", escreveu Wanming.

No dia anterior, Eduardo havia comparado a pandemia do coronavírus ao acidente nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, em 1986. As autoridades, à época submetidas a Moscou, ocultaram a dimensão dos danos e adotaram medidas de emergência que custaram milhares de vidas.

Além disso, a subida de tom do embaixador chinês no Brasil vem em um momento em que o governo da China decide escalar sua política externa em relação aos EUA e a outros países, após receber uma série de críticas sobre a maneira com a qual lidou com a pandemia de coronavírus.

Como resultado, diplomatas e a agência de notícias ligada ao governo chinês —chamada Xinhua— são mais assertivos em suas mensagens.

Um exemplo recente foi um vídeo divulgado pela agência que zomba da forma como o governo dos EUA lidou com a crise do coronavírus. Chamada de "Era uma vez um vírus", a animação em inglês mostra bonecos do tipo Lego representando chineses e americanos durante os principais acontecimentos da emergência sanitária.

No decorrer da animação, o personagem da Estátua da Liberdade passa a receber soro na veia enquanto seu rosto fica pálido, refletindo a piora da situação do coronavírus nos EUA conforme os meses passam.

O vídeo foi uma resposta aos americanos, que passaram meses insinuando que os chineses haviam liberado o novo coronavírus, acidentalmente ou não, de um laboratório em Wuhan.

A assertividade no tom do vídeo —visto mais de 1,6 milhão de vezes e retuitado por diplomatas chineses— é o reflexo de uma China mais confiante de sua posição no mundo, afirmou à Folha o ex-diplomata Fausto Godoy, que atuou no país entre 1994 e 1997 e atualmente coordena o Núcleo de Estudos Asiáticos da ESPM.

“Essa nova China de Xi Jinping está cada vez mais audaz, mais segura do que está fazendo. Está se permitindo tomar atitudes internacionais que até 10, 15 anos atrás não ousaria, porque não se sentia capacitada para tanto”, disse.​

A China virou a segunda maior economia do mundo calcada num modelo exportador, a exemplo do que os EUA fizeram entre 1890 e 1929.

Nos últimos anos, há uma espécie de Guerra Fria 2.0 sendo trava entre os americanos e os chineses, cuja disputa de narrativas em torno da pandemia é só a peça mais recente desse quebra-cabeça.

O presidente dos EUA, Donald Trump, vive, desde que assumiu o poder em 2017, uma disputa particular com a potência ascendente do século 21, que inicialmente tomou a forma de uma guerra comercial disparada com o aumento de alíquotas de importação e, no ano passado, teve um novo capítulo com os protestos pró-democracia em Hong Kong.

Manifestantes contra o regime chinês iam para as ruas segurando bandeiras americanas, como um símbolo de protesto, enquanto o Partido Comunista acusava potências estrangeiras de inflamarem os atos.

No final do ano, após seis meses de manifestações em Hong Kong, Trump aprovou um pacote legal que visava punir autoridades envolvidas na repressão policial aos atos.​

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