Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha passa a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Chamado de Grande ou Bravo, dependendo do lado da fronteira onde se está, o rio é “largo, fundo e traiçoeiro”, define um brasileiro que já o atravessou duas vezes para ir do México ao Texas, nos EUA, sem visto. No ano passado, um salvadorenho e sua filha de dois anos não chegaram ao outro lado: a imagem de seus corpos afogados, abraçados dentro da mesma camiseta, causou comoção mundial.
Mas pouca coisa mudou: uma semana depois, desapareceu ali uma criança brasileira, que se soltou de sua mãe e nunca mais foi encontrada. Até setembro daquele ano, foram 48 afogamentos e 490 resgates —no mínimo, já que a cifra é considerada subestimada.
Detentor do trecho mais longo na divisa entre os dois países, o Texas se tornou um símbolo do drama enfrentado por imigrantes irregulares nos EUA.
Tornou-se também um ícone da cruzada promovida por Donald Trump: é um dos estados que mais apreendem estrangeiros indocumentados, onde crianças imigrantes foram detidas em estruturas semelhantes a jaulas e onde o presidente iniciou a construção do muro que prometeu —e até agora não entregou— para a fronteira.
Os dois fenômenos estão interligados. Com a maior repressão contra quem entra, os imigrantes se arriscam por rotas cada vez mais perigosas, muitas vezes levados por coiotes. Assim, o número de afogamentos na divisa cresceu no último ano —em apenas uma parte do rio, triplicou.
No país com mais imigrantes no mundo, o Texas é o segundo estado que mais concentra esses estrangeiros —11% do total, correspondendo a 17% da população local.
É, ainda, uma região chave na disputa presidencial por ser o segundo com mais votos no Colégio Eleitoral (38), atrás apenas da Califórnia. Seus eleitores são tradicionalmente republicanos, mas uma combinação de fatores leva os democratas a sonharem agora com uma vitória no estado após quatro décadas.
Primeiro, a população de latinos, negros e asiáticos no estado cresceu mais rapidamente que a de brancos, e esses grupos —que tendem a apoiar o Partido Democrata— são a maioria entre os mais de 2 milhões de texanos que se registraram para votar desde 2016.
Depois, Trump foi o republicano a vencer no Texas pela menor margem desde 1996 (9 pontos à frente de Hillary Clinton). E em 2020 um novo fator abalou a popularidade do presidente: a gestão da pandemia tem sido criticada até por ex-apoiadores no estado, o quarto do país em número de mortes por Covid-19.
Tudo isso animou a campanha de Joe Biden, que criou anúncios de TV dirigidos especificamente aos texanos, algo raro no partido.
Nacionalmente, a imigração ganhou importância dupla nesta eleição. Em termos demográficos, pela primeira vez os latinos vão superar os negros como a maior minoria étnica a participar da votação, segundo o Pew Research Center. No país, eles formam 13,3% dos eleitores.
Como agenda, o tema foi levado ao centro do debate pela ênfase de Trump nas medidas restritivas.
Enquanto o presidente promete seguir nesse caminho e criar um sistema de admissão baseado no mérito e voltado para estrangeiros com alta escolaridade, Biden afirma que vai desmantelar essas políticas e facilitar a regularização dos cerca de 11 milhões de indocumentados no país.
O democrata tem um trunfo: sua vice, Kamala Harris, é filha de uma indiana e de um jamaicano e faz parte de uma leva crescente de políticos americanos da segunda geração. O desafio será mobilizar esses eleitores: desde 1996, menos da metade dos latinos elegíveis a votar vão às urnas. Em 2016, a expectativa era de um comparecimento recorde para tentar derrotar Trump, mas isso não aconteceu.
O discurso democrata é que a política linha-dura de Trump não só ataca os valores dos EUA como nação historicamente formada por imigrantes, mas também é ineficiente ao concentrar recursos contra solicitantes de asilo legítimos, e não cartéis de drogas e traficantes de pessoas.
Já o republicano recorre a suas conquistas econômicas e às baixas taxas de desemprego entre latinos, ao menos antes da pandemia, para justificar por que deveriam votar nele —como fizeram 28% deles em 2016.
Enquanto isso, usa com os demais eleitores o discurso da lei e da ordem, defendendo que ao vetar os imigrantes protege os empregos locais e o território dos EUA —nos dizeres de seu site de campanha, “para que todo americano se sinta seguro em sua comunidade”.
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