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Minha eleição: 'Obama ganhou, mas Trump já estava ali'

Na campanha eleitoral de 2012, a polarização americana já era nítida

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São Paulo

Eu estava tão empolgada após uma semana viajando de carro pela Virgínia Ocidental, dormindo em hotéis de estrada, comendo mal e ouvindo quase todo tipo de gente —de donos de agência de emprego a adolescentes desdentados pela péssima dieta—, que, ao escrever um resumo das reportagens que queria produzir ao meu então editor, Fábio Zanini, só recebi como resposta: “Nunca mais me mande um email longo assim”.

Era agosto de 2011 e eu estava empolgadíssima em cobrir as eleições do ano seguinte, que oporiam o democrata Barack Obama ao republicano Mitt Romney (este, ainda não escolhido).

As prévias demorariam quase cinco meses para começar, e Obama gozava de relativa popularidade, embora esta sempre tenha sido maior fora dos Estados Unidos do que dentro dele. Mas o mundo ainda batia os braços para não se afogar na tremenda crise financeira que estourara três anos antes, e era natural que isso respingasse não só naquela eleição como na seguinte.

Queria entender, sobretudo, o que era a pobreza branca pouco escolarizada do miolo do país, que desconfiava de tudo que viesse de fora ou que quebrasse sua circunscrita bolha de crenças, bem diferente da pobreza negra e urbana do noticiário, dos filmes e ali das rebarbas de Washington.

Era uma fatia da população que odiava Obama; mais ainda, odiava a possibilidade de ele existir. E, eu não sabia, a mesma que ajudaria a eleger Donald Trump cinco anos depois.

Em meus três anos e meio de correspondência nos Estados Unidos para Folha, em dois períodos, viajei por metade dos 50 estados americanos, em boa parte para cobrir a eleição de 2012. Fui ao Havaí e a Illinois para entender Obama; fui para Utah e Massachusetts explicar Romney, e revirei o país para conhecer um eleitorado em transe, parte aflita com a economia, parte decepcionada por um governo que, embora sem maiores percalços, gastara seu capital político em uma reforma do sistema de saúde aquém da que prometera.

Obama venceu aquela eleição, diante de um Romney prolífico em gafes e centrista demais para uma ala crescente do eleitorado republicano que começava a borbulhar raiva. A polarização americana já era nítida, e a viagem à Virgínia Ocidental, e meses depois ao sul do país, onde ouvi sindicalistas e eleitores negros desalentados, me deixou obsessiva pelo tema.

No discurso da vitória, numa madrugada gelada em Chicago, Obama declarou ter escutado a voz de todos, mesmo dos que não votaram nele, e prometeu que elas o guiariam no retorno à Casa Branca. Minhas anotações da época mostram que achei essa a frase mais relevante declamada à multidão. Figuras da oposição deram declarações graciosas, e o caminho parecia claro.

Os cacos que o Partido Republicano começou a colar após duas derrotas, no entanto, reconstruiriam algo bem diferente de Romney, do senador John McCain (que perdera antes para Obama) ou mesmo que George W. Bush.

Donald Trump e Obama conversam
Donald Trump sucedeu Obama na Casa Branca - Carlos Barria - 20.jan.2017/Reuters

A opção não foi alargar o discurso para incluir aqueles que estavam redesenhando o cenário eleitoral do país —negros, mulheres, jovens, latinos. Em vez disso, o partido colou seus cacos buscando atenção, não harmonia; voltado àqueles que se sentiam perdendo lugar na política de sempre, não aos que tentavam expandir seu horizonte.

Foi nessa campanha, mais comedida do que as três anteriores que eu acompanhara como jornalista (a de 2004, em Nova York), que Donald Trump conseguiu seu primeiro quinhão no noticiário político ao acusar Obama de ser estrangeiro (!) e cobrando-lhe reiteradamente uma certidão de nascimento. Mesmo após ela ser apresentada, atacava-o diuturnamente como não americano, a pior ofensa diante de um público que acredita que o "sonho americano" o blinda de qualquer mal.

Guardo todos os contatos de pessoas que ouvi nessas viagens, e vez por outra me dá vontade de procurá-las para perguntar o que acham do rumo que o país tomou, que o mundo tomou. Meus emails diminuíram (obrigada, Zanini); a vontade de entender por que as pessoas votam como votam, não.

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