Descrição de chapéu The New York Times

Sucesso de Seattle no combate à Covid-19 mostra como poderia ter sido trajetória dos EUA

Cidade tem o menor índice de mortalidade das regiões metropolitanas, mas sofreu com impacto econômico

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Mike Baker
Seattle | The New York Times

Confrontados com o primeiro grande surto de coronavírus no país, alguns dos principais líderes do estado de Washington se reuniram numa manhã de domingo em março do ano passado para uma discussão estratégica urgente.

O vírus estava correndo solto por uma casa de repouso nos subúrbios de Seattle. Quando a reunião começou, a maioria das 19 primeiras mortes no país por conta do vírus havia sido registrada na região. Casos novos eram notificados a cada hora.

Quando o quinto slide foi mostrado na reunião, o clima na sala ficou tenebroso. Os números mostravam vários potenciais cenários para o futuro, mas quase todos incluíam uma linha azul que subia exponencialmente.

“Meu Deus, o que vai acontecer aqui?”, pensou o executivo de King County, Don Constantine, conforme contou, enquanto os outros presentes na sala, cada vez mais preocupados por estarem se encontrando presencialmente, deixavam os doces oferecidos intactos.

A reunião —que aconteceu três dias antes de a Organização Mundial da Saúde declarar a epidemia de coronavírus uma pandemia, em 11 de março do ano passado— desencadeou uma corrida para tentar conter o vírus, levando a algumas das primeiras ordens dadas nos EUA para cancelar grandes eventos, fechar restaurantes e escolas, tudo na esperança de que as possibilidades assustadoras apresentadas aos participantes não se concretizassem.

Um ano mais tarde, a região de Seattle tem o menor índice de letalidade das 20 maiores regiões metropolitanas dos Estados Unidos. Se o resto do país tivesse acompanhado Seattle, a nação poderia ter evitado mais de 300 mil mortes por coronavírus.

Ao longo de um ano no qual a Casa Branca fez pouco caso do vírus e outros líderes políticos se digladiaram sobre como contê-lo, o êxito de Seattle ilustra o valor de se adotarem estratégias unificadas e pontuais.

Pessoas almoçam fora da sede da Amazon, em Seattle, um ano após a OMS decretar o surto de coronavírus uma pandemia
Pessoas almoçam fora da sede da Amazon, em Seattle, um ano após a OMS decretar pandemia de coronavírus - Ruth Fremson - 10.mar.2021/The New York Times

Apesar de os sanitaristas e políticos da região terem divergido nos bastidores sobre as melhores maneiras de controlar o vírus, eles se uniram para mostrar uma frente unida diante do público. E a população seguiu suas orientações, em grande medida. “Não podíamos nos dar ao luxo de transmitir uma mensagem ambígua”, explicou a prefeita de Seattle, Jenny Durkan.

As restrições que estiveram em vigor de modo intermitente durante a maior parte do ano tolheram a vida das pessoas e a economia. Mas, enquanto governadores de outras partes do país citavam a economia como uma razão para afrouxarem lockdowns, o sucesso de Seattle mostrou a viabilidade de um caminho alternativo.

Em meio à turbulência econômica generalizada, o índice de desemprego no estado de Washington tem acompanhado a média nacional, sendo menor que alguns lugares que reabriram a atividade econômica mais amplamente, incluindo o Arizona e o Texas.

Vários fatores moldaram a trajetória da pandemia, tanto ao nível local quanto nacional. Especialistas em saúde pública disseram que Seattle pode ter se beneficiado em parte de suas características demográficas: uma população saudável, com famílias pequenas e muitos profissionais que podem trabalhar de casa.

É possível, também, que o apoio público às restrições tenha sido maior na cidade por ela ter sentido o choque de sofrer as primeiras mortes noticiadas no país. A alta umidade também pode ter ajudado, dizem cientistas, apesar de que o tempo frio e os céus cinzentos provavelmente não.

Pesquisadores dizem que Seattle também se beneficiou de sua rede de organizações filantrópicas e de pesquisa voltadas à saúde global, com políticos dispostos a dar ouvidos a elas, empresas que desocuparam seus escritórios desde o começo da pandemia e moradores que indicaram reiteradamente uma disposição de mudar seu modo de vida para salvar outras vidas.

Mesmo com o passar dos meses, enquanto o número de casos de coronavírus na região ainda estava entre os mais baixos do país, uma sondagem constatou que os habitantes do estado de Washington eram os que mais provavelmente concordariam em passar o feriado de Ação de Graças em casa.

Ali Mokdad, professor no Instituto de Medições e Avaliações de Saúde da Universidade de Washington, disse estar convencido de que o modelo seguido por Seattle poderia ter sido emulado, afetando positivamente a trajetória do vírus no país.

Em vez disso, segundo ele, os diferentes estados foram reabrindo suas economias antes da hora, e membros da população ignoraram conselhos de saúde que em alguns momentos eram sabotados por mensagens conflitantes vindas de políticos e empresários. Para ele, Seattle mostra como poderia ter sido a trajetória do coronavírus no país. “Há tantas lições que aprendemos aqui”, disse Mokdad. “Infelizmente, porém, poucas pessoas estavam ouvindo.”

Restaurante no Pike Place Market, em Seattle; comer na área interna de estabelecimento já é permitido em grupos pequenos de pessoas
Restaurante no Pike Place Market, em Seattle; comer na área interna de estabelecimento já é permitido em grupos pequenos de pessoas - Ruth Fremson - 10.mar.2021/The New York Times

Alerta precoce para o país

Antes mesmo de ser dada a ordem de isolamento em casa no estado, os moradores de Seattle já tinham demonstrado disposição de mudar seu modo de viver.

Na primeira semana da epidemia, em março, a Microsoft e a Amazon, que juntas empregam dezenas de milhares de funcionários na região, incentivaram as pessoas a começarem a trabalhar de casa. Outras empresas seguiram o exemplo.

A Universidade de Washington tornou-se o primeiro grande campus universitário a adotar o ensino à distância. Enquanto a atividade econômica prosseguia normalmente no resto do país, o trânsito de Seattle, conhecido por ser intenso, ficou menos congestionado. Os ônibus que antes circulavam lotados de passageiros passaram a andar quase vazios. A famosa feira livre Pike Place Market silenciou.

Foto aérea de Seattle durante a pandemia do coronavírus em março de 2020
Foto aérea de Seattle durante a pandemia do coronavírus em março de 2020 - Lindsey Wasson - 15.mar.2020/Reuters

Aquelas adaptações iniciais podem ter ajudado a região a evitar parte do caos visto em Nova York, onde ainda em 13 de março o prefeito Bill de Blasio estava dizendo: “Queremos que as pessoas continuem a viver normalmente”.

Em pouco tempo a região de Nova York ultrapassou Seattle em termos de mortes por coronavírus, que ainda tem o mais alto índice de óbitos per capita entre as grandes regiões metropolitanas.

Thomas Frieden, ex-diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) e ex-comissário do departamento de saúde de Nova York, estimou que a cidade poderia ter reduzido seus mortos na primavera em mais da metade se tivesse adotado o distanciamento social amplo uma ou duas semanas antes do que o fez. Para ele, a cidade ainda não acertou a mensagem que transmite em relação ao vírus.

Pesquisadores da Universidade de Oxford determinaram que o conjunto de restrições adotado pelo estado de Washington ao longo do ano foi um dos mais rígidos do país. Outros estados que seguiram medidas de controle rígidas, entre eles Maine e Vermont, também estão entre os que apresentam os menores números de casos do vírus.

Algumas áreas metropolitanas menores, incluindo outras cidades do estado de Washington, Portland (Oregon) e Raleigh (Carolina do Norte), tiveram resultados melhores que a área de Seattle. Elas seguiram restrições mais amplas.

O custo das restrições

A pressão para reabrir a economia em muitos estados foi uma resposta às consequências econômicas devastadoras dos isolamentos prolongados, e Seattle pagou um preço por seus números menores de casos de Covid.

Hoje em dia as zonas varejistas do centro da cidade estão sobretudo silenciosas e paradas, com muitas vitrines fechadas com tábuas. Ruas que no passado ficavam lotadas com trabalhadores da Amazon no horário do almoço agora ficam em grande parte vazias. Algumas empresas fecharam definitivamente.

Jeffrey Duchin, diretor de saúde de Seattle e King County, disse que a cidade ainda está tentando encontrar o ponto certo de equilíbrio entre controlar o vírus e deixar a população viver sua vida com mais normalidade.

As consequências que estão vindo à tona não são apenas econômicas, disse. Também incluem depressão, violência doméstica, atendimento médico adiado, uma queda de outros tipos de imunização e os impactos de longo prazo de as crianças não estarem na escola. Mesmo assim, ele se disse estar convencido de que a cidade tomou as decisões corretas.

“As outras consequências não intencionais podem ser tratadas e mitigadas com o tempo, mas não há como trazer pessoas de volta do IML”, disse ele.

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