Cada vez mais latino-americanos vão aos EUA em busca de vacinas contra Covid

Viajantes são motivados pelo ritmo lento da imunização em seus países; movimento pode reforçar desigualdade

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Ernesto Londoño

Chefe da sucursal do jornal The New York Times no Brasil

Daniel Politi

Jornalista baseado em Buenos Aires

Santi Carneri

Fotógrafo e jornalista baseado no Paraguai

Rio de Janeiro | The New York Times

Florencia González Alzaga, uma fotógrafa em Buenos Aires, montou seu plano para voar para os EUA para tomar a vacina contra a Covid depois que o assunto foi mencionado em seu clube de leitura no Zoom.

Juan Pablo Bojacá, um influencer colombiano especializado em turismo frugal, sugeriu que seus 137 mil seguidores no Instagram tentassem segui-lo e postou um guia passo a passo que o mostra atravessando o controle de passaportes em Miami. José Acevedo, agente imobiliário no Paraguai, ficou surpreso com a facilidade de sua entrada em Las Vegas.

Vacinação no ginásio AmericanAirlines Arena, em Miami, nos Estados Unidos
Vacinação no ginásio AmericanAirlines Arena, em Miami, nos Estados Unidos - Saul Martinez/The New York Times

Frustrados pelo ritmo lento da vacinação em seus países e sabendo do excesso de doses nos EUA —onde dezenas de milhões de pessoas optaram por não ser imunizadas—, latino-americanos ricos e da classe média com vistos de turista viajaram ao país nas últimas semanas para conseguir uma vacina contra a Covid-19. "Parece um sonho", disse González, que recebeu a injeção em Miami em abril.

O acesso foi uma bênção para os privilegiados em países onde o vírus continua cobrando um preço brutal —mesmo que muitos, inclusive os que estão se beneficiando, lutem com o fato de que o turismo da vacina reforça a desigualdade que agravou o custo humano da pandemia.

Sean Simons, porta-voz da campanha ONE, que trabalha para erradicar a doença e a pobreza, disse que a viagem para se vacinar poderá ter sérias consequências indesejáveis e pediu que países com excedente de doses as canalizem pelo sistema de distribuição da OMS chamado Covax. "Milionários e bilionários atravessando continentes ou oceanos para se vacinar, geralmente duas vezes, significam maior exposição, maior probabilidade de variantes se espalharem e acesso apenas aos membros da elite", disse.

O governo Biden anunciou neste mês que daria 80 milhões de doses da vacina até o final de junho para os países com dificuldade para vacinar suas populações. Enquanto as histórias de sucesso de latino-americanos que conseguem se vacinar são compartilhadas nas redes sociais e de boca em boca e autoridades de Nova York ao Alasca incentivam o turismo da vacina, milhares de pessoas fazem planos de ir para o norte, o que fez com que o custo da passagem aérea disparasse em várias rotas.

As agências de viagens da região começaram a vender pacotes para vacinação, incluindo itinerários por vários países para os brasileiros, que devem passar duas semanas em outro país antes de poderem entrar nos EUA. José Carlos Brunetti, vice-presidente da Maral Turismo, agência de viagens em Assunção, no Paraguai, disse que essas viagens foram uma bênção para seu setor, depois de um ano desanimador.

Pessoa recebe vacina em um posto temporário no Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos
Homem recebe vacina em um posto temporário no Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos - James Estrin - 12.mai.21/The New York Times

"O frenesi para viajar aos Estados Unidos para tentar ser vacinado começou em março", disse ele. "Agora estamos vendo um crescimento exponencial no número de passageiros e voos."

De modo geral, estrangeiros que entram nos EUA com vistos de turista têm permissão para buscar atendimento médico no país. O Departamento de Estado realiza verificações da ficha policial dos estrangeiros que pedem o visto, mas as autoridades disseram não fazer o procedimento para pessoas que viajam explicitamente para ser vacinadas —e parece não haver uma orientação do governo federal sobre estrangeiros que vão ao país com tal objetivo. Depois que entram, dizem as autoridades, cabe a estados, municípios e provedores de saúde individuais decidirem se aplicam a vacina sem prova de residência.

Políticos importantes na América Latina estão entre os que voaram para os EUA em busca de imunização.
César Acuña prometeu como candidato presidencial no Peru, no início deste ano, que pretendia ser "o último" no país a receber a vacina. Mas depois de perder nas urnas explicou que não havia razão para manter a promessa. "Lembrem-se que tenho 68 anos, sou uma pessoa vulnerável", disse a uma rádio.

Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, prometeu em fevereiro que "não seria vacinado enquanto o último argentino de grupos de risco e os trabalhadores essenciais não tivessem sido". Apesar de ter imposto uma série de medidas de quarentena rígidas desde o ano passado, a Argentina está enfrentando uma epidemia generalizada que, segundo especialistas, é instigada em parte por uma variante altamente contagiosa detectada primeiro no Brasil.

Apesar da promessa de esperar para ser vacinado, Macri escreveu em um post no Facebook neste mês que tinha recebido a vacina de dose única da Johnson & Johnson em Miami, depois de perceber que "as vacinas estão sendo aplicadas em toda parte, nas praias, shopping centers e até em farmácias".

Entre 12 latino-americanos que viajaram aos EUA para ser vacinados e foram entrevistados para esta reportagem, vários expressaram sentimentos conflitantes. Alguns que não quiseram ser identificados disseram se sentir culpados por receber a vacina enquanto compatriotas mais vulneráveis à doença continuam expostos.

José Acevedo e sua irmã Elena, que viajaram do Paraguai para os Estados Unidos para serem vacinados
José Acevedo e sua irmã Elena, que viajaram do Paraguai aos Estados Unidos para serem vacinados - Santi Carneri- 25.mai.21/The New York Times

González, a fotógrafa argentina, disse que seu plano foi concebido depois que membros de seu clube de leitura online começaram a falar mais sobre seus temores relacionados à pandemia do que sobre os livros que estavam lendo. "Começamos a falar sobre isso, e eu pensei: por que não vamos a Miami tomar a vacina?", disse ela. "De uma semana para a outra compramos as passagens."

González disse que conseguiu facilmente marcar uma hora para ser vacinada um dia depois de chegar a Miami, em 1º de abril. A dose da Johnson & Johnson que ela recebeu no centro do Exército de Salvação foi o fim de uma fase agonizante de isolamento que a fez lembrar de seu tratamento contra o câncer, sete anos atrás. Ela ficou surpresa ao ver como as pessoas no centro de vacinação fizeram poucas perguntas. "Elas queriam vacinar as pessoas", disse. "Estavam entusiasmadas por estarem vacinando."

A primeira onda de turistas da vacina argentinos que voltaram para casa com certificados de imunização americanos provocou um forte aumento nos preços das passagens, disse Santiago Torre Walsh, que tem um blog de viagens chamado Sir Chandler. No início, os viajantes relutaram em admitir o objetivo da viagem, disse ele. "Agora, isso mudou. As pessoas parecem mais dispostas a falar abertamente a respeito, e assim motivam outras pessoas a fazerem o mesmo."

Acevedo, o agente imobiliário no Paraguai, disse que passou a ver sua viagem para se vacinar como um investimento válido e possivelmente salvador, porque o fato de ser obeso o coloca sob maior risco.
"Não posso parar de trabalhar, produzir, e meu trabalho exige contato com muita gente", explicou. Ele raciocinou que, ao conseguir a vacina americana, está reduzindo o custo para o governo paraguaio.

"Parte disto é não tirar uma dose de pessoas que precisam mais dela", afirmou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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