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Com saída dos americanos, mais afegãos se rendem ao Taleban

Grupo vem tomando postos militares na zona rural do Afeganistão

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David Zucchino Najim Rahim
Mehtar Lam (Afeganistão) | The New York Times

​Nos postos militares avançados na província de Laghmann, faltava munição. A comida era escassa. Alguns policiais não recebiam seus salários havia cinco meses.

Então, justamente quando as tropas americanas começaram a deixar o país, no início de maio, combatentes do Taleban cercaram sete postos militares afegãos na zona rural espalhados entre os campos de trigo e as plantações de cebola da província, no leste do país. Os insurgentes chamaram lideranças dos vilarejos para visitar os postos militares levando uma mensagem: rendam-se ou morram.

Policiais fazem guarda no telhado de posto próximo a Mehtar Lam, no Afeganistão
Policiais fazem guarda no telhado de posto próximo a Mehtar Lam, no Afeganistão - Jim Huylebroek/The New York Times

Após negociações que se prolongaram até a metade do mês, segundo os líderes dos vilarejos, forças de segurança entregaram os sete postos militares. Depois de entregar armas e equipamentos, pelo menos 120 soldados e policiais ganharam passagem segura para o centro provincial sob controle do governo.

“Dissemos a eles: ‘Vejam bem, a situação de vocês é difícil. Não haverá reforços chegando’”, contou Nabi Sarwar Khadim, 53, um dos vários líderes de povoados que negociaram as rendições.

Desde 1º de maio ao menos 26 bases e postos militares em quatro províncias —Laghman, Baghlan, Wardak e Ghazni— se renderam após negociações do tipo, segundo líderes de povoados e autoridades do governo. Com a moral baixa à medida que as tropas americanas se retiram do país, e com o Taleban aproveitando as rendições para alardear vitórias, cada colapso militar alimenta o próximo na zona rural.

As rendições negociadas incluíram quatro centros distritais que abrigam governadores locais, policiais e chefes de inteligência. Isso significa, na prática, que instalações do governo passaram para o controle do Taleban, e os funcionários que exerciam suas funções ali foram dispersos, pelo menos temporariamente.

O Taleban já negociou rendições de tropas afegãs no passado, mas nunca na escala e com a rapidez vistas nas quedas de bases militares em quatro províncias que se estendem a leste, norte e oeste de Cabul. A tática tirou centenas de forças governamentais do campo de batalha e entregou territórios estratégicos, armas e veículos, em muitos dos casos sem que o Taleban tenha disparado um tiro sequer.

As quedas de bases militares afegãs constituem uma medida da deterioração acelerada do esforço de guerra governamental. Um posto militar após outro vem caindo, alguns deles após batalhas, mas em muitos casos após rendições em grande escala.

As rendições integram um “modus operandi” mais amplo do Taleban que abrange tomar e conservar o território no momento em que a moral das forças de segurança está enfraquecida com a saída das tropas internacionais. Também inclui rendições negociadas de policiais e milícias locais, além de tréguas locais que permitem ao grupo consolidar seus avanços, e, por fim, uma ofensiva militar que prossegue a despeito de chamados por negociações de paz e de um cessar-fogo nacional.

“O governo não está conseguindo salvar as forças de segurança”, diz Mohammed Jalal, líder de um vilarejo na província de Baghlan. “Se as tropas combaterem, serão mortas. Assim, elas têm de se render.”

As rendições são obra dos Comitês de Convite e Orientação do Taleban, que intervêm após insurgentes bloquearem as estradas e a chegada de suprimentos aos postos militares cercados. Líderes dos comitês ou líderes militares do Taleban telefonam aos comandantes das bases militares —e às vezes a seus familiares— oferecendo poupar a vida de seus homens se entregarem seus postos, armas e munições.

Em vários casos, os comitês vêm dando roupas civis e dinheiro (geralmente cerca de US$ 130, ou R$ 683) aos militares que se renderam e os mandam para casa ilesos. Mas primeiro eles filmam os homens prometendo que não vão voltar a integrar as forças de segurança. Os comitês registram os números de telefone e os nomes dos familiares e prometem que os matarão se voltarem para as fileiras militares.

“O comandante do Taleban e o comitê me ligaram mais de dez vezes pedindo para eu me render”, contou o major Imam Shah Zafari, 34, chefe distrital de polícia na província de Wardak, que entregou seu centro de comando e suas armas em 11 de maio após negociações mediadas por líderes dos vilarejos locais.

Zafari contou que depois de o Taleban ter providenciado uma carona de carro para ele até Cabul, um membro do comitê lhe telefonou para prometer que o governo não o deteria por ter se rendido. “Ele disse: ‘Temos muito poder no governo e podemos libertá-lo’”, contou Zafari.

Os comitês do Taleban estão aproveitando uma característica típica das guerras afegãs: combatentes e comandantes frequentemente trocam de lado, fecham acordos, negociam rendições e buscam o apoio de anciãos dos vilarejos para ganhar influência junto aos moradores locais.

O conflito atual é formado na realidade por dezenas de guerras locais. São conflitos em que irmãos e primos combatem uns aos outros, e comandantes de cada lado persuadem, ameaçam e negociam pelo celular. “Há um comandante do Taleban que me telefona o tempo todo para tentar destruir minha moral, para que eu me entregue”, contou Wahidullah Zindani, 36, comandante da polícia que rejeitou a exigência do Taleban de que entregasse seu posto militar na província de Laghman, que conta com nove homens.

As rendições negociadas fazem parte de uma ofensiva mais ampla na qual o Taleban já cercou pelo menos cinco capitais provinciais nesta primavera, segundo um relatório do inspetor geral do Pentágono divulgado em 18 de maio. A ofensiva se intensificou desde que a retirada das tropas americanas começou, em 1º de maio. O Taleban utilizou o controle que exerce sobre várias rodovias importantes para cortar o acesso a bases e guarnições militares, deixando-as vulneráveis.

As rendições têm um efeito psicológico profundo. “Eles ligam e dizem que o Taleban é poderoso o suficiente para derrotar os EUA e conquistar a província de Laghman. E que você faria bem em se lembrar disso antes de eles te matarem”, contou o governador de Laghman, Rahmatullah Yarmal, 29, entrevistado em seu complexo protegido por barricadas na capital da província, Mehtar Lam.

É uma tática que funciona, reconheceu o governador, tanto que alguns comandantes de postos militares se negam a falar com líderes de vilarejos ou negociadores do Taleban. Segundo ele, muitos desses líderes de vilarejos não são pacificadores neutros, mas partidários do grupo escolhidos a dedo pela organização.

Yarmal disse que 60 policiais que se renderam e se refugiaram em seu centro governamental agora estão dispostos a lutar para retomar os sete postos perdidos. “Acho que vamos recuperar os postos em um mês”, afirmou ele. Mas, horas depois de o governador falar, em 19 de maio, um centro distrital próximo, Dawlat Shah, entregou-se ao Taleban sem opor resistência, após negociações. Na manhã seguinte, cinco outros postos militares se entregaram da mesma maneira no distrito de Alishing, também em Laghman.

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Essas vitórias do Taleban foram facilitadas em parte por uma trégua de 30 dias negociada em 17 de maio por líderes de vilarejos no distrito disputado de Alingar. A trégua permitiu ao Taleban deslocar suas forças para Alishing, onde apenas dois dias mais tarde elas forçaram a rendição negociada dos cinco postos militares (em 21 de maio, o Taleban violou o cessar-fogo e lançou ataques em Alingar, segundo Khadim).

As negociações têm sido especialmente frutíferas para o Taleban na província de Baghlan, onde pelo menos cem soldados se renderam, e na de Wardak, onde cerca de 130 membros das forças de segurança teriam se rendido após negociações. Na província de Laghman, as negociações que levaram à rendição dos sete postos militares se prolongaram por dez dias. Khadim, o líder do vilarejo, disse que diferentes lideranças de povoados negociaram com comandantes de cada posto. “Demos a eles a garantia de que não seriam mortos”, contou ele. “Não houve nada escrito. Foi apenas a nossa palavra.”

A alguns quilômetros dali, Zindani se negou a entregar seu posto isolado perto da linha de frente. Ele disse que os oficiais militares que negociaram rendições nos postos próximos traíram seu país. Um de seus homens, Muhammad Agha Bambard, disse que lutaria para vingar a morte de dois irmãos mortos pelo Taleban. Ele jurou que jamais se entregaria.

Restavam para os nove homens comandados por Zindani apenas uma metralhadora, um lançador de granadas e um fuzil AK-47 para cada um. Mas ele disse que pretendia continuar lutando, conforme disse ao comandante do Taleban que telefonava constantemente para pedir sua rendição.

“Falei a ele: ‘Sou soldado de meu país, não estou aqui para me entregar’”, disse o comandante.

Quatro dias mais tarde, num domingo, o posto foi invadido durante um tiroteio com o Taleban, conforme contou um membro do conselho provincial. Um policial foi morto a tiros. Zindani e seus homens foram feitos prisioneiros. Algumas horas mais tarde o Taleban divulgou um vídeo mostrando Bambard deitado num colchão, com o rosto e o pescoço enfaixados, sendo interrogado por um comandante do Taleban.

Em tom irônico, o comandante perguntou por que Bambard postara no Facebook que enquanto estivesse vivo não deixaria o inimigo capturar seu posto. O oficial ferido respondeu: “Aqui é o Afeganistão”.

Tradução de Clara Allain

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