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Censura chinesa avança sobre indústria do cinema de Hong Kong

Novas diretrizes jogam balde de água fria sobre espírito artístico do território autônomo

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Raymond Zhong
The New York Times

A indústria cinematográfica de Hong Kong fascina plateias globais há décadas, com tiroteios que parecem coreografados, fantasias épicas de artes marciais, comédias que misturam kung fu e romances encharcados de sombras. Agora, por ordem de Pequim, autoridades locais passarão a submeter essas produções a um pente-fino com o objetivo de resguardar a República Popular da China.

O governo da cidade anunciou na sexta-feira (11) que começará a bloquear a distribuição de filmes considerados prejudiciais à segurança nacional, assinalando a chegada oficial da censura ao estilo da China continental a um dos mais renomados centros de produção cinematográfica da Ásia.

Honcongueses assistem a filme em exibição ao ar livre feita com distanciamento social no fim do ano passado
Honcongueses assistem a filme em exibição ao ar livre feita com distanciamento social no fim do ano passado - Anthony Wallace - 10.nov.20/AFP

As novas diretrizes, que se aplicam tanto a filmes estrangeiros quanto a produções domésticas, jogarão um balde de água fria sobre o espírito artístico de Hong Kong, onde a liberdade de expressão protegida pelo governo e a cultura local irreverente haviam imbuído a cidade de um dinamismo cultural que a diferencia das megacidades da China continental.

As medidas também ampliam a influência do governo chinês sobre a indústria cinematográfica global. A grande e crescente bilheteria chinesa tem sido irresistível para os estúdios de Hollywood. Produções feitas com grandes orçamentos tomam muito cuidado para evitar ofender a plateia chinesa e os censores do Partido Comunista. Outras pagam um preço alto quando não o fazem.

A renomada indústria cinematográfica de Hong Kong é um pilar tão importante da identidade da cidade quanto sua comida, seu horizonte urbano cheio de arranha-céus e seu setor de serviços financeiros.

Durante sua época áurea de capital cinematográfica, nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, Hong Kong produziu filmes populares e alimentou diretores singulares como Wong Kar-wai e Anne Hui. Lançou astros internacionais como Jackie Chan, Chow Yun-fat, Andy Lau e Tony Leung. A influência do cinema de Hong Kong é visível na obra de diretores de Hollywood como Quentin Tarantino e Martin Scorsese e em blockbusters como “Matrix”.

A preocupação com a censura é algo que pesa sobre as indústrias criativas de Hong Kong desde que a antiga colônia britânica foi devolvida à China, em 1997. Mas preocupações que antes pareciam apenas teóricas ganharam caráter assustadoramente real desde que, no ano passado, Pequim promulgou uma lei de segurança nacional para sufocar os protestos antigoverno que sacudiram Hong Kong em 2019.

Assim, enquanto poucas pessoas da indústria cinematográfica local foram pegas totalmente de surpresa pelas novas diretrizes de censura divulgadas na sexta, elas ainda assim disseram temer que a abrangência ampla das novas regras afetará não apenas os filmes exibidos em Hong Kong, mas como se faz cinema na cidade e, na realidade, se filmes continuarão a ser produzidos.

“Como fazer para conseguir financiamento?”, questionou o diretor Evans Chan, que vem tendo problemas para exibir seus trabalhos na cidade. “Podemos buscar financiamento coletivo abertamente e dizer que trata-se de um filme sobre certos pontos de vista, certas atividades?”

Mesmo os diretores de longas tradicionais, disse Chan, terão que aguardar, em suspense tenso, para ver se seus filmes serão enquadrados na lei de segurança. “Não se trata apenas de filmes de cunho ativista e político, mas de todo o cenário da produção cinematográfica em Hong Kong”, disse ele.

As regras atualizadas anunciadas na sexta preveem que os censores de Hong Kong, quando avaliam um filme para autorizar sua distribuição, fiquem atentos não apenas para conteúdos violentos, sexuais ou chulos, mas também para como o filme retrata atos “que podem equivaler a um delito que coloca a segurança nacional em risco”.

As regras agora dizem que qualquer coisa que seja “objetiva e razoavelmente capaz de ser vista como endosso, apoio, promoção, glorificação, incentivo ou incitamento” a tais atos é uma justificativa potencial para o filme ser qualificado como impróprio para ser exibido.

As novas regras não limitam o escopo do veredito de um censor apenas ao teor de um filme.

“Quando o censor avalia o efeito do filme como um todo e seu efeito provável sobre as pessoas que provavelmente assistirão ao filme”, dizem as novas regras, “ele deve ter consciência de seu dever de prevenir e suprimir atos ou atividades que coloquem a segurança nacional em risco”.

China, Terra do Meio

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Uma declaração divulgada na sexta pelo governo de Hong Kong disse: “O quadro regulatório da censura cinematográfica se baseia na premissa de um equilíbrio entre a proteção dos direitos e liberdades individuais, por um lado, e da proteção dos interesses legítimos da sociedade, do outro”.

As novas diretrizes de censura anunciadas parecem visar em parte um tipo específico de filme. Segundo as regras, os censores devem examinar com atenção especial qualquer filme “que seja supostamente um documentário” ou que retrate “acontecimentos reais com ligação direta com as circunstâncias em Hong Kong”. Por quê? “O público local pode reagir mais fortemente ao conteúdo do filme.”

Os censores, segundo as diretrizes, “devem examinar com cuidado se o filme contém quaisquer narrativas ou comentários enviesados, não verificados, falsos ou enganosos”.

Não é de hoje que a China continental restringe o número de filmes feitos fora da China que podem ser exibidos nos cinemas locais. Mas Hong Kong sempre operou em grande medida como qualquer outro mercado cinematográfico do mundo, com os donos de cinemas exibindo qualquer produção que possa vender bem. Assim, a ampliação da censura na cidade pode acabar eliminando uma parte pequena, mas importante das bilheterias internacionais dos filmes de Hollywood.

Tradução de Clara Allain

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