Descrição de chapéu The New York Times Folhajus

Departamento de Justiça impôs ordem de silêncio a executivos do New York Times

Disputa secreta, que visava registros de emails de quatro repórteres, começou na administração Trump e continuou sob o presidente Biden

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Katie Benner Charlie Savage
Washington | The New York Times

Nas últimas semanas da administração Trump, e continuando sob o presidente Joe Biden, o Departamento de Justiça travou uma batalha legal secreta para acessar os registros de e-mails de quatro repórteres do New York Times para tentar identificar suas fontes, informou na noite de sexta-feira um advogado principal do jornal.

Fachada do jornal The New York Times
Fachada do jornal The New York Times - Jeenah Moon - 29.dez.2017 - The New York Times

Segundo o advogado, enquanto a administração Trump nunca informou o NYT sobre o esforço, a administração Biden o levou adiante este ano, informando alguns executivos chefes do Times sobre isso, mas impondo uma ordem de silêncio para que a informação não viesse a público, disse o advogado em questão, David McCraw, que qualificou a iniciativa como sendo sem precedentes.

A ordem de silêncio impediu os executivos de revelar os esforços feitos pelo governo para apreender os registros, nem sequer para o editor executivo, Dean Baquet, e outras figuras seniores da redação do New York Times.

McCraw disse na sexta-feira que um tribunal federal sustou a ordem de silêncio, que estava em vigor desde 3 de março, deixando-o em liberdade para revelar o que acontecera. A batalha foi em torno de um esforço lançado pelo Departamento de Justiça para apreender registros de e-mails do Google, que opera o sistema de e-mails do NYT e havia resistido ao esforço de acesso à informação.

A revelação foi feita dois dias depois de o Departamento de Justiça do governo Biden notificar os quatro repórteres de que em 2020 a administração Trump, numa tentativa de identificar as fontes deles, apreendeu em sigilo registros telefônicos relativos a vários meses no início de 2017. Revelações semelhantes foram feitas nas últimas semanas sobre a apreensão de registros de comunicações de jornalistas do Washington Post e da CNN.

Dean Baquet condenou as duas administrações, Trump e Biden, por suas ações, retratando o esforço como um ataque à Primeira Emenda.

“Fica claro que o Google agiu corretamente, mas as coisas jamais deveriam ter chegado a este ponto”, disse Baquet. “Nos últimos 15 dias da administração Trump, o Departamento de Justiça procurou implacavelmente a identidade das fontes de informações usadas na cobertura noticiosa que evidentemente atendeu aos interesses do público. Como eu disse antes, isso prejudica a liberdade de imprensa profundamente.”

Não há precedentes, disse McCraw, para o governo impor uma ordem judicial de silêncio sobre funcionários do New York Times como parte de uma investigação sobre vazamento de informações. O advogado disse também que não há precedentes para o governo apreender registros telefônicos de profissionais do NYT sem notificação antecipada do esforço.

Uma porta-voz do Google disse que, embora a empresa não comente casos específicos, a companhia “tem o compromisso firme de proteger os dados de nossos clientes, e temos um longo histórico de fazer pressão para notificar nossos clientes sobre quaisquer solicitações legais”.

Anthony Coley, porta-voz do Departamento de Justiça, destacou que “em múltiplas ocasiões nos meses recentes” o Departamento na administração Biden agiu para adiar a implementação da ordem de silêncio e que então “cancelou a ordem voluntariamente antes de serem apresentados quaisquer registros”.

Ele acrescentou: “O Departamento de Justiça valoriza fortemente uma imprensa livre e independente e tem o compromisso de defender a Primeira Emenda”.

Biden disse no mês passado que não permitirá durante sua administração que o Departamento de Justiça apreenda registros de comunicações que possam revelar as fontes de jornalistas, descrevendo essa prática como “simplesmente errada” (sob a administração Obama, o Departamento de Justiça buscou acessar esse tipo de dados em várias investigações sobre vazamentos de informação).

A carta desta semana revelando a apreensão de registros telefônicos envolvendo os repórteres do New York Times —Matt Apuzzo, Adam Goldman, Eric Lichtblau e Michael S. Schmidt— sugeriu que haveria uma disputa separada sobre dados que revelariam com quem os jornalistas tinham tido contato por email.

As cartas disseram que o governo também obteve uma ordem judicial de apreensão de registros dos emails dos jornalistas, mas que “não foram obtidos registros”, sem dar maiores detalhes. Mas, disse McCraw, com a suspensão da ordem de silêncio, ele passou a ter liberdade de explicar o que aconteceu.

Promotores do gabinete do secretário de Justiça, em Washington, obtiveram de um juiz magistrado em 5 de janeiro um mandado judicial selado exigindo que o Google entregasse a informação sigilosamente. Mas o Google resistiu, aparentemente exigindo que o New York Times fosse informado, conforme prevê seu contrato com a empresa.

O Departamento de Justiça continuou a fazer pressão com o pedido depois de a administração Biden assumir o poder, mas no início de março os promotores recuaram e pediram a um juiz autorização para informar McCraw. A revelação feita ao advogado, porém, veio acompanhada de uma ordem judicial proibindo-o de falar do assunto com outras pessoas.

McCraw disse que foi “estarrecedor” receber um email do Google colocando-o a par do que estava acontecendo. Num primeiro momento, contou, ele não sabia quem era o promotor, e, como o assunto estava selado (sujeito a ordem de silêncio), não havia documentos judiciais que ele pudesse acessar sobre isso.

No dia seguinte, disse McCraw, ele foi informado do nome do promotor –um promotor público assistente em Washington, Tejpal Chawla—e abriu negociações com ele. Chawla acabou concordando em pedir ao juiz que modificasse a ordem de silêncio para que McCraw pudesse discutir o assunto com o advogado-chefe do New York Times e os advogados externos da empresa, e depois com dois executivos seniores do jornal: A.G. Sulzberger, o publisher, e Meredith Kopit Levien, a executiva-chefe.

“Deixamos claro que se a ordem de silêncio não fosse cancelada, pretendíamos contestá-la no tribunal”, disse McCraw. Então, em 2 de junho, o Departamento de Justiça lhe disse que pediria ao tribunal para cancelar a ordem imposta do Google, ao mesmo tempo em que revelou a apreensão anterior de registros telefônicos, algo do qual McCraw não tinha conhecimento até então.

O advogado descreveu como “insustentável” a situação em que se encontrava, especialmente quando conversava com jornalistas do NYT sobre especulações relativas a algum tipo de disputa envolvendo o Google e uma investigação de vazamento relacionada ao Times.

O Departamento de Justiça não informou qual vazamento estava investigando, mas a identidade dos quatro repórteres visados e o intervalo de datas das comunicações buscadas sugerem que a investigação focou informações classificadas contidas em um texto de abril de 2017 sobre como o então diretor do FBI, James Comey, lidou com investigações politicamente carregadas durante a campanha presidencial de 2016.

O texto incluiu a discussão de um email ou memorando de um agente democrata que foi roubado por hackers russos, mas não fez parte do conjunto de documentos que, segundo autoridades de inteligência, a Rússia forneceu ao WikiLeaks para ser levado a público como parte de sua operação de hackear e divulgar documentos com a finalidade de manipular a eleição de 2016.

O governo americano descobriu sobre o documento, que teria expressado confiança em que a então secretária de Justiça, Loretta Lynch, não deixaria uma investigação sobre o uso de um servidor particular de emails por Hillary Clinton ir longe demais. Comey teria receado que, se Lynch tomasse e anunciasse a decisão de não acusar Hillary criminalmente, a Rússia levaria o memorando a público para fazer a decisão parecer ilegítima. Isso teria levado à decisão pouco ortodoxa de Comey, mais tarde, de anunciar que o FBI estava recomendando que Hillary não fosse acusada.

O Departamento de Justiça sob o então presidente Donald Trump, que demitiu Comey e o considerou inimigo, buscou durante anos encontrar evidências suficientes para acusá-lo do crime de fazer revelações não-autorizadas de informações classificadas. Esse esforço acabou enfocando se Comey teve alguma relação com o NYT tomar conhecimento da existência do documento roubado pelos hackers russos.

A investigação de Comey por vazamentos foi vista dentro do Departamento de Justiça como uma das investigações mais politizadas e contenciosas, mesmo pelos critérios de um departamento que já se deixou persuadir em várias instâncias a fazer uso de investigações de vazamentos e outras políticas ligadas à publicação de livros para atacar ex-ocupantes de cargos públicos que criticaram Trump.

Ao longo do ano passado, promotores conversaram sobre encerrar ou não a investigação de Comey por vazamento, disseram duas pessoas que estão a par do caso, em parte porque parecia haver poucas evidências de que o ex-diretor do FBI teria compartilhado informação classificada com a imprensa.

No outono passado, funcionários do Departamento discutiram se a investigação havia se esgotado e se promotores deveriam redigir um memorando explicando por que Comey não seria processado, disse uma das pessoas. Mas o FBI e os promotores de carreira que estavam trabalhando no caso queriam manter a investigação aberta, disseram as duas pessoas, e em janeiro os promotores obtiveram uma ordem judicial especial exigindo que o Google entregasse dados relativos aos e-mails dos jornalistas.

Com Trump prestes a deixar a Presidência, a ordem foi vista como controversa por algumas pessoas no Departamento, segundo duas pessoas com conhecimento do caso. Ela foi vista como extraordinariamente agressiva para um caso que provavelmente terminaria sem acusações criminais. Durante a transição da administração Trump para a de Biden, pelo menos um funcionário escreveu no memorando que o caso deveria ser encerrado.

Nos processos judiciais buscando forçar o Google a entregar os registros que revelariam quem estava se comunicando com os quatro jornalistas que assinaram a reportagem, o Departamento de Justiça persuadiu o juiz de que o sigilo era justificado porque, como escreveu o juiz em 5 de janeiro, “há razões para crer que a notificação da existência desta ordem prejudicará gravemente a investigação em curso, incluindo por proporcionar a seus alvos uma oportunidade de destruir ou manipular provas”.

O documento de 5 de janeiro não reconhece que a existência de investigação de Comey por vazamento e o tema dela já eram conhecidos, porque o New York Times a havia divulgado quase um ano antes. Não fica claro se o Departamento de Justiça informou ao juiz sobre o artigo ou se, em vez disso, sugeriu que a investigação ainda era um segredo bem protegido.

Tradução de Clara Allain   

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.