Economista que lutou pela reabertura de escolas nos EUA torna-se, ao mesmo tempo, heroína e vilã

Emily Oster aconselha pais sobre pandemia e cuidados com filhos, mas, para muitos, suas ideias são perigosas

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Dana Goldstein
The New York Times

Emily Oster, economista da Universidade Brown, tem muito a dizer. Em julho de 2020, no meio da furiosa pandemia do coronavírus, ela escreveu um artigo de opinião sugerindo que escolas e creches poderiam reabrir com segurança, comentando que os pais que trabalham "não podem esperar para sempre".

Em seus populares livros sobre criação de filhos, ela desprezou antigas orientações médicas e afirmou que um sushi ou um copo de vinho de vez em quando são seguros durante a gravidez e que as vantagens da amamentação são exageradas. Mais recentemente, lançou dúvidas sobre se os estudantes precisam usar máscaras ou continuar fisicamente afastados nas escolas.

Esse fluxo constante de conselhos contraintuitivos fez de Oster uma referência para certo grupo de pais, geralmente de educação superior, liberais e ricos. Muitos já haviam lido seus livros sobre criação de filhos, carregados de dados. Sua popularidade aumentou durante a pandemia, conforme ela coletava o número de casos de Covid nas escolas e apresentava suas firmes opiniões sobre a importância do retorno ao aprendizado presencial.

Volta das aulas presenciais durante a pandemia na escola de ensino médio Hollywood em Los Angeles, Califórnia.
Volta das aulas presenciais durante a pandemia em escola de ensino médio em Los Angeles, na Califórnia. - Rodin Eckenroth/Getty Images - 21.abr.21/AFP

Alguns pais diziam, meio brincando: "Emily Oster é o meu CDC [Centros de Controle e Prevenção de Doenças]". Mas outros —professores, pesquisadores de saúde pública e ativistas trabalhistas— a criticaram, indicando que não era uma especialista em doenças infecciosas nem tinha experiência profunda pessoal ou profissional em educação pública. (Seus dois filhos frequentaram escolas privadas, assim como ela.)

Nas redes sociais, a reação podia ser brutal, com as pessoas chamando-a de "charlatã" e "monstro" por impor posições "moralmente censuráveis" que "punham em perigo muitas vidas desnecessariamente".
E essas foram algumas das críticas mais educadas.

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Nenhuma reação deteve Oster. Ela está lançando um projeto ambicioso de coleta de dados sobre como as escolas operaram durante a crise. Também tem um novo livro, "The Family Firm" (a firma familiar), que será lançado em agosto nos EUA, e tem como objetivo ajudar os pais a tomar decisões sobre escolas, alimentação, disciplina e tempo dedicado a computadores e smartphones.

Whitney Robinson, pesquisadora de saúde pública na Universidade da Carolina do Norte, criticou alguns textos de Oster. Mas ela dá crédito à economista por ajudar um conjunto relativamente privilegiado de pais e mães, incluindo ela própria, a tomar decisões práticas durante a pandemia: "Esse é realmente o seu dom", disse. "Sintetizar estudos quantitativos e lançar diretrizes aproximadas ou modos de pensar que podem orientar as opções de pessoas da classe média-alta, urbanas, suburbanas ou litorâneas."

Falando pelo Skype, Oster era muito a imagem da maternidade pandêmica. Sentada no porão de sua casa em Providence, no estado de Rhode Island, vestindo uma camiseta preta, ao lado de uma velha esteira de corrida. A sala não era nada arrumada, mas a protegia de seus dois filhos pequenos. Oster disse que não aprecia o debate acalorado ao seu redor: "Sou uma pessoa extremamente sensível", disse. "Sinto-me mal sobre tudo isso, o tempo todo."

Mas ela nunca evitou temas polêmicos, e sua nova trajetória profissional é uma continuação de seu trabalho que cruza fronteiras. Oster sempre gostou de interpretar pesquisa acadêmica sobre saúde para o público em geral e há muito se frustra com o que considera conselhos não práticos para pais e mães, que oferecem regras gerais para todos —"não durma ao lado do seu bebê"— em vez de conclusões de pesquisas que as pessoas possam usar para fazer escolhas pessoais.

O mesmo ocorreu durante a pandemia, comentou Oster. "Eu recebia perguntas como: 'É melhor deixar meus sogros cuidando do meu filho ou mandá-lo para a creche?'", disse. "Disseram-nos para não fazer nada disso, mas não é uma opção" para pais que trabalham.

Na verdade, a falta de opções ideais é um motivo pelo qual a discussão sobre a reabertura das escolas muitas vezes é tóxica, causando oposição entre pais e professores e entre si mesmos. Pais brancos com educação superior eram mais propensos a querer aulas presenciais do que pais não brancos da classe trabalhadora, que tinham menos confiança nas escolas e cujas famílias tinham maior tendência a contrair o vírus ou morrer devido a ele. Alguns professores estavam ansiosos para ficar em segurança em casa, dando aulas remotas, enquanto outros queriam desesperadamente voltar às suas salas de aula.

Em meio a tudo isso, Oster decidiu coletar dados nacionais sobre Covid-19 nas escolas porque, segundo ela, o governo federal tinha falhado nisso. No final do ano passado, o banco de dados que ela criou —alimentado por informações fornecidas voluntariamente pelas escolas— sugeria que, com simples precauções, as escolas poderiam funcionar sem provocar uma grande transmissão no local.

Seu trabalho com dados foi desprezado por alguns ativistas sindicais do professorado porque foi financiado em parte por entidades filantrópicas que apoiam escolas não sindicalizadas mantidas por verbas oficiais. Também porque ela não respeitou as normas de pesquisa tradicionais: a coleta de dados não foi randomizada e, inicialmente, inclinava-se para escolas privadas e dos subúrbios ricos.

Mas, depois, o banco de dados cresceu e incluiu escolas que atendem a mais de 12 milhões dos 56 milhões de estudantes até o 12º ano, incluindo todas as escolas públicas de Nova York, Flórida, Texas e Massachusetts. E, apesar de suas limitações, as conclusões de Oster acabaram sendo repetidas por pesquisas do CDC, da União Europeia e de muitos acadêmicos independentes.

Com um arcabouço crescente de evidências em seu poder, Oster admitiu que se tornou "mais radical" na convicção de que as escolas deveriam abrir e escreveu cada vez mais firmemente sobre o assunto.

Acontece que muitos educadores não aceitavam um esquema friamente intelectual para equilibrar riscos e recompensas, especialmente não um proposto pelo entorno da Universidade Brown. Professores de escolas públicas tinham vivido em salas de aula com janelas travadas e banheiros sem sabonete.

Apoiados por seus sindicatos, eles queriam trabalhar em casa, em segurança, durante a pandemia, assim como faziam muitos pais de seus alunos.

Eles também tinham observado que pais trabalhadores não brancos eram os menos inclinados a bater na tecla das escolas durante a pandemia. Quando as escolas urbanas reabriram, muitos professores se viram diante de salas quase vazias.

Oster tinha imaginado pais e professores acessando os dados dos distritos escolares, tranquilizados por tabelas e gráficos demonstrando baixos índices de casos nas escolas.

Mas descobriu que só os dados não determinariam a política educacional na pandemia nem moldariam as opções de muitos pais, pelo menos não no sistema escolar público do país, descentralizado mas altamente burocrático, cheio de tensões trabalhistas e estratificado por todas as disparidades —raça, classe, região, política— que definem a vida americana. "Talvez eu tivesse uma abordagem um pouco ingênua", disse ela.

Oster admitiu várias vezes que, embora as crianças de todas as raças igualmente pareçam não ter propensão a contrair Covid em prédios escolares, os riscos gerais diferem conforme a situação demográfica. Ela também não é insensível ao avanço da pandemia. Um boletim recente sobre novas variantes concluiu que "precisamos continuar vigilantes" enquanto retornamos a uma "certa normalidade".

Apesar desses esclarecimentos, a importância de Oster tem irritado alguns educadores. Maya Chavez, professora de estudos sociais em um colégio em Providence, trabalhou presencialmente na maior parte deste ano escolar. Rhode Island foi um dos poucos estados liberais que pressionaram as escolas a reabrirem, no último outono americano, em parte devido à influência de Oster e de outros especialistas da Universidade Brown. Oster falava regularmente com autoridades estaduais.

"Há uma grave desconexão entre a ideia dela do que é uma escola e a realidade", disse Chavez. Pelo menos 30 alunos presenciais em sua escola predominantemente de baixa renda receberam diagnóstico de Covid, entre mais de 8.000 casos de estudantes em todo o estado.

Isso não significa que os alunos pegaram o vírus na escola ou o disseminaram lá, mas ilustra a realidade de que pessoas tiveram contato próximo com o vírus nas salas de aula. Vários de seus alunos, muitos dos quais vivem em lares intergeracionais, tiveram membros da família hospitalizados ou mortos.

"Há um enorme trauma emocional", disse Chavez.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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