Analistas veem paz duradoura sob risco na Colômbia 5 anos após acordo com Farc

Boa parte da assistência prevista na assinatura do tratado ainda não chegou à zona rural

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La Paz (Colômbia) | The New York Times

Numa plantação de coca escondida na selva, seis trabalhadores diaristas descem de suas redes e saem para o trabalho, a colheita das folhas verdes e lustrosas que acabarão virando cocaína.

No vilarejo próximo de La Paz, a pasta-base da cocaína cumpre a função de moeda, sendo usada na compra de pão ou feijão. E cartazes de propaganda na parede do salão comunitário homenageiam uma insurgência que, em vilarejos como este, parece nunca ter acabado.

Cenas como essas deveriam ser coisa do passado na Colômbia.

Trabalhadores carregam sacos com folhas de coca em La Paz, na Colômbia
Trabalhadores carregam sacos com folhas de coca em La Paz, na Colômbia - Federico Rios/The New York Times

Cinco anos atrás, o governo firmou um acordo de paz com o maior grupo de rebeldes em guerra, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), assinalando o fim de um conflito que se arrastara por meio século e deixara mais de 220 mil mortos.

Os rebeldes concordaram em depor suas armas. O governo prometeu incorporar ao Estado colombiano comunidades rurais por muito tempo relegadas ao descaso, oferecendo empregos, estradas, escolas e oportunidades para uma vida melhor. A ideia era que o acordo de paz, pelo fato de combater a pobreza e a desigualdade, extinguiria a insatisfação que alimentara a guerra.

Contudo, tendo se passado um terço do prazo de 15 anos previsto para a concretização do acordo, boa parte da assistência prevista ainda não chegou à zona rural colombiana. Grupos armados ainda controlam vilas como La Paz.

E, avisam especialistas, a janela de tempo que o país tem para alcançar a paz duradoura visualizada no acordo de paz pode estar se fechando. “Falaram em benefícios”, disse o cocalero Jhon Jiménez, 32. “Foi tudo mentira.”

O pacto de paz colombiano de 2016 foi um dos mais abrangentes da história moderna, tendo sido aplaudido globalmente e valido um Nobel da Paz ao então presidente Juan Manuel Santos. Os Estados Unidos, que gastaram bilhões de dólares apoiando o governo colombiano durante o conflito, foram um dos maiores defensores do acordo.

Desde então, mais de 13 mil combatentes das Farc depuseram suas armas. Muitos deles estão se integrando à sociedade. O pacto também criou um tribunal de justiça transicional que está investigando crimes de guerra e indiciando os principais atores.

Após cinco anos, muitos estudiosos consideram um acordo de paz um sucesso se seus signatários não tiverem voltado a se combater. Segundo esses critérios, o tratado de paz foi exitoso: embora ainda restem facções dissidentes, a exemplo das de La Paz, as Farc, como instituição, não retomaram as armas.

Mas muitos estudiosos e especialistas em segurança avisam que a transformação da zona rural por tanto tempo abandonada —o ponto fundamental do acordo— está perigosamente paralisada. Especialistas dizem que, por não ter conquistado a confiança da população rural, o governo está permitindo que grupos violentos, antigos e novos, ocupem espaços no campo e perpetuem novos ciclos de violência.

“Há muita coisa que não foi feita”, diz Sergio Jaramillo, um dos principais negociadores do governo em 2016.

O presidente Iván Duque, conservador que desde sua eleição, em 2018, encontra-se na posição incômoda de ter que implementar um acordo ao qual seu partido se opõe, descreve as críticas como infundadas.

“Não existe implementação lenta alguma”, disse, em entrevista. “Não apenas temos implementado, como as questões que temos implementado serão decisivas para a evolução dos acordos.”

Para assegurar o direito dos agricultores pobres à terra, segundo Duque, seu governo entregou títulos fundiários a milhares de camponeses e aprovou mais de uma dúzia de planos de desenvolvimento regional.

Mas o partido do presidente é aliado de latifundiários poderosos que são os que mais têm a perder se as regras de propriedade fundiária forem reescritas, e muitos críticos acusam Duque de retardar o esforço.

Segundo o Instituto Kroc de Estudos Internacionais de Paz, que monitora o progresso do acordo, apenas 4% das medidas de reforma agrária previstas no acordo foram concluídas até agora. Até junho deste ano, 83% das medidas haviam apenas começado a ser implementadas ou nem sequer haviam começado.

Ao mesmo tempo, a situação de segurança piorou em muitas áreas rurais, com grupos criminosos disputando territórios anteriormente controlados pelas Farc, hoje desmobilizadas.

Desde 2016, segundo a ONU, aumentaram os casos de massacres, expulsões em massa e assassinatos de lideranças sociais, tornando cada vez mais difícil a atuação do Estado na zona rural.

A Colômbia terá uma eleição em 2022, e a lei proíbe um presidente de se candidatar à reeleição. Assim, caberá ao sucessor de Duque tentar construir a paz em cima da desconfiança e insegurança atuais.

Não obstante esses problemas, especialistas dizem que ainda veem bases para otimismo cauteloso.

“A implementação será cada vez mais difícil devido à insegurança crescente, mas não é impossível”, afirmou Kyle Johnson, fundador da Conflict Responses, organização colombiana sem fins lucrativos que trabalha com questões de paz e segurança.

Um vilarejo chamado Las Colinas, situado a muitas horas de La Paz, oferece um vislumbre de como pode ser o futuro.

Construído após o acordo de paz, Las Colinas abriga centenas de ex-combatentes das Farc que hoje vivem como civis. Graças a financiamento internacional e do governo, os ex-combatentes têm 270 casas, uma escola, salão comunitário, clínica de saúde, biblioteca e laboratório de informática.

Eles formaram várias cooperativas, e recentemente estavam sendo construídos um supermercado, um centro de recebimento de hortifrútis, uma fábrica de alimentos processados e um restaurante.

Mais de 60 crianças nasceram na vila desde 2016.

O sucesso está longe de ser uma certeza. Não está claro se qualquer desses empreendimentos será rentável. Tampouco é sabido por quanto tempo vão durar as verbas do governo e os recursos recebidos de doadores.

E o presidente do vilarejo, Feliciano Flórez —mais conhecido por seu codinome de guerrilheiro, Leider Méndez—, disse que os moradores vivem com medo. Desde que o acordo de paz foi firmado, pelo menos 286 ex-combatentes das Farc foram mortos, segundo as Nações Unidas. Muitos foram assassinados por grupos armados, alguns por terem apoiado o acordo de paz.

Mas Flórez, 27, sentado na varanda de sua casa com seu filho pequeno no colo, incentivou os colombianos a não perderem a fé na paz prometida pelo acordo. “Nós estamos engajados”, disse. “Mas penso que é um trabalho que todos precisamos empreender juntos. Não existe outra saída.”

Tradução de Clara Allain

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