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Europa União Europeia

Merkel sairá da política como entrou, um enigma que suscita respeito e admiração

Personalidade sóbria da primeira-ministra alemã também destoa entre as lideranças ocidentais

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Emmanuel Macron e Angela Merkel formam um dos pares mais dinâmicos da tradicional aliança franco-alemã, fundamental para a construção da União Europeia.

A longeva primeira-ministra revê a própria história no jovem arrivista da política francesa, atento aos detalhes e fiel aos compromissos. O ensejo reformista do francês encorajou a alemã a abandonar a disciplina orçamentária que caracterizou a sua política europeia por quase duas décadas.

Antes de Macron, Merkel viu desfilar três presidentes da França, quase sempre com uma mistura de desconfiança e ceticismo. Ela tratou o primeiro, Jacques Chirac, como um leão aposentado, demasiado boêmio e diletante para ser um parceiro de trabalho.

A primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, antes de entrevista coletiva em Berlim - Stefanie Loos - 22.jul.21/AFP

Nicolas Sarkozy a irritava com suas cutucadas e beijinhos —Merkel cumpre o distanciamento social desde que nasceu— e sobretudo por suas promessas vazias. Mas os dois tiveram que se entender durante a crise financeira de 2008. “Merkozy” salvou a Europa, mas não impediu a ruína dos países do sul.

François Hollande é sobretudo lembrado por encarnar a submissão francesa ao regime Merkel. O presidente abandonou uma das suas principais promessas de campanha, a renegociação das cláusulas fiscais dos tratados europeus, na sua primeira visita a Berlim.

Depois do episódio, Hollande ficou conhecido em Paris como o “capitão de pedalinho”. O seu mandato marca o ponto mais agudo da grande divergência econômica entre a França e a Alemanha iniciada no começo dos anos 2000.

Existem grandes continuidades entre as trajetórias de Merkel e Macron. A carreira de ambos começa com a traição e a ruptura.

A jovem Merkel desencadeou uma improvável guerra de sucessão contra o todo-poderoso líder da CDU Helmut Kohl, que a tratava de “pequena garota”. Aos 37 anos, Macron se antecipou ao ex-chefe Hollande e lançou a própria candidatura presidencial. Se Merkel operou uma virada centrista na CDU, Macron neutralizou os partidos tradicionais franceses para impor a sua formação.

A modernidade do projeto político de Merkel ajuda a entender por que ela é raramente comparada a seus antecessores diretos. Tal como Margaret Thatcher, Merkel soube instrumentalizar os clichês machistas da política, como a “gerentona” e a “dama de ferro”, para consolidar sua liderança.

No entanto, a alemã tomou medidas que revulsariam a ex-primeira-ministra britânica, como o aumento do número de lugares nas creches, a instauração de um “salário parental” e a criação de cotas para mulheres nos conselhos de administração das empresas.

Junto com sua ministra e futura presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen, enfrentou a oposição feroz da conservadora CSU, que a acusava de demolir os fundamentos da família tradicional.

A personalidade sóbria, que se reflete na política cerebral e ponderada, tão eficiente no sistema político alemão baseado nas concentrações entre forças regionais, também destoa entre as lideranças ocidentais.

Nascida na Alemanha Oriental, criada num universo de contenção e paranoia —ela fala do clássico “A Vida dos Outros”, de Florian Henckel von Donnersmarck, como a “história da sua vida”—, Merkel parece uma relíquia de um outro tempo ao lado dos cintilantes Tony Blair e Barack Obama.

Intemporal, Merkel sairá da política como entrou: um enigma que suscita respeito e admiração.

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