Mulher de 96 anos foge e atrasa julgamento em que é acusada de cumplicidade com nazismo

Irmgard Furchner, que trabalhou como secretária em um campo de concentração de judeus, foi encontrada posteriormente

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Quando tinha 18 anos, a alemã Irmgard Furchner passou a integrar a equipe do campo de concentração nazista de Stutthof, no atual território da Polônia. Mais de seis décadas depois, sua cumplicidade no assassinato de cerca de 11 mil pessoas seria enfim julgada por um tribunal alemão —mas Irmgard, hoje com 96 anos, fugiu da casa de repouso onde vive antes que a audiência tivesse início.

A audiência marcada para esta quinta-feira (30) em uma corte de Itzehoe, no norte da Alemanha, seria realizada às vésperas do 75º aniversário do tribunal militar de Nuremberg, no qual o alto escalão do regime nazista foi julgado, e 12 oficiais, condenados à morte por enforcamento.

Até que os planos foram suspensos. “A acusada fugiu, e um mandado de prisão foi autorizado”, anunciou o juiz responsável pelo caso. As acusações não podem ser lidas a menos que Irmgard esteja no tribunal. Ela fugiu num táxi e foi encontrada quatro horas depois, mas o julgamento ainda não foi retomado.

Guarda olha o relógio na sala de audiência onde será realizado o julgamento de Irmgard Furchner, em Itzehoe
Guarda olha o relógio na sala de audiência onde será realizado o julgamento de Irmgard Furchner, em Itzehoe - Markus Schreiber - 30.set.21/Reuters

O Comitê Internacional de Auschwitz, que reúne familiares e sobreviventes do nazismo, expressou indignação com a fuga. "Mostra desprezo pelo Estado de Direito e pelos sobreviventes", disse o vice-presidente-executivo da instituição, Christoph Heubner.

A alemã trabalhou como datilógrafa e secretária do comandante Paul Werner Hoppe entre junho de 1943 e abril de 1945. Os promotores do caso afirmam que Irmgard ajudou os responsáveis pelo campo a orquestrar o assassinato sistemático de judeus, poloneses e prisioneiros de guerra soviéticos.

As provas, colhidas com base no trabalho de historiadores sobre o período nazista (1933-1945), contam com relatórios de ordens de deportação de prisioneiros para o campo de Auschwitz que Irmgard assinou com as iniciais “Di”, em referência a seu nome de solteira.

Sobreviventes do Holocausto, alguns dos quais presos no campo de Stutthof na década de 1940, devem comparecer ao julgamento para depor. Além das acusações de cumplicidade nos homicídios de mais de 11 mil pessoas, Irmgard também é acusada de ter sido cúmplice de 18 tentativas de homicídio. Ela é a primeira mulher a ser julgada em décadas por crimes relacionados ao nazismo.

A defesa da alemã argumenta que, como ela era secretária e tinha um trabalho restrito a papelada e organização, nunca teria violentado fisicamente os prioneiros do campo de concentração e, portanto, não poderia ser responsabilizada pelo assassinato de milhares deles. Ao todo, 65 mil pessoas foram mortas no local, que recebeu mais de 100 mil judeus e prisioneiros políticos de 28 diferentes nações.

À emissora pública alemã NDR a historiadora Simone Erpel disse que o julgamento é importante por jogar luz na participação feminina no nazismo —algo, segundo ela, ainda pouco estudado. “O papel das mulheres e sua implicação no Holocausto têm sido ignorados pela Justiça durante muito tempo."

Espaço antes ocupado pelo campo de concentração de Stutthof, na Polônia, erguido em 1939 - Wottek Radwanski - 21.jul.21/AFP

Traudl Junge, secretária particular do ditador Adolf Hitler, morta em 2002, por exemplo, nunca foi acusada formalmente pela Justiça alemã.

A condenação de um ex-guarda do campo de Sobibor em 2011 criou jurisprudência para casos como o de Irmgard, que envolvem cumplicidade com milhares de assassinatos mesmo que o julgado seja um auxiliar. John Demjanjuk foi condenado em 2011 a cinco anos de prisão. Ele morreu pouco depois, em 2012.

À NDR Andrej Umansky, pesquisador e autor de livros sobre o Holocausto, disse que a justiça, ainda que tardia, permite “dar voz às vítimas e às suas famílias”.

Na última semana, Helmut Oberlander, considerado o “último nazista no Canadá”, morreu aos 97 anos. O governo local buscava, desde 1995, sua deportação. Ele se mudou para o país em 1954, anos após ter atuado como intérprete para um esquadrão da morte nazista durante a invasão da antiga União Soviética.

Na próxima semana, terá início na Alemanha o julgamento de um ex-guarda do campo de concentração de Sachsenhausen, próximo da capital Berlim.

Com AFP

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