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Patricia Campos Mello

Quem estava em Nova York no 11 de Setembro viveu apagão de informação inimaginável hoje

Muitos só entenderam o que de fato estava acontecendo horas depois dos atentados

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No mundo de 11 de setembro de 2001, as pessoas não carregavam notícias em tempo real dentro do bolso nem tinham respostas para qualquer pergunta a um clique no Google. Naquela época, a maioria dos celulares não oferecia conexão à rede. Também não tinha chamada de vídeo nem redes sociais.

Se você quisesse descobrir alguma coisa, precisava checar a internet no seu computador. Se estivesse na rua, corria para casa e ligava a televisão ou entrava em uma loja de eletrodomésticos para assistir ao noticiário em um dos aparelhos à venda. Ou então ligava para alguém para perguntar —mas quem disse que os celulares funcionavam naquele momento, após o maior atentado terrorista da história dos EUA?

Bombeiros e membros de equipes de resgate atendem ferido em meio às ruínas do World Trade Center pouco depois do colápso do prédio, em Nova York
Bombeiros e membros de equipes de resgate atendem ferido em meio às ruínas do World Trade Center pouco depois do colápso do prédio, em Nova York - Justin Lane - 11.set.21/The New York Times

Por isso, eu e grande parte das pessoas que estávamos nas ruas de Nova York logo depois de dois aviões colidirem com as torres do World Trade Center vivemos um apagão de informação inimaginável hoje.

Meu amigo Luiz, que trabalhava em um banco bem perto das torres, sentiu o prédio em que estava chacoalhar quando o segundo avião bateu. Havia aparelhos de TV no banco, mas ele só se deu conta da gravidade do atentado quando atendeu a um telefonema de um cliente, mandando comprar petróleo.

Desceu correndo, pulou a catraca do prédio, que estava travada, e começou a andar depressa pela rua, enquanto ouvia o som de caças. Quando desmoronou o segundo prédio e veio uma nuvem de fumaça, achou que fosse uma bomba. O celular não funcionava e ninguém fazia ideia de que havia outros aviões.

Só entendeu que era um atentado duas horas depois, quando um amigo do Brasil enfim conseguiu ligar.

Minha amiga Patrícia correu para comprar mantimentos quando viu o noticiário. Passou em frente a uma loja de eletrodomésticos e ficou siderada assistindo ao atentado nas TVs enfileiradas. Não dava para entender se eram dois aviões ou se era replay. Enquanto isso, o cheiro de fumaça aumentava, seu telefone não funcionava e ela não conseguia saber se o namorado, que trabalhava perto do WTC, estava bem.

Assisti ao segundo avião bater na segunda torre, ao vivo, pela TV de casa. Fui até o teto do prédio onde morava, e dava para ver a fumaça ao longe. Corri em direção ao sul de Manhattan para fazer a cobertura.

Enquanto andava pela Broadway, não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Tinha mais aviões? É verdade que um deles tem como alvo a estátua da Liberdade? O metrô é seguro? Às 9h37, um avião bateu no Pentágono, em Washington. Eu nem imaginava. Também não sabia que tinha outro avião sequestrado que, às 10h03, caiu em um descampado na Pensilvânia. Ligava para minha mãe, para meu pai, para tentar descobrir alguma coisa, mas os celulares não funcionavam.

Alguns comentaristas na TV começaram a falar em terrorismo e em Al Qaeda, mas a gente estava no meio da rua, perdidos, olhando aquela multidão subindo cheia de fuligem das torres que tinham desabado.

Fosse hoje, já estaríamos todos “googlando” Osama bin Laden e checando incessantemente os sites dos jornais. Naquele dia, além do medo, havia a dúvida. Não sabíamos se o ataque tinha acabado. Lembro-me de um homem gritando, mandando a gente fugir, porque um outro avião ia atingir a Bolsa de Valores.

Na época, eu fazia mestrado na Universidade de Nova York. Todos os dias, descia na estação de metrô do World Trade Center, atravessava a rua e entrava no prédio em que ficava a Redação do Wall Street Journal Americas, onde eu fazia estágio. Meu estágio tinha acabado alguns dias antes –então, por sorte, eu não estava na estação de metrô quando o prédio foi atingido.

Naquele dia, não consegui chegar até o chamado Ground Zero —a polícia já tinha cercado o local, e eu parei na Canal Street, a cerca de 1 quilômetro das torres. Comecei a entrevistar sobreviventes, que chegavam com o horror estampado na cara e o corpo coberto de fuligem branca.

Eu continuava tentando ligar para minha mãe no Brasil, que provavelmente estaria agoniada. Só ouvia o sinal de rede congestionada. Horas depois, finalmente consegui.

“Mãe, está tudo bem, fica tranquila, eu estou bem.”

“Não está nada bem, a tia Madalena faleceu, estamos aqui no apartamento dela, mas não conseguimos achar um médico para liberar o corpo, ninguém atende o telefone, não sei o que está acontecendo, estamos aqui há um tempão.” Minha tia-avó de 87 anos havia morrido.

“Que triste... Não acredito... Mas, mãe, você não sabe o que aconteceu? Teve um ataque terrorista aqui em Nova York, bateram no World Trade Center.”

“Sério? Nem liguei a TV hoje. Bom, preciso cuidar aqui das coisas da sua tia, depois falamos. Vou ver na TV mais tarde.”

Fosse hoje, minha mãe e todos nós estaríamos tentando digerir e refutar infinitas teorias da conspiração, que iriam jorrar sem interrupção das redes sociais.

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