Descrição de chapéu terrorismo

Entenda como foi feita a foto do 11 de Setembro que virou marco da memória mundial

Spencer Platt diz ter sentimentos conflitantes sobre imagem que registra Torres Gêmeas em chamas

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Aviões se chocam contra as Torres Gêmeas e explodem em 11 de setembro de 2001 Spencer Platt/Getty Images

São Paulo

Quando saiu de seu apartamento na manhã de 11 de setembro de 2001, Spencer Platt ouviu o barulho avassalador de helicópteros e viu fumaça saindo de alguns prédios. Ele havia estado na festa de aniversário de um amigo na noite anterior e não pensava em deixar sua casa naquele dia, mas sua namorada e um boletim de rádio com a notícia de que um avião tinha atingido a torre norte do World Trade Center o convenceram a pegar uma câmera, duas lentes e ir para a rua.

Ao chegar à base da ponte do Brooklyn —que liga a região de Dumbo, no distrito do outro lado do rio, ao sul da ilha de Manhattan—, ele se deparou com um grupo de taxistas reunidos, apontando e olhando para cima. “Ali eu pude ver o que estava realmente acontecendo. Eu falava com eles enquanto fotografava. Por pura sorte, eu tinha mirado minha câmera para cima e estava tirando mais algumas fotos quando o segundo avião veio e se chocou contra a torre sul”, ele conta, em entrevista por Zoom, de Nova York.

“E, honestamente, eu nunca vi aquele avião vindo, aconteceu muito rapidamente.”

As Torres Gêmeas em chamas logo após os aviões sequestrados se chocarem contra elas - Spencer Platt -11.set.2001/Gettty Images

Sua fotografia, na qual se veem as porções superiores das Torres Gêmeas cobertas por imensas bolas de fogo e de fumaça negra, é provavelmente a imagem mais conhecida dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 —à época, a imagem foi reproduzida na imprensa do mundo inteiro, inclusive na primeira página deste jornal.

Logo que bateu a foto, Platt baixou a câmera para conferir o resultado no visor LCD de seu equipamento digital primitivo. Ao ver o registro, alguns taxistas que estavam no seu cangote disseram “meu Deus, o que acaba de acontecer?”, ele lembra.

Hoje fotojornalista da agência Getty Images, Platt tinha 20 e poucos anos no 11 de Setembro e conta que à época era um tanto ingênuo e não esperava fortes emoções na vida profissional. Mas isso não se devia necessariamente ao seu temperamento. Na virada do século, dividia a impressão com seus colegas de profissão de que eles haviam sido privados de registrar os grandes fatos históricos das décadas anteriores, como a Segunda Guerra, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã.

“Pensávamos que não nos restaria nada para fazer, que cobriríamos pequenos eventos, de menor importância. Era assim que eu me sentia naquela manhã. É claro que você não quer que eventos terríveis se repitam, mas você tinha um senso de inveja e ciúmes dos colegas mais velhos”, conta, dizendo que chegou a conhecer um jornalista da cidade onde cresceu que havia coberto a Segunda Guerra e listando como influências o romancista Ernst Hemingway —que trabalhou como motorista de ambulância na Primeira Guerra— e o fotojornalista Robert Capa.

Com sua câmera Leica a tiracolo, o húngaro cobriu os conflitos mais importantes da primeira metade do século 20. É de sua autoria, por exemplo, a fotografia definitiva dos momentos finais da Segunda Guerra, a do desembarque dos soldados aliados numa praia da Normandia, muito conhecida e reproduzida.

Meio século mais tarde, Platt também fez uma imagem que entrou para a memória visual de uma geração, abrindo imageticamente o século 21. Como ele encara hoje, 20 anos depois, sua fotografia das Torres Gêmeas em chamas?

“Tenho sentimentos conflitantes sobre ela”, ele afirma. “Estava falando sobre isso com um amigo um dia desses, e ele disse que é uma foto que mostra o momento em que, literalmente, milhares de pessoas estão perdendo as suas vidas, e ele está certo. De certo modo, ela é uma imagem incrivelmente colorida e poderosa dessa bola de fogo e seus olhos são imediatamente atraídos por isso, mas, se você conseguir olhar através disso, ali é um momento no qual milhares de vidas estão chegando ao fim. Não é algo para o qual quero olhar todos os dias. Mas me sinto orgulhoso, porque é um documento histórico.”

Nas décadas seguintes, Platt cobriu guerras nas quais os Estados Unidos se envolveram, como as do Iraque e do Afeganistão, e também se dedicou a registrar histórias de dependência de drogas e de pobreza em seu próprio país, além de conflitos em outros lugares do mundo, como Congo, Ucrânia, Honduras, Indonésia e Libéria.

Em 2007, ganhou o prêmio de foto do ano no World Press Photo, a mais importante láurea no fotojornalismo, com uma imagem de jovens libaneses num carro conversível avaliando os danos causados ​​por bombardeios, por parte de Israel, no bairro de Beirute onde moravam.

A imagem capta a reação espontânea de pessoas atingidas por uma tragédia incomensurável. Este é um traço comum a muitas fotografias de Platt —ele não se preocupa apenas em registrar o fogo, a fumaça e os destroços. No 11 de Setembro, registrou o desastre em Nova York na foto de um casal que se abraça ao deixar a área das Torres Gêmeas e na imagem de uma mulher e de um homem negros cruzando a ponte do Brooklyn lado a lado, aparentemente tranquilos, enquanto os prédios ardem ao fundo.

"Quando olho essa foto, fico levemente chocado e sem acreditar. Eles parecem trabalhadores e caminham de maneira calma e surreal para casa", comenta. Platt diz se ver mais como um fotógrafo de rua, um andarilho das cidades sem uma agenda fechada, do que como um fotojornalista em busca da notícia propriamente dita, afirmando misturar os dois mundos em seu trabalho.

Tanto as imagens dos ataques terroristas quanto sua foto vencedora do World Press Photo foram feitas num mundo em que a internet era mais rudimentar e os celulares, simples. Ao ser questionado se é mais difícil criar fotos históricas hoje, num contexto no qual todos estão com um smartphone à mão, Platt diz que, numa primeira análise, isso pode parecer verdadeiro, já que, afinal, milhares de imagens de qualquer evento chegam ao Instagram em minutos.

Nesta avalanche, ele acrescenta, há algumas imagens surpreendentes, como por exemplo o vídeo do sufocamento de George Floyd em Minneapolis no ano passado, feito por uma amadora —ela “mudou o mundo e certamente não era uma profissional de vídeo”, ele afirma.

Por outro lado, o fotógrafo sustenta que as imagens mais poderosas a emergirem e se fixarem em nossa memória são quase sempre tiradas por profissionais —no caso dele, andando de moto por Nova York e parando em intervalos regulares para mandar os registros para sua agência. São fotografias “oportunas, legendadas adequadamente e colocadas num contexto real de notícia, sobretudo quando lutamos com um mundo de notícias e opiniões dúbias e fatos incertos”.​

Grupo de jovens libaneses observam bairro destruído por bombardeio de Israel em Beirute; foto venceu o World Press Photo - Spencer Platt -15.ago.2006/Getty Images
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