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Chile chega ao dia da eleição mergulhado em incertezas com briga acirrada entre Kast e Boric

Sem divulgação de pesquisas nos últimos 15 dias de disputa, panorama do 2º turno segue indefinido

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Santiago

Os chilenos vão às urnas neste domingo (19) com a sensação de que tudo pode acontecer.

A última pesquisa divulgada por um instituto respeitado, o Cadem, em 3 de dezembro, mostrava o esquerdista Gabriel Boric liderando a corrida presidencial com cinco pontos percentuais de vantagem —40% das intenções de voto, contra 35% do ultradireitista José Antonio Kast. E mais: 25% se diziam indecisos.

Nos últimos 15 dias de disputa é proibido divulgar sondagens, embora os partidos sigam encomendando levantamentos a empresas especializadas. Algumas delas vazam via redes sociais, especialmente por WhatsApp, plataforma na qual também se disseminam números pouco confiáveis, sem fontes claras.

Os candidatos Gabriel Boric, à esquerda, e José Antonio Kast, durante debate
Os candidatos Gabriel Boric, à esquerda, e José Antonio Kast, durante debate - Elvis Gonzalez - 13.dez.21/Pool/Reuters

O resultado é ruído e confusão entre apoiadores. "Vi que estamos virando e já estamos à frente por 3 pontos", disse Sol Balvanera, 32, que esteve no encerramento de campanha de Kast.

Ao ser questionada de onde tirou o número, a apoiadora do candidato ultradireitista não soube responder. "Será uma lavada", afirmou o comerciante Miguel del Román, 42, eleitor de Boric, dizendo que havia recebido de um colega de trabalho uma pesquisa que dava 7 pontos de vantagem ao esquerdista.

Se, no passado, as pesquisas já erravam muito no Chile, agora, com a desinformação turbinada por meio de redes sociais, a confusão sobre o que pode ocorrer é ainda maior.

O mais recente levantamento do Cadem mostra que Boric cresceu mais do que Kast, absorvendo parte importante dos votos que, no primeiro turno, foram para a centro-esquerdista Yasna Provoste e para o direitista liberal Franco Parisi. Já Kast, segundo a mesma sondagem, aumentou seu apoio principalmente com a adesão de eleitores de Sebastián Sichel, candidato governista e da direita tradicional.

O que aumenta o clima de incerteza é o fantasma da abstenção. O voto no Chile não é obrigatório, e o país vem de uma sequência de eleições com nível muito baixo de comparecimento. No primeiro turno, apenas 47% dos eleitores foi às urnas, com Kast obtendo 27,9% dos votos, contra 25,8% de Boric.

"Ambos os candidatos se esforçaram para convencer as pessoas a votar, mas o que mais deve contar são os votos convertidos, ou seja, os que foram para outros candidatos no primeiro turno e agora irão para um dos dois. É difícil que o universo de eleitores aumente muito mais", diz o analista Cristóbal Bellolio.

Nas últimas semanas, Boric teve de pedir desculpas pelas críticas que fez no passado a políticos da Concertação, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos após o fim da ditadura (1973-1990). Em uma carta, afirmou: "Sei que a arrogância juvenil é uma má conselheira, que não existe virtude em apenas ser jovem e novo e que um projeto político deve ser julgado por suas convicções e princípios".

O arrependimento, aparentemente, foi aceito. Boric recebeu o apoio dos ex-presidentes Ricardo Lagos (2000-2006) e Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018). Também se declararam a favor de sua candidatura a Democracia Cristã, que, no Chile, integra a centro-esquerda, e os socialistas.

Já Kast recebeu o apoio de formações da aliança governista Chile Vamos, entre as quais a tradicional União Democrática Independente, os moderados da Renovação Nacional e o Evópoli, de direita liberal.

Sichel, que obteve 12,7% dos votos no primeiro turno, vendeu caro o apoio, condicionando-o a uma lista de requisitos, como o respeito aos direitos humanos e a desistência de duas promessas de campanha. Uma delas, a de tentar revogar a lei do aborto que permite a interrupção da gravidez em casos de estupro, inviabilidade do feto e risco de morte da mãe. Outra, a de eliminar o Ministério da Mulher. Kast cedeu e ainda chamou mulheres de renome, como a subsecretária de Saúde Paula Daza e a ex-candidata à Presidência Evelyn Matthei​, para integrar sua equipe, antes composta quase exclusivamente por homens.

Aos 35 anos, Boric surgiu na política chilena nos protestos estudantis de 2011. Nascido em Punta Arenas, na Patagônia chilena, é formado em direito e foi eleito duas vezes deputado. Defende uma reforma no sistema de previdência, dando mais espaço ao Estado nas áreas de saúde e educação. Também é a favor da gratuidade da educação pública superior.

Defende a legalização do aborto e do cultivo da maconha, embora não seja favorável a uma política de legalização mais ampla das drogas. Lutou pela aprovação do matrimônio igualitário, recentemente transformado em lei no país, e é a favor de um Estado maior e mais participativo. Para aumentar a arrecadação, quer implementar um imposto a grandes fortunas.

Aos 55 anos, Kast é um velho conhecido da direita chilena, tendo atuado como parlamentar por 16 anos, representando a União Democrática Independente. Em 2017, foi candidato a presidente, conquistando 8% dos votos. De lá para cá, intensificou o discurso anticomunismo e contrário à imigração ilegal.

Sua plataforma é conservadora nos costumes, e ele defende uma política de segurança mais dura e a militarização do sul do país, onde grupos de defesa dos direitos dos indígenas mapuche estão em confronto contínuo com proprietários de terras. A base de apoio do ultradireitista é integrada por eleitores que se dizem cansados de tanta instabilidade social. Por isso, Kast promete estabilidade econômica e maior contenção de protestos, intensos no país desde 2019.

Kast se diz um admirador do ditador Augusto Pinochet e votou pela continuidade do regime militar no plebiscito de 1988. Filho de imigrantes alemães, um de seus irmãos foi ministro durante o regime militar.

Seu pai foi oficial do Exército alemão e apoiador do nazismo. Kast, porém, alega que o pai apenas serviu às Forças Armadas, mas que não compartilhava o ideário nazista. Documento obtido pela agência de notícias Associated Press, no entanto, contraria essa versão. Registro no Arquivo Federal alemão mostra que Michael Kast filiou-se ao Partido Nazista em 1942, aos 18 anos. Embora o alistamento militar fosse compulsório, como sustenta o filho, a filiação partidária era voluntária.

Assim, fica claro que Kast e Boric são candidatos de perfis muito distantes, e o Chile, em efervescência desde 2019, quando explodiram protestos por todo o país, vai escolher entre propostas polarizadas. Numa disputa acirrada, sem números confiáveis na última semana de corrida presidencial, alto número de indecisos e a expectativa de, mais uma vez, baixo comparecimento, tudo pode acontecer.

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