Descrição de chapéu The New York Times

Tonga teme que ajuda humanitária após tsunami leve Covid para ilhas isoladas

Episódio de 1918 que matou 2.000 tonganeses após desembarque de tripulação doente ainda está na memória da população

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Damien Cave Isabella Kwai Eric Nagourney
Sydney | The New York Times

Uma operação de limpeza e retirada começou em Tonga. Após dias de silêncio, o governo do país formado por 176 ilhas disse que uma erupção vulcânica épica e o tsunami que se seguiu foram "um desastre sem precedentes".

Os esforços internacionais para levar assistência enfrentam não só as nuvens de cinzas e as linhas de comunicação danificadas, mas também o receio de que o arquipélago, que até agora conseguiu evitar a Covid, seja invadido pela doença se autorizar a entrada de funcionários humanitários que podem ser portadores do coronavírus.

Área coberta por cinzas em Tonga, após erupção do vulcão Hunga-Tonga - Hunga-Haa'pai
Área coberta por cinzas em Tonga, após erupção do vulcão Hunga-Tonga - Hunga-Haa'pai - 17.jan.22/Força de Defesa da Nova Zelândia via AFP

Em entrevista coletiva na terça-feira (18), Jonathan Veitch, coordenador-residente do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para as ilhas do Pacífico, disse que os trabalhos de assistência serão conduzidos de modo a levar suprimentos a Tonga sem contato direto com pessoas de fora.

"Não vamos fazer nada que coloque em risco a segurança da população", disse ele a jornalistas remotamente a partir de Fiji. Mas mesmo o transporte de suprimentos levará algum tempo.

Austrália e Nova Zelândia estão com aviões carregados prontos para decolar. Mas os destroços produzidos pela erupção vulcânica do sábado deixaram as pistas dos aeroportos de Tonga inutilizáveis.

"Está sendo mais difícil do que se previa remover a camada de cinzas", disse Veitch. "Pensávamos que a pista já estaria operacional ontem [segunda]." Equipamentos hidráulicos para limpeza rápida das pistas estão sendo enviados a Tonga por navio, mas ainda deve levar de seis a oito dias para chegarem à área afetada.

Os mesmos navios estão levando alimentos e água, que são urgentemente necessários em partes do arquipélago. "Ouvimos que os estoques de alimentos das lojas estão acabando."

Durante três dias após a erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai, a 65 quilômetros de Tonga, poucas notícias chegaram do país de cerca de 100 mil habitantes. A erupção provocou "uma pluma vulcânica em forma de cogumelo" e um tsunami com ondas de até 15 metros que atingiram a costa oeste de várias ilhas. A internet ficou inativa, e as comunicações, cortadas pela erupção, continuam limitadas.

Imagens de satélite mostram dimensão do impacto de tsunami em Tonga

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As instalações do porto da capital do país, Nukualofa, em 29.dez.21, antes da erupção do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha'apai e do tsunami, e nesta terça, 19.jan.22- - Maxar Technologies/Reuters

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Casas em bairro da capital tonganesa Nukualofa antes da erupção e do tsunami, em 29.dez.21, e nesta terça, 18.jan.22

As primeiras notícias oficiais chegaram na noite de terça (18), quando o governo de Tonga disse que começou a avaliar os danos da erupção e confirmou a morte de três pessoas, incluindo uma cidadã britânica, uma mulher de 65 anos e um homem de 49. Segundo o comunicado, equipes de busca e resgate foram acionadas a partir da manhã de domingo, e quase todas as casas de algumas das ilhas mais atingidas, incluindo Mango, Gonoifua e Nomuka, estão danificadas ou destruídas.

O governo disse ter montado centros de retirada e fornecido artigos de assistência. Informou também que as cinzas vulcânicas afetaram gravemente os suprimentos de água limpa. Vários países se prepararam para ajudar, mas a grande pergunta é como fazê-lo sem colocar a população em risco.

"O problema que precisa obrigatoriamente ser o mais premente é: como podemos garantir 100% que não levaremos a Covid a esse país?", diz Jonathan Pryke, diretor do programa para as ilhas do Pacífico do Instituto Lowry, think tank independente em Sydney. "Qualquer boa vontade que pudesse ser criada pela assistência será totalmente desfeita se levarem a Covid a Tonga."

Os receios dos tonganeses refletem traumas passados. Em toda a Polinésia, região espalhada pelo Pacífico sul e composta por cerca de mil ilhas, doenças levadas por pessoas de fora são um tema recorrente ao longo de centenas de anos de história.

O contato regular com as forças colonizadoras da Europa chegou relativamente tarde a lugares como Tonga —o capitão James Cook visitou o arquipélago em 1773, 15 anos antes de o primeiro grupo de britânicos se radicar na Austrália—, mas teve impacto devastador. Ao longo dos cem anos seguintes, epidemias de sarampo, disenteria e influenza devastaram comunidades insulares em toda a região.

Um estudo histórico publicado em 2016 concluiu que em Tonga, Havaí, Fiji, Samoa e Rotuma (dependência de Fiji) a disseminação do sarampo no início do século 19 matou até um quarto da população. Em Tonga, outra rodada de mortes chegou sob circunstâncias ainda mais dúbias com a gripe espanhola. Segundo a historiadora Phyllis Herda, da Universidade de Auckland, em novembro de 1918 o navio a vapor Talune teria introduzido o vírus no país porque seu capitão, John Mawson, ocultou o risco depois de zarpar de Auckland.

Ao aportar na capital tonganesa, Nukualofa, com 71 passageiros e tripulantes doentes, o capitão teria ordenado que todos a bordos "se vestissem e fingissem não estar doentes" para que as mercadorias trazidas pela embarcação pudessem ser descarregadas. Quase 2.000 tonganeses morreram no surto que se seguiu —cerca de 8% da população.

A Covid-19 tem sido encarada pela ótica dessa experiência, fato que não chega a surpreender. Tonga registrou apenas um caso da doença, em outubro, e exige que viajantes que chegam ao país façam quarentena de 21 dias. Cerca de 60% da população já recebeu duas doses de uma vacina contra Covid.

Curtis Tu’ihalangingie, vice-diretor da missão da Alta Comissão de Tonga na Austrália, disse que as autoridades tonganesas estão discutindo com os governos australiano e neozelandês e doadores parceiros sobre como levar assistência ao país sem colocá-lo em risco pelo coronavírus. "Vamos colaborar com autoridades em Tonga para adequar-se a quaisquer expectativas e protocolos que elas tenham determinado", disse no domingo a primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern.

Peeni Henare, ministro da Defesa da Nova Zelândia, afirmou que há meios de se evitar a transmissão. "Já realizamos várias operações no Pacífico nos últimos dois anos que não envolveram contato."

Cerca de duas dúzias de funcionários humanitários da ONU já estavam lotados em Tonga quando o vulcão entrou em erupção, e Veitch disse que eles estão trabalhando, incluindo com a prestação de assistência médica. Mas organizações humanitárias na Austrália e na região disseram que estão seguindo as orientações dos governos sobre a melhor maneira de prestar assistência.

"Não vamos enviar ninguém a Tonga a não ser que isso seja solicitado, e quando isso acontecer seguiremos as orientações que foram dadas", disse Katie Greenwood, que dirige a representação no Pacífico da Federação Internacional das Sociedades Cruz Vermelha e Crescente Vermelho.

Ela disse que a Cruz Vermelha tem cerca de 70 voluntários em Tonga, com acesso a suprimentos suficientes para 1.200 famílias, incluindo lonas, cobertores e kits para a construção de abrigos.

É difícil avaliar se será o bastante. Segundo Tu’ihalangingie, as conexões por telefone ou internet levarão semanas para serem restauradas plenamente. "Ainda estamos com contato limitado com Tonga", disse ele à Rádio ABC na Austrália. "Ainda não temos uma comunicação direta com nosso governo."

Tradução de Clara Allain

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