Voo com deportados dos EUA chega ao Brasil com número inédito de 90 menores

Ao todo, foram 211 passageiros; Polícia Federal investiga circunstâncias em que crianças deixaram o território brasileiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O Brasil recebeu nesta quarta (26) um voo com 211 brasileiros deportados dos EUA, 90 dos quais menores de idade —incluindo crianças de até 10 anos. A cifra de menores enviados de volta ao país é inédita nesse tipo de operação, intensificada no governo de Donald Trump e mantida pela gestão de Joe Biden.

O voo partiu do estado do Arizona e chegou ao aeroporto internacional Tancredo Neves, em Confins (MG), por volta das 13h30. Trata-se do segundo grupo de deportados a desembarcar no país neste ano.

A Polícia Federal informou em comunicado que apura as circunstâncias em que as crianças deixaram o território brasileiro e as condições a que foram submetidas no processo de entrada nos EUA.

Área de desembarque internacional no aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, em foto de novembro - Pedro Ladeira - 11.nov.21/Folhapress

Além de policiais federais, representantes dos juizados da Infância e da Juventude de Belo Horizonte e de Pedro Leopoldo, cidade na região metropolitana da capital mineira, acompanharam o desembarque.

Segundo interlocutores que acompanham o caso, o que se sabe até aqui é que as crianças vieram acompanhadas dos pais. Ainda está sendo investigado, porém, se há nesse grupo pessoas que se passam por pais para, no processo migratório, tentar entrar nos EUA pelo esquema chamado de "cai cai".

Esse método tem ficado mais popular porque migrantes, ao pisarem em solo americano acompanhado de um parente menor de primeiro grau e se entregarem às autoridades, respondem ao processo em liberdade —crianças não podem permanecer sozinhas durante procedimentos de repatriação ao Brasil ou aceitação pelo governo americano. Contrabandistas e coiotes viram essa regra como uma oportunidade de negócio.

O trabalho de triagem no voo que chegou nesta quarta, para a verificação de maternidade e paternidade, foi iniciado logo após o desembarque. Nos casos sem confirmação de vínculo, fica configurado o crime de tráfico de pessoas. Autoridades da PF e do Itamaraty com conhecimento do assunto disseram que, desde a segunda quinzena de dezembro do ano passado, crianças têm sido incluídas nos grupos de deportados.

Elas dizem acreditar que seja uma estratégia dos americanos para que a prática do "cai cai" seja inibida.

No leste de Minas Gerais, onde está Governador Valadares —que historicamente concentra o maior número de migrantes para os EUA—, esse esquema tem crescido.

Como a Folha mostrou em uma série de reportagens em dezembro, contrabandistas que atuam para promover a migração irregular do México para os EUA lucram com o aluguel de crianças brasileiras.

Por US$ 3.000, eles entregam um menor de idade a clientes que queiram a garantia de cruzar a fronteira por meio do método. Essas pessoas usam documentos falsos, por meio de esquemas criminosos, para comprovar o vínculo. Interlocutores envolvidos na apuração de casos do tipo disseram que há situações de migrantes que se entregaram às autoridades americanas cansados da jornada com os filhos nos EUA.

Deportados dos Estados Unidos relataram à Folha humilhação, racismo e maus-tratos sofridos durante as tentativas de entrar no país. Histórias de abusos são recorrentes entre migrantes mantidos em centros de detenção após verem frustrada a passagem pela fronteira com o México.

Semanalmente, brasileiros são repatriados em voos fretados pelo governo americano que chegam, em geral, a Confins. De acordo com dados da Polícia Federal, foram 1.304 pessoas em 2020 e 2021.

O terminal é escolhido para o desembarque porque 70% dos que voltam são mineiros. Apesar dessa estatística, autoridades brasileiras já acenderam o sinal de alerta para outros estados. Depois de Minas Gerais, os migrantes vêm, em sua maioria, de Rondônia e Espírito Santo. Foi de Rondônia, por exemplo, que partiu Lenilda dos Santos, 49, que em setembro do ano passado morreu de sede num deserto próximo à fronteira após ser abandonada pelo coiote que a acompanhava.

O Brasil é o sexto país com mais migrantes detidos em 2021 na divisa entre México e EUA —atrás do próprio México, das nações do Triângulo do Norte (Honduras, Guatemala e El Salvador) e Equador. As detenções alcançaram a marca mais alta da história no ano fiscal de 2021, encerrado em setembro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.