Descrição de chapéu União Europeia

Cirurgia malsucedida moldou jovem líder que quer mudar futuro político da França

Criada na periferia de Paris, Lauren Lolo, 24, coloca de pé uma associação para convencer os jovens de que cada voto conta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Paris

Com a segunda maior taxa de abstenção de sua história na eleição de domingo (24), a França enfrenta dificuldades adicionais para convencer os jovens a votar.

No confronto que deu a Emmanuel Macron sua segunda vitória sobre Marine Le Pen, o grupo dos eleitores de 18 a 24 anos foi o menos presente nas cabines de votação.

O problema, que é ainda maior nas periferias de Paris, está na mira de uma jovem jornalista de 24 anos.
Lauren Lolo ("todo mundo acha que é apelido, mas é meu sobrenome mesmo!"), filha de imigrantes da Costa do Marfim, é cofundadora da organização Cité des Chances (cidade das oportunidades). Ao seu lado está o amigo de infância Brandy Boloko, 24, cujos pais migraram da República Democrática do Congo.

Franceses fazem fila para votar no segundo turno da eleição presidencial em Paris
Franceses fazem fila para votar no segundo turno da eleição presidencial em Paris - Benoit Tessier - 24.abr.22/Reuters

Mais do que simplesmente pregar aos jovens dos subúrbios parisienses sobre a importância do voto, Lauren e seus colegas construíram um projeto para levar às comunidades de onde também vieram uma noção mais clara do que é e como se faz a vida política de seu país.

Ela cresceu em Clichy-sous-Bois, onde a morte de dois adolescentes, eletrocutados enquanto fugiam da polícia, deflagrou os protestos incendiários de 2005. "Eu tinha apenas sete anos de idade, mas isso marcou não só a mim mas a toda a comunidade."

Hoje, a conselheira municipal para ambiente da cidade de Fosses, na periferia de Paris, faz planos para levar em frente a sua conscientização política: "Gostaria de ser ministra da Educação".

A ativista francesa Lauren Lolo, 24, cofundadora da organização Cité des Chances
A ativista francesa Lauren Lolo, 24, cofundadora da organização Cité des Chances - Lauren Lolo no Facebook

O que a levou a criar a associação Cité des Chances? Aos 16 anos, fiz uma cirurgia para corrigir uma dupla escoliose na coluna, mas houve um erro que me deixou sem os movimentos das pernas. Precisei ficar seis meses no hospital e acabei sendo transferida para uma escola no 16º arrondissement, um dos bairros mais chiques de Paris. Passei, então, a ter aulas com jovens que moravam naquela região, pessoas de outras classes sociais, aulas que tinham muitas discussões. E fiquei impressionada como aqueles adolescentes conheciam nomes dos deputados, projetos de lei, enquanto eu não ligava para nada daquilo.

Perguntei a esses colegas como sabiam essas coisas, e diziam que aprendiam em casa com os pais. Meus pais, que imigraram da Costa do Marfim há 30 anos, não tinham como me ensinar isso, eu é que precisei ensiná-los mais tarde. E todos os meus amigos e colegas também eram filhos de imigrantes que jamais haviam sido apresentados à política.

Eu tinha 16 anos e pensei: bom, daqui a dois anos vamos todos ter direito ao voto, e enquanto meus colegas do 16º vão poder fazer escolhas melhores para eles, eu não teria essa oportunidade. Comecei a conversar sobre esse tipo de desigualdade com meu amigo Brandy Boloko, que viria a ser cocriador e presidente da organização, e resolvemos nos mobilizar para tentar consertar essa desigualdade.

Não havia nenhum contato com a política na sua escola da periferia? Ele se restringia a aulas de educação moral e cívica, que eram muito teóricas, desinteressantes —não precisávamos nem fazer prova. Ensinavam o que é a Quinta República, falavam muito de laicidade, mas nada dos outros assuntos políticos.

E o que mudou depois da experiência no bairro mais rico? Quando voltei à minha escola, comecei a propor atividades em que pudéssemos conhecer a cultura dos países de nossos pais. Passei a fazer serviço voluntário na prefeitura e pude conhecer melhor seu funcionamento. Fiz parte do Conselho Regional dos Jovens da Île de France [região onde fica Paris] e depois resolvemos criar a Cité des Chances.

Como foi isso? Para alcançar todos os jovens, sem considerar a classe social, começamos a ir a todas as escolas secundárias e propor atividades. Uma delas é o que chamamos de Percurso Cidadão, em três etapas: na primeira, aos 15 anos, os participantes escolhem um tema atual de que gostam e fazem um discurso de cinco minutos sobre ele num palco. Acompanhamos esses discursos e ajudamos a construírem os argumentos e a terem confiança em si mesmos. Frequentemente eles tratam de temas ambientais, bullying, desigualdade de gênero, racismo.

Depois, aos 16, fazemos uma simulação parlamentar, em que recriamos todo o processo de criação e votação de leis. Eles escrevem as leis e as debatem. Há deputados contra e a favor das leis. A última que fizemos foi sobre tornar o voto obrigatório ou não. Temos também os grupos que fazem o papel de jornalistas, de lobistas, de empresas ou da população. A ideia é criar uma mini-Assembleia Nacional.
Entre 50 e 60 jovens participam de cada semestre parlamentar, que já estão em seu quarto ano. Discutimos temas que têm a ver com a realidade deles: numa escola próxima do aeroporto, o assunto era se o tráfego aéreo deveria ser reduzido. Escolhemos sempre assuntos pelos quais os alunos se interessem, algum problema de seu cotidiano, para que não seja uma discussão abstrata.

Por último, fazemos uma visita aos Conselhos Regionais e à Assembleia Nacional, onde falamos com os deputados. Ir pessoalmente ajuda a desmistificar a instituição, a torná-la menos inatingível. É comum que os alunos cheguem lá dentro e digam "ah, até que é pequena…". Tentamos escolher também conversar com deputados que não tenham passado pelas grandes escolas nem sejam de famílias supertradicionais, para que os alunos possam pensar "então talvez algum dia eu também possa ser deputado".

Em geral, vocês são bem recebidos? Existe uma parceria com essas instituições? Não há parceria formal, mas precisamos da autorização de algum dos deputados para fazer essas visitas, e eles têm um número limitado de autorizações por ano. Mas em geral eles aceitam. Já falamos com deputados do LREM [partido de Macron], da França Insubmissa [do ultraesquerdista Jean-Luc Mélenchon], do MoDem, o partido de François Bayrou [candidato à Presidência da França nas eleições de 2002, 2007 e 2012].

Então acabam trabalhando com vários partidos. Sim, porque não dizemos às pessoas em quem devem votar. O que fazemos é ajudá-los a descobrir o sistema, aprender seu funcionamento. É claro que somos a favor de que todos tenham as mesmas oportunidades, pela redução das desigualdades de maneira mais geral, então estamos alinhados mais à esquerda. Mas não temos o direito de dizer como devem votar. Não somos um partido político, tentamos nos manter neutros na medida do possível.

Mesmo com o partido de Marine Le Pen? (Risos) Aí já seria um pouco bizarro…

A candidatura de Le Pen mexeu com o interesse pelo trabalho de vocês? Não muito. Na verdade fizemos uma outra ação envolvendo associações em 16 cidades. A ideia era apresentar as eleições, por que é importante votar, quais são os reais poderes do presidente, da Assembleia Nacional. Falamos com cerca de 250 pessoas de 17 a 25 anos das principais cidades da periferia de Paris e 90% delas não conheciam o poder das eleições legislativas. Alguns nem sabiam que são eleições diretas, que os deputados podem controlar o governo.

O objetivo é lutar contra a abstenção. E, não necessariamente pelo nosso trabalho, mas tivemos a boa surpresa de ver que desta vez o número de abstenções foi um pouco menor que o habitual nessas cidades.

A questão é que, com uma disputa Macron-Le Pen, as pessoas diziam: "ah, então é isso, a mídia já decidiu, é tudo a mesma coisa, tanto faz votar ou não". É difícil para as pessoas verem qual impacto seus votos podem ter. Então você pensa em Mélenchon, para quem faltaram 400 mil votos para ir ao segundo turno, e isso significaria apenas um voto em cada seção eleitoral da França. Ou seja, cada um faz diferença mesmo.

E quais são os grandes desafios? Há um aumento do individualismo. A pessoa acha que vai trabalhar, cuidar de sua própria vida e que a política não tem nada a ver com ela. O que dizemos a eles é que, bom, mesmo que você não tenha a ver com política, a política tem a ver com você. Quando estivemos em confinamento na pandemia, tanto faz se você votou ou não, isso afetou a todos. Quando você vai a um hospital, se faltam profissionais, também é política. Se a escola está sem professor há três meses, é política.

Muitas pessoas subestimam o que Marine Le Pen poderia fazer se fosse eleita. Nós precisamos explicar quais os poderes de um presidente na Quinta República: que tem o poder de dissolver a Assembleia Nacional, que tem o poder de fazer passar leis, de fazer referendos etc. São coisas que os demais candidatos obviamente dizem que não vão fazer —ou terminam o mandato sem fazer—, mas com Marine Le Pen é diferente. Ela não é uma candidata como os demais, poderia colocar em risco nossa democracia. Mesmo com uma maioria de esquerda na Assembleia, isso não conseguiria pará-la.

Qual foi a estratégia de vocês para tornar isso mais claro? O que tentamos explicar é que, quando as pessoas nas periferias precisaram se mobilizar para distribuir comida, o Estado poderia tomar conta disso, mas escolheu não fazê-lo. Quando estudantes tiveram de entrar nessas filas para poderem comer, foi uma escolha política não aumentar as bolsas para eles. As pessoas não conseguem imaginar que um outro sistema é possível.

A política é a organização da sociedade e cabe a nós discutir qual sociedade queremos e como vamos dividir o dinheiro do Estado, porque nós também pagamos todos os impostos. No fim, não é fácil, mas conseguimos fazer algumas pessoas irem às seções eleitorais, porque puderam refletir a respeito desse processo.

Quais deveriam ser as prioridades de Macron para os próximos cinco anos? Acho que deveria ser a desigualdade educacional. A reforma que ele fez em 2018 reforçou essa desigualdade. Seria bom tomar medidas para que as universidades recebam mais e melhor as pessoas que vêm das periferias.

Qual é a percepção predominante de Macron nesses encontros? Que ele contribuiu para o aumento da desigualdade, que não criou empregos como prometeu que faria ao dar dinheiro para grandes empresas com esse argumento. Nós, nas periferias, vimos claramente como isso ocorreu, porque as pessoas ficaram sem emprego e sem a chance de estudar, porque foram barradas por essa reforma que dificultou a admissão na universidade.

Há ainda o tipo de jovem que acredita numa espécie de "american dream" de Macron, que se você trabalhar duro você vai conseguir o que quer, mesmo se para isso tiver que trabalhar 12 horas por dia como motorista de aplicativo. São principalmente os rapazes, que achavam que Macron estaria lá para "nos ajudar", mas que viram outra realidade. E os muçulmanos, que se viram confundidos com terroristas pelo presidente —apesar de as pessoas normalmente falarem de Marine Le Pen quando se trata disso.

Há ainda a violência policial. Eu cresci vendo a violência da polícia, assim como meus amigos, e ela ficou evidente para as outras pessoas com os Coletes Amarelos. Nós, da periferia, tínhamos consciência disso. Quando acontecia só conosco, a impressão dos outros era de que estávamos "pedindo", tínhamos feito algo de errado. Mas quando viram a polícia agredir pessoas em grandes manifestações em sua maioria pacíficas, ficou claro qual era o problema. Nas periferias, as pessoas negras e de ascendência árabe começam a ser abordadas aos 13 anos, 11 anos de idade.

Pretende seguir na política? Não sei por que todo mundo me faz essa pergunta (risos)! Sim, mas eu adoraria um dia ser deputada, do governo regional da Île de France… e por que não ministra da Educação?


RAIO-X | LAUREN LOLO, 24

Filha de imigrantes da Costa do Marfim, cresceu na periferia de Paris. Aos 16, foi transferida para uma escola em uma área nobre da capital francesa e descobriu, sob a camada de desigualdade educacional, o interesse pela política. É cofundadora da organização Cité des Chances, que busca convencer jovens a votar, e conselheira municipal para ambiente da cidade de Fosses.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.