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Iraquiano de 88 anos usa uma vida de conhecimentos para ensinar inglês de graça em Curitiba

Hikmat, ou 'Henrique', como foi apelidado, garante que, com esforço, alunos podem dominar idioma em 4 meses

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Raisa Toledo
Curitiba

"Não é bem mais fácil em inglês?", pergunta Hikmat Daoud Hanna para o aluno Hudson Franklin Novak, sobre as diferenças entre pronomes possessivos na língua inglesa e na portuguesa. Na ampla sala da Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, Hikmat é reconhecido por uma família, que tira fotos da aula: "Podem continuar, não queremos atrapalhar o senhor".

No início de março, uma publicação nas redes sociais da fotógrafa Francielle Machoski em que o iraquiano de 88 anos oferecia aulas na feira do largo da Ordem, na capital do Paraná, viralizou. Em seus cartazes, liam-se frases como "Ensino inglês gratuitamente" ou "Reforço de inglês gratuito".

O iraquiano Hikmat Daoud Hanna, 88, em publicação no Instagram oferecendo aulas de inglês - @oisrhenrique no Instagram

A repercussão transformou a vida dos dois: Francielle pausou a vida profissional para atender a todos que procuram o professor, que não tem celular.

Em menos de um mês, o perfil no Instagram criado por ela para Hikmat beira os 25 mil seguidores. "Algumas publicações chegaram a 8.000 visualizações. Tem bom engajamento orgânico e sempre muitas mensagens de carinho", conta.

Devoto de Nossa Senhora, "Seu Henrique" —apelido surgido da abreviação "Hik"— encontrou na Parábola dos Talentos a inspiração para ensinar inglês de graça. A passagem bíblica ensina que não se deve desperdiçar os recursos disponíveis e que há formas de multiplicá-los.

Ele conta que teve alunos em muitos lugares: de colégios estaduais a associações de moradores e igrejas na Bahia —onde morou por 15 anos, até o fim de 2021— e no Paraná.

Hudson Franklin foi um dos primeiros interessados nas aulas oferecidas no largo. Os encontros ocorrem como preparação para a prova de proficiência que o mestrando em bioética fará em um ano e meio.

homem de máscara idoso de óculos ao lado de jovem com cabelos compridos castanhos de máscara. ele segura cartaz: reforço de inglês, aulas gratuitas
O iraquiano com a fotógrafa curitibana Francielle Machoski; postagem dela tornou famosa história do professor idoso - @oisrhenrique no Instagram

Não é a primeira vez que Hudson busca dominar a língua inglesa. "Tive experiências com outros professores, inclusive pagos, mas não me identifiquei. Ele faz com que eu reviva tudo de uma maneira diferente, é como um bate-papo", conta.

"Henrique" conta ter criado um método para fixar as regras gramaticais, o que permitiria a construção de frases de forma mais natural. A regra é lecionar por uma hora, uma vez por semana. Ele garante que, se o aluno se esforçar, é capaz de conversar em inglês em não mais que quatro meses.

O aposentado conhece bem as dificuldades encontradas para cruzar a barreira do idioma. Aprendeu o inglês ainda em Bagdá, onde nasceu, vencendo as diferenças entre o alfabeto latino e o sistema de escrita do árabe, sua língua materna.

Na juventude, cursou filosofia na Universidade Católica de Roma. "O professor falava em latim por 45 minutos e eu ficava sem entender nada, decepcionado", lembra. Mas, depois que entendeu a base dos idiomas latinos, ficou mais fácil se arriscar no francês, no espanhol e, 20 anos mais tarde, no português, quando veio para o Brasil em 1970.

Hikmat tem hoje cinco alunos por semana. Não cobra nem mesmo o deslocamento até a casa deles, feito de ônibus. Com o sucesso nas redes sociais, Francielle criou um formulário online para interessados nas aulas. Segundo ela, as inscrições passaram a casa das 2.000, o que motivou a criação de um canal no YouTube para expandir o público.

"Recebemos muitas mensagens de pessoas que sonham com a oportunidade de aprender inglês, mas moram em outras cidades", conta a fotógrafa. A primeira aula online foi ao ar no fim de março e somou 2.500 visualizações em duas semanas.

O professor foi notado nas redes por personalidades como a cantora Vanessa da Mata e a jornalista Patrícia Poeta, mas o reconhecimento se estendeu para o mundo real. Além de abordado para fotos e conversas, ele foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba por suas contribuições na área da educação.

O professor e a fotógrafa agora planejam realizar alguns sonhos. Um financiamento coletivo foi criado para que ele possa sair do apartamento que divide com a ex-mulher e ter um local para receber os alunos. Também negociam a publicação de três livros escritos pelo professor —dois deles são dicionários escritos à mão com mais de 9.000 verbetes, um português-árabe e um italiano-árabe.

O tempo livre, escasso no último mês, "Henrique" passa lendo, escrevendo e fazendo trabalho voluntário no Mesa Solidária, programa municipal de refeições populares. Para quem quiser encontrá-lo, a dica é procurar pelo largo da Ordem e suas proximidades, sempre aos domingos.

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