Obama assume combate à desinformação como missão pós-Casa Branca

Ex-presidente já foi mais longe no enfrentamento às redes sociais do que se dispôs a ir quando liderava os EUA

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Steven Lee Myers Cecilia Kang
San Francisco | The New York Times

Em 2011, o presidente Barack Obama foi ao Vale do Silício para uma troca de ideias em clima descontraído com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg. A ocasião foi uma reunião aberta com os funcionários da rede social em que foram discutidas as questões candentes da época: impostos, saúde, a promessa da tecnologia para resolver os problemas do país.

Mais de uma década mais tarde, Obama vai ao Vale do Silício de novo, desta vez levando uma mensagem mais sombria sobre o perigo que as gigantes da tecnologia criaram para o próprio país.

O ex-presidente dos EUA Barack Obama durante evento na Casa Branca - Mandel Ngan - 5.abr.22/AFP

Em encontros privados e aparições públicas no último ano, o ex-presidente mergulhou fundo no embate público sobre informação equivocada e desinformação intencional, avisando que o flagelo das falsidades veiculadas online erodiu os alicerces da democracia dentro e fora dos Estados Unidos.

Num discurso que fez na quinta-feira (21) na Universidade Stanford, Obama somou sua voz ao clamor por regras para coibir a enxurrada de mentiras que estão poluindo o discurso público.

A urgência da crise —a "demanda da internet por maluquice", como Obama a descreveu recentemente— já levou o ex-presidente a ir mais longe no enfrentamento às redes sociais do que ele se dispôs a ir quando ocupava a Casa Branca.

"Acho que é razoável que nós, como sociedade, tenhamos um debate e então adotemos uma combinação de medidas regulatórias e normas para a indústria que deixem intacta a oportunidade de essas plataformas ganharem dinheiro, mas diga a elas que há certas práticas que achamos que não beneficiam a sociedade", disse Obama durante uma conferência sobre desinformação organizada pela Universidade de Chicago e pela revista The Atlantic.

Pessoas próximas a Obama dizem que o timing de sua campanha não se deveu a uma causa única, mas à sua preocupação ampla com os danos feitos aos fundamentos da democracia. Ela está sendo travada no meio de um debate acirrado, mas inconclusivo, sobre a melhor maneira de restaurar a confiança na comunicação online.

Legisladores em Washington estão tão fortemente divididos que qualquer acordo legislativo parece inatingível. Os democratas criticam gigantes como o Facebook, rebatizado de Meta, e o Twitter, por não removerem conteúdos nocivos de seus sites. Também o presidente Joe Biden vem atacando as plataformas que permitiram a propagação de mentiras sobre as vacinas contra o coronavírus, dizendo no ano passado que elas "estão matando pessoas".

Já os republicanos acusam as empresas de suprimir a liberdade de expressão por censurarem vozes conservadoras —sobretudo o ex-presidente Donald Trump, banido do Facebook e Twitter após a insurreição no Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Com tão pouco em comum em suas visões sobre o problema, há ainda menos concordância em relação a uma solução possível.

Resta saber se a contribuição de Obama conseguirá influenciar o debate. Embora ele não tenha endossado nenhuma solução isolada ou legislação específica, ele espera lançar um apelo a todo o espectro político por uma visão comum.

"É preciso pensar em como as coisas serão vistas depois de passar por filtros partidários diferentes, mas ainda assim apresentar seus melhores e mais autênticos argumentos sobre como você enxerga o mundo, o que está em jogo e por que", disse Jason Goldman, ex-executivo do Twitter, Blogger e Medium que foi o primeiro diretor digital da Casa Branca sob Obama e continua a assessorar o ex-presidente.

"Há uma razão potencial para acreditar que existe uma saída positiva de alguns dos atoleiros em que estamos afundados", acrescentou.

É possível que Obama não seja um mensageiro perfeito sobre os perigos da desinformação. Ele foi o primeiro candidato a atrelar o poder das redes sociais para chegar à Presidência, em 2008, mas então, já presidente, fez pouco para intervir quando o lado mais sombrio delas –a propagação de falsidades, extremismo, racismo e violência— se evidenciou dentro e fora do país.

"Eu meio que vi isso começar a crescer —ou seja, o grau em que a informação, as informações erradas e a desinformação proposital estavam sendo usadas como armas", disse Obama em Chicago, manifestando algo que chegou perto do arrependimento. "Acho que subestimei até que ponto as democracias eram vulneráveis a isso, como de fato eram, incluindo a nossa."

Pessoas próximas a Obama dizem que ele ficou obcecado pela desinformação depois de deixar a Presidência. Ele reavaliou, como muitos outros já fizeram, se tinha feito o suficiente para combater a campanha de informação encomendada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, para enviesar a eleição de 2016 contra Hillary Clinton.

Obama começou a reunir-se a sério com executivos, ativistas e outros especialistas no ano passado, depois de Donald Trump se recusar a reconhecer os resultados da eleição de 2020, fazendo afirmações infundadas sobre fraude eleitoral ampla.

Em suas reflexões sobre o assunto, Obama não diz que descobriu uma solução perfeita que escapou da atenção de outros que estudam o tema. Mas, manifestando-se mais publicamente sobre o problema, ele espera conseguir chamar a atenção aos valores de conduta corporal em torno dos quais um consenso poderia tomar forma.

"Isso pode representar um empurrãozinho eficaz a incentivar muito da discussão que já está em curso", comentou Ben Rhodes, ex-vice-assessor de segurança nacional. "A cada dia que passa vemos mais exemplos do porquê isso é importante."

Durante sua administração, Obama divulgou o potencial das empresas de tecnologia de fortalecer a economia com empregos mais qualificados e de impelir movimentos democráticos no exterior. Ele atraiu profissionais tech como Goldman para trabalhar em sua administração e encheu seus cofres de campanha com eventos de levantamento de fundos promovidos nas casas de gente como Sheryl Sandberg, diretora operacional da Meta, e Marc Benioff, CEO da Salesforce.

Foi um período de admiração mútua e pouca fiscalização governamental da indústria de tecnologia. Apesar de Obama endossar as regulações de privacidade, nenhuma legislação para controlar as empresas do setor foi aprovada durante seu governo, apesar de nessa época elas terem se convertido em gigantes econômicas que afetam virtualmente todos os aspectos da vida.

Fazendo uma retrospectiva da abordagem seguida por seu governo, Obama disse que não apontaria para nenhuma ação ou legislação que poderia ter tratado de modo diferente. Mas hoje, olhando para atrás, segundo Rhodes, ele percebe como o otimismo em relação às tecnologias online, incluindo as redes sociais, falou mais alto que a cautela.

A abordagem de Obama à questão vem sendo caracteristicamente deliberativa. Ele consultou os CEOs da Apple, Alphabet e outras companhias. Por meio da Fundação Obama, de Chicago, ele também vem tendo reuniões frequentes com estudiosos, que relatam suas próprias experiências com desinformação em uma série de áreas em todo o mundo.

Partindo dessas deliberações, algumas soluções potenciais estão começando a tomar forma. Embora Obama diga que continua a ser "quase um defensor absoluto da Primeira Emenda", ele tem focado a necessidade de maior transparência e supervisão regulatória do discurso online, além das maneiras em que as empresas vêm lucrando com a manipulação do público por meio de seus algoritmos próprios.

No Congresso, legisladores já propuseram a criação de uma agência regulatória dedicada à fiscalização de empresas na internet. Outros propõem que as empresas de tecnologia sejam despidas de um escudo legal que as protege contra a responsabilidade legal.

Mas nenhuma dessas propostas foi adiante, apesar de nesse mesmo tempo a União Europeia ter promulgado em lei algumas das práticas que ainda estão apenas sendo aventadas teoricamente em Washington.

Kyle Plotkin, estrategista republicano e ex-chefe de gabinete do senador republicano Josh Hawley, do estado de Montana, disse que Obama "pode ser uma figura polarizadora" e pode inflamar a discussão sobre desinformação, em vez de acalmá-la.

"Seus fãs inveterados vão adorar vê-lo dar sua opinião, mas outros não vão gostar", disse Plotkin. "Não acho que ele vá ajudar a discussão a avançar. Pelo contrário, ele a faz regredir."

Tradução de Clara Allain 

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