Trump distribui favores e acumula dinheiro para consolidar domínio no Partido Republicano

Políticos brigam por apoio do ex-presidente em primárias e fazem do resort em Mar-a-Lago uma sede paralela da legenda

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Palm Beach (EUA) | The New York Times

Numa noite qualquer, Donald Trump certamente vai caminhar pelo pátio de Mar-a-Lago e dizer algumas palavras de uma tribuna, dando as boas-vindas a um candidato que esteja lhe pagando pelo privilégio de arrecadar fundos lá.

"Este é um lugar especial", disse o ex-presidente em fevereiro em seu clube privado. "Eu costumava chamá-lo de 'marco zero', mas depois do World Trade Center não usamos mais esse termo. É o lugar onde todos querem estar."

O ex-presidente dos EUA Donald Trump participa de comício em Selma, na Carolina do Norte
O ex-presidente dos EUA Donald Trump participa de comício em Selma, na Carolina do Norte - Erin Siegal McIntyre - 9.abr.22/Reuters

Por 15 meses, um desfile de pré-candidatos apareceu para prometer lealdade e apresentar candidaturas. Quase todos repetiram a mentira de que a eleição de 2020 foi roubada.

Trump transformou a antiga suíte nupcial de Mar-a-Lago em uma sede paralela do Partido Republicano, acumulando mais de US$ 120 milhões (R$ 558 milhões) —um cofre de guerra com o dobro do tamanho do do Comitê Nacional da legenda.

Enquanto outros ex-presidentes cederam o palco, Trump fez o oposto: seguiu agressivamente uma agenda de vingança contra republicanos que, em sua visão, o prejudicaram, endossou mais de 140 candidatos pelo país e transformou as primárias de 2022 em um teste de força de sua influência.

Inspirando medo, acumulando dinheiro, distribuindo favores e tentando esmagar rivais, Trump se comporta como algo próximo da chefia de uma máquina política do século 19.

"Os líderes partidários nunca exerceram o papel que Trump está desempenhando", diz Roger Stone, conselheiro intermitente do ex-presidente desde os anos 1980 e que foi visto em Mar-a-Lago recentemente. "Porque ele pode —e não está preso às regras convencionais da política."

Esse retrato de Trump como um chefe de partido moderno é extraído de mais de 50 entrevistas com conselheiros passados e atuais, rivais políticos, republicanos que buscaram seu apoio e funcionários e estrategistas do partido que tentam combater sua influência.

O político claramente aprecia o poder. Mas, como insinua repetidamente sobre uma terceira candidatura à Casa Branca, a questão iminente é se ele pode continuar sendo um fazedor de reis se não buscar efetivamente a coroa. Procurado, Trump não quis dar entrevista.

Pessoas próximas dizem que ele obtém satisfação com o mero exercício de poder. Ele ouve importantes republicanos, como o deputado Kevin McCarthy, líder na Câmara, e depois se volta contra eles sem avisar. Um dia após McCarthy repreender o deputado Madison Cawthorn, da Carolina do Norte, por dizer que colegas tinham participado de orgias, Trump concedeu a Cawthorn um espaço para falar em seu comício.

Clientelismo e mesquinharia

Toda uma economia política cerca Trump hoje, recolhendo taxas: só candidatos e comitês federais pagaram quase US$ 1,3 milhão (R$ 6 milhões) para realizar eventos em Mar-a-Lago. Uma falange de "conselheiros" surgiu com candidatos que lhes pagam na esperança de alinhavar reuniões, mesmo quando ex-discípulos alertam que sempre é preciso ter cuidado no jogo de influência do político.

"Se alguém está vendendo a capacidade de conseguir endossos, está vendendo terrenos na Lua", diz o ex-assessor Michael Caputo. "O que parece ser a criação de uma 'nova Tammany' é na verdade a convergência de consultores que fingem ter uma pista para o endosso —e isso não existe."

Tammany Hall foi um grupo político de Nova York que durou quase dois séculos e deveu sua longevidade ao clientelismo. Mas Trump pode ser francamente mesquinho: embora faça comícios para alguns candidatos, para muitos seu apoio não vai além de um email e um cheque de US$ 5.000 (R$ 23,3 mil).

Taylor Budowich, porta-voz de Trump, diz que focar apenas gastos diretos não explica totalmente o valor do "imprimátur" para eleitores e a "cobertura de mídia gratuita" que ele gera. Não muito diferente dos chefes políticos do passado, o ex-presidente se concentrou na mecânica eleitoral enquanto semeia incessantemente a desconfiança no sistema com suas falsas denúncias de fraude.

Exercer o poder sobre o partido e vender a ficção de um pleito roubado também servem para desviar a atenção da infeliz saída de Trump da Casa Branca como um perdedor.

O biógrafo Michael D'Antonio traçou um paralelo entre esse período e sua falência no início dos anos 1990. "Teria sido desastroso para outra pessoa", diz. "Mas para Trump só marcou uma virada no método e na busca por poder. E ele nunca aceitou que fossem realmente perdas."

Os democratas estão se preparando para perdas em 2022. Mas estrategistas dizem que o perfil público de Trump representa um risco para os republicanos, já que pesquisas privadas e grupos focais mostram que ele continua sendo um forte desencorajamento para eleitores indecisos.

Caranguejos num balde

Nada revela o domínio de Trump sobre o partido como as genuflexões e contorções daqueles que buscam sua aprovação. Alguns pagam para participar de eventos de arrecadação de fundos em Mar-a-Lago para outros —clamando por um momento fugaz da atenção de Trump ou uma foto.

De muitas maneiras, a perseguição ao endosso é uma reprise na vida real do antigo papel de Trump na TV. "O que era 'O Aprendiz' senão uma triste confusão de pessoas se comportando como caranguejos num balde para serem retirados por ele?", diz D'Antonio.

No ano passado, Trump levou vários candidatos ao Senado de Ohio para uma sala de Mar-a-Lago, onde eles começaram a se atacar enquanto ele observava. O político não endossou ninguém e apoiou o autor J.D. Vance. "Há pessoas aqui que estão literalmente lutando por um voto, de uma pessoa que não vota em Ohio", disse num debate Matt Dolan, único republicano importante que não disputava o endosso de Trump.

Trump gosta de bajulação e não deixa de recompensar bajuladores. Mas pessoas próximas a ele dizem que material visual atraente também é importante. Letras grandes são cruciais. Com fotos e gráficos.

"Ele não é um cara muito digital, então nós tínhamos impressos", disse Joe Kent, que ganhou o apoio do político por seu esforço para derrubar o deputado republicano Jaime Herrera Beutler, de Washington, um dos dez votos do partido pelo impeachment. Quando gosta do que vê, Trump envia palavras de encorajamento, rabiscadas em recortes de notícias.

Televisão de precisão

A TV é uma maneira popular de lobby, a ponto de alguns candidatos veicularem anúncios longe de seus eleitores. Quando Trump estava hospedado em seu campo de golfe em Bedminster, em Nova Jersey, Jim Lamon, candidato ao Senado no Arizona, pagou por um anúncio na Fox News em Nova Jersey.

A vice-governadora de Idaho, Janice McGeachin, apareceu no programa de Tucker Carlson em junho e elogiou Trump; no dia seguinte ele lhe telefonou. A política conta que "sugeriu" que planejava desafiar Brad Little, governador republicano em exercício, e pediu o apoio de Trump; logo estava num avião para Nova York para uma reunião na Trump Tower.

Ela diz ter falado que Little não lutou o suficiente para ajudar o ex-presidente a denunciar a suposta fraude de 2020, e depois esteve em Mar-a-Lago. Na sequência, Trump a endossou —embora tenha só elogios a Little, que havia participado de um evento de arrecadação de fundos para uma organização dias antes.

O episódio resume as peculiaridades do estilo de Trump como chefe do partido: receptividade a cortejos intensos, tomada de decisões ao acaso, com a exigência de que suas falsas alegações de fraude eleitoral sejam amplificadas.

Mão pesada

De olho em seu histórico, Trump trata cada vez mais os candidatos republicanos como peças de um jogo a serem movimentadas, trocadas ou abandonadas.

Na Carolina do Norte, Trump tentou fazer com que um aliado, o deputado Mark Walker, abandonasse a campanha ao Senado em favor do colega Ted Budd para enfrentar o ex-governador Pat McCrory nas primárias de maio. Mas, depois que a Justiça alterou os mapas políticos do estado, Walker recusou, ameaçando dividir o voto pró-Trump —as pesquisas mostram Budd liderando.

O ex-presidente já rescindiu um endosso (ao deputado Mo Brooks para o Senado do Alabama, depois que ele caiu nas pesquisas) e pode voltar atrás em outros: já falou, por exemplo, em suavizar a postura em relação a McGeachin.

As disputas nas quais Trump apoiou um candidato serão estudadas para qualquer redução de seu poder. Mas o fato é que muitos daqueles a quem ele se opõe nas primárias ainda estão concorrendo como republicanos de Trump. Poucos veem uma data de validade para seu domínio a menos que ele se recuse a concorrer novamente em 2024 ou seja derrotado.

Uma aparição recente no podcast do Comitê Nacional Republicano capturou tanto os atrativos quanto as desvantagens do apego inflexível do partido ao político. Foi, de longe, o episódio mais assistido do podcast no YouTube —até que o site o removeu por espalhar desinformação.

"O poder do seu apoio não pode ser subestimado", disse Ronna McDaniel, presidente do partido, a Trump, acrescentando: "Nós precisamos de você".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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