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Cabides de arame viram símbolo em ato a favor do direito ao aborto nos EUA

Manifestantes e senador defendem aumento de juízes da Suprema Corte para anular maioria conservadora

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Washington

Centenas de pessoas voltaram a se mobilizar em atos em frente à Suprema Corte dos Estados Unidos na tarde desta terça (3), para protestar contra a possível reversão do direito ao aborto no país pelo tribunal.

Manifestações já tinham sido registradas na noite de segunda (2), horas depois de o site Politico revelar o rascunho de um documento da corte que indica decisão que deve alterar o entendimento estabelecido em 1973 pelo caso Roe vs. Wade. A autenticidade do material foi confirmada pelo presidente do órgão, John Roberts, que anunciou a abertura de uma investigação para apurar o vazamento da minuta.

Ainda demonstrando surpresa com a notícia, os manifestantes em Washington pediam medidas que possibilitem manter o direito à interrupção voluntária da gravidez —uma delas seria aumentar o número de juízes da Suprema Corte, de modo que o presidente Joe Biden fizesse novas nomeações.

Manifestantes a favor do direito ao aborto protestam com cabides de arame em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington
Manifestantes a favor do direito ao aborto protestam com cabides de arame em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington - Stefani Reynolds/AFP

Muitas mulheres erguiam cabides de arame no ato. "Eles simbolizam o modo com que os abortos eram feitos antes da liberação, e é nessa direção que estamos indo se esse direito for tirado", disse Marcy Marquuis, 57, que levava vários deles. A ponta dos instrumentos era, em alguns casos, transformada em ferramenta para interrupção forçada da gravidez por mulheres sem acesso a serviços médicos para o procedimento —o ato pode trazer sérias complicações e riscos.

"Isso vai se tornar perigoso agora, estar grávida e não saber que está", disse Mary Eyrn, 56, que também exibia um cabide. Leis aprovadas nos últimos meses em estados como Texas e Oklahoma, governados por republicanos, impedem o procedimento com poucas semanas de gravidez —em estágio em que muitas vezes a gestação ainda não foi percebida. Eyrn contou que foi protestar para tentar defender os direitos de sua nora, que é colombiana. "Ela já é mãe. Quero que possa ter a escolha sobre ter outros filhos ou não."

Apesar da minuta divulgada pelo Politico, a decisão da Suprema Corte ainda não foi tomada de modo oficial —o que só ocorre com a publicação pelo tribunal, esperada nesse caso para o final de junho.

Na tarde desta terça, além das centenas de manifestantes que defendiam o direito de escolha da mulher, cerca de dez pessoas pró-veto ao aborto também se reuniram em frente ao prédio da Justiça.

Ativistas contrários à possível mudança na jurisprudência fizeram discursos pedindo pelo aumento de juízes na Suprema Corte. "Eles querem que fiquemos sem esperanças, tristes. Mas isso não vai acontecer, porque temos um plano. Aprovar uma lei [no Congresso] para garantir o direito ao aborto não é suficiente. O suficiente é ter mais assentos", disse Maya Patel, uma das que falaram.

A medida foi endossada pelo senador democrata Ed Markey, de Massachussets. Em fala na porta da Suprema Corte, ele disse que a medida compensaria o que ele considera dois assentos "roubados" pelos republicanos. Ele chamou a situação atual da Suprema Corte de "maioria ilegítima".

Em 2016, quando estavam na oposição, os republicanos impediram Barack Obama de nomear um novo juiz —potencialmente progressista— meses antes das eleições presidenciais. Em 2020, porém, fizeram o oposto: aceleraram procedimentos para que Donald Trump pudesse fazer uma indicação —da magistrada conservadora Amy Coney Barrett— pouco antes do fim de seu mandato.

"Expandir a Suprema Corte não é simplesmente uma posição de princípios. É uma necessidade prática. A ala extremista de direita não vai parar, mas nós também não vamos. O Congresso já fez isso antes e deve fazer isso agora de novo", defendeu Markey. "Vocês estão prontos para lutar?"

Aumentar o número de assentos na Corte, porém, demandaria também acabar com a regra chamada de "filibuster", que permite ao partido minoritário travar medidas que não tenham 60% de apoio no Senado.

Hoje, a Casa tem 50 senadores de cada partido, o que permite aos republicanos barrar o avanço de medidas de interesse dos democratas. A questão é que, se a regra for extinta, os próprios democratas podem perder esse poder de veto, caso sejam minoria no futuro.

Ativistas ouvidos pela Folha disseram ter sido surpreendidos com a notícia de que a garantia ao aborto poderá ser revertida pela Suprema Corte. "Nunca pensei que ela poderia ir embora. E a ideia de ter mais juízes pode virar realidade, mas acho que vai levar um bom tempo", disse Eyrn. "Fiquei realmente chocado. Não esperava que viesse uma mudança nesse sentido", comentou Jonathan Darnell, 40, contrário à interrupção da gravidez, que segurava um cartaz com uma enorme foto de um feto de seis semanas.

Ele avalia que o cenário futuro, caso o entendimento de Roe vs. Wade seja mesmo superado, será de confusão, com alguns estados permitindo o aborto e alguns vetando. "Se você comete um crime em outro estado, tem de ser extraditado para o seu, mas não acho que isso vá acontecer. Esse tipo de coisa precipitou nossa guerra civil. Não sei o que vai acontecer."

O ativista Jonathan Darnell protesta pelo fim do aborto, em frente à Suprema Corte
O ativista Jonathan Darnell protesta pelo fim do aborto, em frente à Suprema Corte - Rafael Balago/Folhapress
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