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Camila Asano e Gimena Sánchez-Garzoli

Ignorar ameaças antidemocráticas tornaria Biden cúmplice de Bolsonaro

Em reunião bilateral, EUA deveriam enviar mensagem de que tentativa de destruir democracia brasileira não será aceitável

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Camila Asano

Diretora de programas da Conectas Direitos Humanos

Gimena Sánchez-Garzoli

É diretora para os Andes do WOLA (Washington Office on Latin America)

Em clima de tensão, está prevista para acontecer nesta quinta (9) a primeira reunião bilateral entre os líderes de EUA, Joe Biden, e Brasil, Jair Bolsonaro, no âmbito da Cúpula das Américas, em Los Angeles.

Aliado incondicional do ex-presidente Donald Trump, Bolsonaro nunca disfarçou o descontentamento com a vitória do democrata e, por vezes, repetiu a acusação infundada de fraude nas eleições americanas.

Apesar disso, Bolsonaro é peça-chave nos cálculos de Biden para demonstrar sua liderança no continente.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante evento em Seul, na Coreia do Sul, parte de sua viagem à Ásia, em maio
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante evento em Seul, na Coreia do Sul, parte de sua viagem à Ásia, em maio - Saul Loeb - 22.mai.22/AFP

Criticado pela incapacidade de impedir a invasão da Ucrânia e pela gestão das relações com Cuba e Venezuela, o presidente americano sairia enfraquecido se os líderes latino-americanos decidissem não participar da cúpula —um sinal de que a influência dos EUA no continente estaria diminuindo.

Portanto, a presença do Brasil, maior economia da América Latina, tornou-se crucial, especialmente depois que o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, anunciou que não participaria do evento, porque, para ele, a cúpula não representa a região em sua totalidade.

Diante de um Bolsonaro titubeante, Biden enviou esforços diplomáticos para garantir a presença do brasileiro, designando um enviado especial para convencê-lo frente a frente. A contrapartida, naturalmente, foi alta: Bolsonaro não quer ser confrontado em hipótese alguma.

Segundo relatou o jornal The Washington Post, a partir de fontes anônimas que acompanharam a reunião, Bolsonaro condicionou a presença no evento a uma reunião bilateral com Biden e ao veto a dois temas sensíveis: as suspeitas levantadas pelo brasileiro ao sistema eleitoral e o desmatamento na Amazônia.

O temor de Bolsonaro vem do fato de Biden demonstrar compromisso com a questão climática —e a Amazônia é peça central para os esforços globais de mitigação das mudanças do clima.

Além disso, em audiência no Senado dos EUA, em maio, a recém-indicada embaixadora no Brasil, Elizabeth Bagley, reafirmou sua confiança nas instituições democráticas e no sistema eleitoral brasileiro, destacando a necessidade de manter a confiança pública neste sistema às vésperas das eleições presidenciais. "Reforçarei o compromisso dos EUA de fortalecer a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito no Brasil e em todo o hemisfério", disse Bagley.

Assim como Trump fez e segue fazendo, o presidente brasileiro continua colocando em dúvida a lisura do sistema eleitoral, alegando risco de fraude nas urnas eletrônicas —uma narrativa que legitimaria o questionamento dos resultados e tem potencial de gerar violência como visto na invasão do Capitólio.

No caso brasileiro, o risco de violência é potencializado pelo afrouxamento, promovido por Bolsonaro, das regras para acesso a armas de fogo e munições. Levantamento recente do Instituto Sou da Paz por meio da Lei de Acesso à Informação mostra que o número de pessoas com licença de colecionador, atirador esportivo e/ou caçadores aumentou 262% entre julho de 2019 e março deste ano, somando 605 mil pessoas com este tipo de registro no país.

É inadmissível que, para garantir a presença de Bolsonaro na Cúpula das Américas, o governo Biden esteja disposto a se tornar cúmplice da erosão da democracia no Brasil. Em vez de se aproximar de Bolsonaro, os EUA deveriam enviar a mensagem de que qualquer tentativa de destruir a democracia do Brasil não será aceitável, nos EUA ou em qualquer lugar do mundo.

Biden também deve ser firme quando se trata de se posicionar e pedir a Bolsonaro que se comprometa com a preservação da Amazônia, no interesse não apenas dos brasileiros, mas de toda a humanidade.

O compromisso de Biden não deve acabar junto com a Cúpula das Américas. Ele deve reafirmar a confiança e a segurança no sistema eleitoral brasileiro e tratar de reconhecer com celeridade o resultado do pleito presidencial brasileiro de 2022. Assim, os perdedores terão dificuldade em negar seu resultado.

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