Descrição de chapéu Financial Times China

EUA pressionam Taiwan para se preparar contra potencial invasão da China

Ambições de Xi Jinping e modernização militar de Pequim aumentam receio sobre tentativa de anexar a ilha

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Kathrin Hille Demetri Sevastopulo
Taipé e Washington | Financial Times

Quando o presidente Joe Biden prometeu, no mês passado, intervir militarmente se a China atacar Taiwan, seu comentário foi recebido com uma resposta dura de Pequim. "Se os EUA seguirem no caminho errado", disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, "terão que pagar um preço insustentável".

A frase foi amplamente lida como uma advertência de guerra. No mesmo dia, China e Rússia realizaram um exercício conjunto de bombardeiros nucleares perto do Japão.

Avião militar sob bandeiras da China e de Taiwan - Dado Ruvic/Reuters

A comunicação foi a mais recente numa espiral de mensagens belicosas entre EUA e China. Foi também um reflexo dos crescentes temores em Washington, em Taipé e entre aliados de que Pequim poderá tentar anexar Taiwan nos próximos anos.

"Esta é a década da preocupação, especialmente o período entre agora e 2027", diz Phil Davidson, almirante aposentado que comandou as forças dos EUA no Indo-Pacífico até o ano passado. "Faço essa avaliação devido às melhoras impressionantes nas capacidades militares chinesas, do cronograma político de Xi Jinping e dos desafios econômicos de longo alcance no futuro da China."

Embora a ameaça chinesa de tomar Taiwan à força exista desde que o governo nacionalista fugiu para Taiwan, em 1949, após perder a guerra civil no continente, Pequim há muito se dedicava a atrair a ilha para sua esfera com iscas econômicas e pressão política. Mas muitos políticos taiwaneses agora acreditam que, à medida que o Partido Comunista Chinês perde a esperança de que essas medidas funcionem, e com suas Forças Armadas se modernizando rapidamente, Xi poderá se decidir pela guerra em breve.

Taiwan entrou em foco novamente como um ponto de conflito cada vez mais perigoso alguns dias após a posse de Biden, quando aviões de guerra chineses simularam ataques de mísseis a um porta-aviões dos EUA que navegava nas proximidades de Taiwan. Nos meses seguintes, a China intensificou o ritmo e o tamanho das missões de caças e bombardeiros perto da ilha.

Davidson deu o alarme em março do ano passado, dizendo à Comissão de Forças Armadas do Senado acreditar que a ameaça de um ataque chinês a Taiwan "se manifestaria nos próximos seis anos".

Pouco depois, uma importante autoridade americana disse ao Financial Times que Xi estava flertando com a ideia de tomar o controle da ilha. Desde então, esses alertas se tornaram mais frequentes –é esse o pano de fundo dos comentários recentes de Biden. Os avisos também aceleraram uma mudança na conversa entre Taiwan e EUA sobre como defender a ilha.

Embora Washington esteja pedindo há anos que Taipé leve esse risco mais a sério, o governo e os militares taiwaneses demoraram a responder. Mas a Guerra da Ucrânia serviu de alerta. Autoridades de Taiwan dizem que o ataque da Rússia a seu vizinho reforçou a ameaça que eles enfrentam.

Uma autoridade diz que o perigo vem de Xi e do fato de que ele deve começar um terceiro mandato ainda neste ano. Segundo ele, sob as regras anteriores da China, em que haveria um novo líder a cada dez anos, a missão de unificar Taiwan poderia ser passada para o próximo líder, mas quando ela se torna a missão de um homem, o risco aumenta.

Menos ambiguidade

Embora a invasão russa da Ucrânia tenha focado a atenção na ameaça potencial a Taiwan, há uma grande diferença entre as duas situações: uma guerra chinesa contra Taiwan pode ser uma guerra com os EUA.

Quando Washington mudou o reconhecimento diplomático de Taipé para Pequim, em 1979, substituiu seu tratado de defesa mútua pela Lei de Relações com Taiwan. A lei exige que os EUA forneçam ao país as armas necessárias para se defender e mantenham a capacidade americana de resistir à força ou coerção que ameace a segurança da ilha.

No passado, os EUA foram ambíguos sobre até que ponto vai esse compromisso. Numa tentativa de impedir Pequim de considerar usar a força militar e desencorajar Taipé de formalizar sua independência, Washington se recusou a especificar se entraria em uma guerra entre os dois países.

Biden parece ter reduzido drasticamente essa ambiguidade. Questionado por um repórter em sua recente viagem ao Japão se estava disposto a usar a força para defender Taiwan, disse: "Sim. É o compromisso que assumimos". A Casa Branca se apressou em enfatizar –como fez após outras declarações que alguns analistas consideraram gafes– que a política dos EUA em relação a Taiwan não mudou.

O presidente dos EUA, Joe Biden, em viagem ao Japão na qual prometeu defender Taiwan de uma invasão chinesa - Eugene Hoshiko/Pool/Reuters

Mas altos funcionários de Taiwan e de aliados dos EUA dizem acreditar que Biden está tentando dissuadir Pequim, sinalizando com maior clareza que a China também poderá ter de lutar contra os EUA.

Segundo uma autoridade graduada de Taipé, o americano teria tomado uma decisão política para mostrar que essa opção não pode ser excluída. Embora haja uma preocupação crescente sobre a possibilidade de invasão, o prazo de qualquer ação militar –e as reais intenções da China– ainda são objeto de debate.

O ano que Davidson considera o horizonte de tempo potencial para um ataque chinês, 2027, é o centenário do Exército Popular de Libertação (EPL), as Forças Armadas do país. Em novembro de 2020, o Partido Comunista Chinês disse que queria "garantir que a meta de construção militar de cem anos seja alcançada até 2027", pediu uma modernização militar mais ágil e reiterou o objetivo de tornar os militares chineses aptos para a guerra "inteligente", em rede.

Embora sejam frases que a China já tenha usado antes, o Pentágono chama 2027 de "novo marco". "Se cumpridos, os objetivos de modernização do EPL podem dar a Pequim opções militares mais confiáveis numa contingência em Taiwan", dizia o relatório anual sobre as Forças Armadas chinesas no ano passado.

Alguns analistas duvidam da data de Davidson. Mas um ano depois de seu depoimento, autoridades civis e militares em Taipé e em Washington dizem que a janela de agora até 2027 é uma ameaça real.

Em outubro passado, o ministro da Defesa de Taiwan, Chiu Kuo-cheng, disse que o EPL teria "capacidade completa" para atacar Taiwan até 2025. "A situação atual é realmente a mais perigosa que já vi em meus mais de 40 anos nas Forças Armadas", disse ele aos legisladores.

Avril Haines, diretora da inteligência nacional dos EUA, disse recentemente ao Congresso que a ameaça a Taiwan é aguda entre hoje e 2030, corroborando o senso de urgência de Davidson. John Aquilino, atual chefe do comando do Indo-Pacífico das Forças Armadas dos EUA, disse recentemente ao FT que a invasão da Ucrânia salientou que a ameaça chinesa a Taiwan não é abstrata.

Especialistas taiwaneses veem 2024 e 2025 como um período particularmente perigoso, em que Xi poderá ser tentado a usar a força se o Partido Democrático Progressista, que insiste em preservar a independência de fato de Taiwan, vencer novamente a eleição presidencial no início de 2024 ou se ele sentir um vácuo político nos EUA após o pleito do final de 2024.

Mackenzie Eaglen, especialista em defesa no American Enterprise Institute, think tank de Washington, diz que há dois lados quando se trata do momento de um possível ataque chinês a Taiwan.

"Aqueles que acreditam na janela de Davidson, o tempo de perigo máximo, versus os que acreditam que temos tempo para adquirir as capacidades que dissuadirão e derrotar a China em uma data futura", diz. "[A liderança do Pentágono] está tentando remendar e concordar que há certa preocupação agora, ao mesmo tempo que enfatiza o médio prazo."

Uma pessoa a par da avaliação que o governo faz da ameaça a Taiwan afirma que há um consenso de que a China pretende desenvolver as capacidades necessárias para atacar até 2027, mas argumenta que isso é muito diferente da questão de intenção ou ação.

Preparando-se para o pior

A crescente ansiedade sobre uma possível invasão chinesa está reformulando a maneira como Washington e Taipé pensam a defesa do país. Washington vem tentando há mais de uma década convencer Taiwan a se "reforçar" contra uma invasão chinesa. Mas os militares locais continuaram fazendo planos sob a suposição de que teriam mais tempo para se preparar ou talvez não precisassem lidar com uma invasão em grande escala.

Muitos especialistas em defesa de Taiwan consideram esse o pior cenário, mas temem que os movimentos militares chineses antes da guerra, como os frequentes exercícios aéreos e marítimos, a guerra de informação ou talvez até um bloqueio marítimo, possam minar a determinação do país a resistir.

Portanto, Taipé também quer manter as capacidades militares necessárias para combater esses movimentos, como navios de superfície, caças modernos e aeronaves de alerta precoce.

Mas agora que os EUA estão cada vez mais focados em uma ameaça de invasão a curto prazo, o governo americano começou a negar pedidos da ilha por grandes armas, como helicópteros antissubmarinos, que acredita que poderiam ser rapidamente destruídos num ataque chinês, gastando recursos valiosos.

Em vez disso, os EUA estão pressionando por um foco maior em armas pequenas, relativamente baratas e de sobrevivência, como mísseis móveis, úteis para combater uma tentativa de invasão e ocupação. Taiwan também foi instigada a agir pela perspectiva adicional oferecida pela Guerra da Ucrânia.

Autoridades de alto escalão dizem que agora o governo da presidente Tsai Ing-wen está focado em tornar o país mais resiliente para suportar um ataque chinês. O primeiro-ministro Su Tseng-chang prometeu apoio para prolongar o serviço militar básico dos atuais quatro meses para um ano, bem como aumentar o orçamento militar, até agora em uma média de apenas 2% do PIB.

Uma pessoa familiarizada com a situação conta que há discussões amplas e completas, tanto entre taiwaneses quanto com os americanos. As políticas em consideração incluem uma reforma mais rápida e decisiva da força de reserva mal treinada; a construção de sistemas distribuídos de energia e comunicações que ataques cibernéticos e de mísseis chineses não conseguiriam eliminar; o endurecimento dos sistemas de comando e controle; o planejamento de suprimentos básicos em tempo de guerra; e a atribuição de responsabilidades administrativas para a defesa civil.

Modernização chinesa

Há muitas evidências de fontes disponíveis ao público de que o Exército chinês está buscando intensamente atingir as capacidades necessárias para lançar uma invasão. Uma delas é identificar e mirar submarinos que poderiam atacar navios chineses que transportariam tropas invasoras através do estreito.

Das 1.543 aeronaves que o EPL enviou para a zona de identificação de defesa aérea (Adiz, na sigla em inglês) de Taiwan desde setembro de 2020, o segundo maior grupo, de 262, eram de antissubmarinos. A Adiz é uma zona-tampão no espaço aéreo internacional vigiada para fins de alerta precoce. Em abril de 2021, o primeiro navio-doca Type 075 para pouso de helicópteros da marinha chinesa, um grande navio de ataque anfíbio capaz de transportar aeronaves e tropas, entrou em serviço. Mais dois já iniciaram testes.

Isso deixa a força ainda muito aquém de sua capacidade de transporte necessária, mas a ideia é usar balsas civis, barcaças e rampas flutuantes para levar tropas para a costa mesmo sem acesso a um porto, de acordo com textos de pesquisadores da Universidade de Transporte Militar do EPL.

Usando relatórios do canal militar da TV estatal chinesa e fotos de satélite, Michael Dahm, oficial de inteligência aposentado da Marinha dos EUA e pesquisador do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, analisou dois exercícios relacionados em 2020 e 2021. Ele diz acreditar que o EPL está desenvolvendo planos para mobilizar o transporte marítimo "em grande escala".

"Tal mobilização de navios civis para apoiar operações através do estreito de Taiwan pode ser de risco muito alto e envolver perdas extremamente elevadas", escreveu ele num artigo no ano passado. "[Mas] existem poucos desafios relacionados à eficiência e ao desgaste que os militares chineses não poderiam enfrentar simplesmente com massa esmagadora e tolerância a perdas."

Alguns analistas afirmam que uma invasão de Taiwan ainda será um desafio considerável para o EPL nos próximos anos –fato que, segundo eles, foi destacado pelas dificuldades da Rússia numa operação de guerra em circunstâncias muito menos complexas. "O que [o EPL] quer fazer em seu cenário de ponta é muito mais complexo do que o que a Rússia está tentando fazer na Ucrânia. O que a Rússia tenta fazer é o mais fácil e o que a China tentaria é o mais difícil em termos de cenários de conquista em geral", diz Taylor Fravel, diretor do Programa de Estudos de Segurança do MIT e especialista em estratégia militar chinesa.

"Assim, observando as dificuldades da Rússia para realizar operações relativamente simples, os líderes chineses podem se perguntar sobre a capacidade do EPL de realizar operações muito mais complexas, o que pode torná-los mais cautelosos em lançar tal ataque por enquanto."

Su Tzu-yun, pesquisador associado no Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança, grupo apoiado pelo Ministério da Defesa de Taiwan, argumenta que sejam quais forem os passos que o EPL dê, ele ainda precisará enviar navios pelo estreito. "Na Ucrânia, vimos veículos russos presos na estrada. No cenário de Taiwan, o mar é a estrada", diz. "Então essa é a hora e o lugar para destruí-los."

No entanto, embora a capacidade da China de conduzir uma invasão siga incerta, a rápida modernização das Forças Armadas chinesas colocou seus potenciais adversários em desvantagem. "A China está numa trajetória de investimento. Se os EUA mantiverem o mesmo nível de investimentos em defesa, a diferença entre os dois será tal que o cronograma [para invasão] irá se acelerar nessa janela", diz Davidson.

Esse desequilíbrio pode tornar a situação ainda mais perigosa. Um oficial militar de Taiwan disse que os planos dos EUA para fortalecer sua posição no Indo-Pacífico, como construir uma força mais móvel de fuzileiros navais e colocar navios chineses em risco com mísseis em ilhas controladas pelos aliados, exigirão vários anos —e há a preocupação de que os comunistas pensem que atacar mais cedo é melhor.

Analistas argumentam que observar a luta da Rússia na Ucrânia pode demonstrar a Pequim a importância de agir com presteza. "Politicamente, se os líderes da China acreditam que os EUA têm ou estenderão um compromisso de segurança incondicional a Taiwan, o valor para a China de tomar algum tipo de ação militar para demonstrar sua determinação de resistir aos EUA é muito maior que antes", diz Fravel.

Alguns políticos de Taiwan dizem que a competição cada vez mais acirrada dos EUA com a China está aumentando o risco. Eric Chu, presidente do partido de oposição Kuomintang, disse a um grupo de pesquisa em Washington na segunda (6) esperar que a atenção dos EUA não cause problemas na Ásia.

"Aprecio qualquer tipo de ajuda dos EUA. Mas espero que a tensão possa diminuir nos próximos anos."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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