Boris Johnson tenta se segurar no cargo em meio a clamor por renúncia

Em reação, premiê britânico demite Michael Gove, secretário de Habitação que pediu sua saída

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Londres | Reuters

Mesmo com a renúncia de dois dos seus principais ministros, uma nova debandada, um clamor por sua saída e pesquisas mostrando que a maioria dos britânicos quer vê-lo longe de Downing Street, o premiê britânico, Boris Johnson, procurou manter postura de firmeza e afirmou que não vai deixar o governo.

"O trabalho de um primeiro-ministro em circunstâncias difíceis é continuar. E é isso que vou fazer", disse Boris durante a sessão semanal de perguntas e respostas no Parlamento, na qual três membros de sua própria legenda, o Partido Conservador, questionaram se ele renunciaria.

"Claramente, se houvesse circunstâncias em que eu sentisse que seria impossível para o governo cumprir o mandato que nos foi dado, ou se eu sentisse, por exemplo, que estamos sendo frustrados em nosso desejo de apoiar o povo ucraniano, então eu renunciaria", ponderou o premiê.

Boris Johnson responde a questões de parlamentares, em Londres
Boris Johnson responde a questões de parlamentares, em Londres - Jessica Taylor - 6.jul.22/Parlamento do Reino Unido via Reuters

Uma pesquisa do instituto YouGov apontou que 69% dos britânicos dizem querer a renúncia do primeiro-ministro, um novo recorde. Entre os apoiadores do Partido Conservador, 54% afirmam ser a favor de sua saída, cifra pela primeira vez maior do que a dos que querem que ele fique —33%.

O governo de Boris está profundamente desgastado com a demissão dos ministros das Finanças e de Saúde —Rishi Sunak e Sajid Javid—, dois dos mais experientes secretários de seu governo, na terça (5).

A debandada ocorre na esteira de uma série de escândalos, dentre os quais as festas em Downing Street durante o lockdown na pandemia e o recente escândalo de um aliado de seu partido acusado de assédio. Boris é alvo de acusações por se omitir mesmo tendo ciência da conduta inadequada do parlamentar.

Após a saída de Sunak e Javid, mais de 30 parlamentares, ministros e assessores renunciaram, em um esvaziamento do governo que mostra o nível de hostilidade enfrentado pelo premiê mesmo dentro de seu círculo mais próximo. Soma-se ao colapso do governo uma reunião que os ministros remanescentes de seu gabinete fizeram nesta quarta em Downing Street para pedir formalmente a Boris que deixe o cargo.

Mesmo Nadhim Zahawi, escolhido para substituir Sunak da pasta das Finanças, integrou o grupo. Mas a participação que mais chamou a atenção foi a de Michael Gove, secretário de Habitação e um dos nomes mais experientes e importantes do gabinete britânico. A reação teria vindo da mesma medida: de acordo com o editor de política da BBC, Boris o demitiu, numa demonstração de força ao ser pressionado.

Se serve de consolo ao premiê, segundo uma fonte à agência de notícias Reuters, ao menos uma outra autoridade foi à sede do governo britânico para dizer que o apoia caso ele decida brigar pela permanência.

A sessão do Parlamento foi, na prática, uma sabatina sobre a situação do premiê. Questionado acerca da possibilidade de permanecer no cargo, Boris manteve a postura: "Olho para as questões que este país enfrenta, para a maior guerra na Europa em 80 anos, e não posso ver como seria responsável me afastar disso", afirmou o premiê, acrescentando que a última coisa de que o Reino Unido precisa é de uma eleição.

Durante a audiência, alguns conservadores se controlaram para não rir após políticos importantes zombarem do passado do premiê e de escândalos que definiram grande parte de seu mandato.

Há um mês, Boris sobreviveu a um voto de desconfiança, mecanismo que poderia tirá-lo do poder. Sob as regras atuais, ele está a salvo pelo prazo de um ano, mas seu próprio partido deve rever as normas nos próximos dias, ainda que uma nova votação esteja descartada até ao menos a próxima segunda-feira. De qualquer forma, a chance de haver um novo teste de resistência da liderança do premiê é grande.

Um correligionário do premiê disse sob condição de anonimato que o mandato do líder britânico parece ter acabado, acrescentando que mais ministros do alto escalão devem agir contra ele. Ainda nesta quarta, o agora ex-ministro Sajid Javid fez um ataque contundente à liderança de Boris, dizendo a ele e aos colegas de partido que estava na hora de o primeiro-ministro renunciar. Cotado como possível sucessor, Javid listou uma série de escândalos que envolveram o premiê e seu gabinete nos últimos meses.

"Em algum momento, temos que concluir que basta. Acredito que esse ponto é agora", disse ele ao Parlamento, enquanto os legisladores se sentavam em silêncio e o premiê ouvia sem expressar reação.

Segundo Alex Chalk, o segundo consultor jurídico mais importante do governo, o efeito cumulativo de uma série de crises tirou da população a crença de que o governo poderia manter os padrões esperados de franqueza. "Lamento que eu compartilhe esse julgamento", afirmou.

Além das polêmicas que o próprio governo produz, Boris é criticado pela população por uma suposta falta de ações para enfrentar a alta do custo de vida, um fenômeno intensificado pela Guerra da Ucrânia, com muitos britânicos tendo de lidar com o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos.


Perguntas e respostas

O que acontece se Boris renunciar?

Há dois cenários possíveis. Se ele ceder à pressão do partido e concordar em deixar o cargo quando um substituto for encontrado, pode ficar como premiê até que o novo nome assuma. Se ele renunciar imediatamente, um interino será nomeado, pois a Constituição determina que é obrigatório ter um primeiro-ministro no cargo o tempo todo. Dominic Raab, o atual vice de Boris, seria a primeira opção.

Como seria o rito da renúncia?

Um carro levaria Boris até o Palácio de Buckingham, onde ele entregaria sua carta de demissão à rainha Elizabeth 2ª. Ela então nomearia o novo premiê, previamente acertado com o partido governista. Isso geralmente acontece após as eleições gerais, mas nos últimos anos Tony Blair, David Cameron e Theresa May se afastaram no meio do mandato. Todos ficaram no cargo até que um sucessor fosse escolhido.

Boris pode convocar eleições agora?

Sim. De acordo com a lei, uma eleição pode ser solicitada pelo premiê a qualquer momento. Contudo, a rainha poderia negar o pedido se o Parlamento ainda for considerado viável ou se houver um nome possível para ocupar o cargo de premiê sem o novo pleito.

Como seria escolhido um novo premiê?

Os candidatos devem ser nomeados pelo Partido Conservador, que então promove uma série de votações para eliminar os concorrentes até que só restem dois. Em seguida, todos os filiados ao partido votam em um dos dois finalistas. O mais votado é eleito premiê.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.