O que é voto de desconfiança que poderia derrubar Boris Johnson no Reino Unido

Primeiro-ministro britânico é alvo de fritura desde a revelação do 'partygate'

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São Paulo

Próximo de completar três anos como primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson enfrentou uma votação nesta segunda-feira (6) que poderia tirá-lo do cargo após parlamentares de sua própria legenda, o Partido Conservador, indicarem que não confiam mais no político para liderar o país.

Boris foi alvo nesta segunda do chamado voto de desconfiança, após meses de fritura com a revelação de que o líder violou as regras de distanciamento estabelecidas por sua própria gestão para combater a Covid-19 e participou de uma série de festas em Downing Street, a sede do governo do Reino Unido. Os episódios ficaram conhecidos como "partygate" e foram investigados pela polícia de Londres e pelo próprio governo. Boris e sua esposa chegaram a ser multados.

Entenda o que é o voto de desconfiança e o que isso significa para Boris Johnson.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que enfrenta um voto de desconfiança nesta segunda - Hannah McKay/Reuters

Como o processo é aberto?
Para que o primeiro-ministro perca o cargo, pelo menos 15% dos parlamentares do Partido Conservador devem se manifestar por carta a um órgão conhecido como Comitê 1922 dizendo que não apoiam mais o político. Como a legenda tem hoje 359 parlamentares, eram necessárias ao menos 54 cartas do tipo ao grupo, número que foi atingido na noite de domingo. Nesta segunda, os parlamentares conservadores votaram de forma secreta para decidir se Boris se manteria ou não no cargo. Para retirá-lo do poder, seria preciso de mais da metade dos votos dos conservadores, o que hoje representa 180 cédulas. Boris obteve 211 votos a seu favor.

Por que essa decisão cabe aos parlamentares conservadores?
No sistema parlamentarista britânico, governa o país quem tem a maior parte dos assentos no Parlamento. Hoje, das 650 cadeiras da Câmara dos Comuns, 359 estão ocupadas pelo Partido Conservador. O restante é dividido entre membros do Partido Trabalhista (199 assentos) e Partido Nacional Escocês (45), além de outras legendas consideradas nanicas. Como os conservadores controlam o Parlamento, cabe a eles a escolha do primeiro-ministro até que uma futura eleição eventualmente mude a correlação de forças no Legislativo.

O que acontece agora que Boris conseguiu maioria a seu favor?
Ele continua como primeiro-ministro e está livre de enfrentar uma nova moção de desconfiança por um ano pelas regras atuais —que podem ser revistas pelo partido. Isso não significa, porém, que seus problemas acabaram, e há precedentes ruins para Boris na história recente do país. Sua antecessora, Theresa May, é um exemplo. Ela enfrentou e venceu um voto de desconfiança em dezembro de 2018, mas, pressionada pelas dificuldades de levar a cabo a retirada do Reino Unido da União Europeia, renunciou ao cargo seis meses depois, o que levou Boris ao poder.

Em caso de eventual renúncia, como é escolhido um novo premiê?
Se mais da metade dos conservadores votassem pela saída, os parlamentares do partido deveriam eleger um novo premiê em prazo a ser estabelecido pelo Comitê 1922.

Para se candidatar, os pleiteantes ao cargo devem ter o apoio de pelo menos oito parlamentares conservadores. Se houver mais de dois candidatos, uma série de rodadas de votação é feita para eliminar os nomes com menos votos até que restem apenas dois concorrentes. Quando esse número é atingido, britânicos filiados ao Partido Conservador em todo o país, e não apenas os parlamentares, votam pelo vencedor. A legenda tem cerca de 200 mil filiados.

Não há um prazo fixo para essa transição. Theresa May assumiu o cargo de primeira-ministra em 2016 menos de três semanas após a renúncia do conservador David Cameron. Já Boris Johnson demorou dois meses para ser nomeado premiê após May anunciar que deixaria o cargo.

O que pressiona Boris Johnson?
A pressão começou a crescer desde que a imprensa britânica revelou no fim do ano passado que o premiê havia participado de festas na sede do governo do país no período de maiores restrições contra a Covid. Ele pediu desculpas ao Parlamento uma série de vezes, mas perdeu apoio de correligionários ao longo da crise.

Com a eclosão da Guerra na Ucrânia, no entanto, o escândalo acabou ofuscado e Boris ganhou sobrevida. Mas relatório divulgado na última semana voltou a jogá-lo no olho do furacão ao apontar que o primeiro-ministro esteve presente em ao menos oito festas, que envolveram mais de 80 pessoas do governo, uma delas na véspera do funeral do príncipe Philip.

A crise teve impacto para o partido, que sofreu perdas nas eleições regionais no começo de maio, e para o próprio Boris, que chegou a ser vaiado na sexta-feira (3), nos eventos do Jubileu de Platina da rainha Elizabeth . Dados mais recentes do instituto de pesquisas YouGov apontam que 27% dos britânicos querem que ele continue no cargo, contra 60% que preferem sua renúncia.


Linha do tempo | Boris Johnson

  • 1964 Nasce em Nova York, onde os pais estudavam, mas com pouco tempo de vida vai viver no Reino Unido; manteve dupla cidadania até 2006, quando renunciou à identidade americana
  • 1983 Cursa estudos clássicos na Universidade de Oxford
  • 1987 Começa a trabalhar como jornalista. Nos anos seguintes, passaria por diversos veículos da imprensa britânica, como Times, Daily Telegraph e Spectator, ocupando posições como correspondente internacional, colunista e editor, inclusive após ser eleito deputado
  • 2001 a 2008 Deputado pelo Partido Conservador
  • 2008 a 2016 Prefeito de Londres, estava no cargo quando a capital sediou as Olimpíadas de 2012; foi reeleito para um segundo mandato e deixou o comando da cidade com 52% de aprovação, contra 29% de desaprovação, segundo o YouGov
  • 2015 Volta a ser eleito deputado pelo Partido Conservador e faz campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia; após deixar a Prefeitura de Londres, é nomeado Secretário do Exterior no governo Theresa May, cargo que ocupa até 2018
  • 2019 Eleito primeiro-ministro após a renúncia de May, convoca novas eleições no fim do ano e garante ampla maioria ao Partido Conservador no Parlamento; com a nova configuração do Legislativo, leva a cabo o brexit após sucessivos adiamentos
  • 2020 e 2021 Resiste a impor medidas restritivas para conter a Covid-19 até ele próprio ser contaminado pela doença, no fim de março de 2020, e internado na UTI; com as flutuações do cenário pandêmico, impõe lockdowns no país ao longo dos meses seguintes
  • nov.2021 Daily Mirror publica as primeiras reportagens acusando Boris de quebrar regras de restrições da pandemia. Outros jornais entram no caso e o premiê passa a ser questionado até no próprio partido. Nos meses seguintes, pede desculpas ao Parlamento, mas nega que irá renunciar
  • 2022 Polícia investiga festas em período de lockdown e multa premiê. Eclosão da Guerra na Ucrânia em fevereiro tira o "partygate" do foco do noticiário, mas conclusão de relatório em maio traz de volta o assunto aos jornais
  • 6.jun.2022 Oposição a Boris dentro do Partido Conservador consegue levar moção de desconfiança ao Plenário, mas primeiro-ministro obtém maioria dos votos e permanece no cargo
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