Descrição de chapéu Rússia

Brasileira morta na Guerra da Ucrânia era modelo e atiradora de elite

Thalita do Valle foi atingida durante bombardeio em Kharkiv; já são três casos de brasileiros mortos no conflito

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Herculano Barreto Filho
São Paulo | UOL

A brasileira Thalita do Valle, 39, que morreu na quinta (30) num bombardeio na cidade ucraniana de Kharkiv, era atriz, modelo, estudante de direito, ativista de causas animais, socorrista e atiradora de elite.

O ataque russo também matou o ex-militar do Exército brasileiro Douglas Búrigo, 40 —ambos atuavam junto às Forças Armadas de Kiev. Segundo relatos de combatentes, ele retornou a um​ bunker para resgatar Thalita, única integrante da tropa que ficou para trás após o primeiro bombardeio. Já são três casos de brasileiros mortos na guerraAndré Hack morreu em um combate na madrugada de 5 de junho.

Os combatentes brasileiros Thalita do Valle e Douglas Búrigo morreram na Ucrânia
Os brasileiros Thalita do Valle e Douglas Búrigo morreram na Ucrânia - Arquivo pessoal

Thalita esteve em guerra contra o Estado Islâmico

Thalita tinha experiência em conflitos. Socorrista e com cursos de tiro no Brasil, participou de uma missão contra o Estado Islâmico no Iraque, no Curdistão iraquiano e no Curdistão sírio há três anos. A experiência estava sendo registrada em um livro em parceria com um escritor, de acordo com a família.

Lá, recebeu treinamento para se tornar atiradora de elite e integrar um grupo conhecido como "peshmerga", expressão usada pelos curdos para se referir aos combatentes de seu Exército. Ela chegou a registrar imagens em vídeo nos locais de conflito na região, onde há menções ao termo curdo.

"A gente está na rota, na estrada, indo para o front", descreveu em vídeo registrado em território iraquiano, em setembro de 2019, enquanto filmava a região no carona de um veículo. Já no local, disse: "Gente, aqui é o front. Para lá é onde ocorre a batalha". Em seguida, apareceu fardada na região.

"Ela recebeu treinamento e fez os cursos necessários para ir para a linha de frente. Mas, ao entrar no Exército curdo, especializou-se em tiros de precisão, com armas longas. A Thalita era do exército feminino e integrava uma linha de frente com atiradoras de elite. Era uma heroína, e a vocação dela era salvar vidas, correndo atrás de missões humanitárias", diz o irmão Théo Rodrigo Vieira.

Segundo ele, a especialidade da irmã era atuar como socorrista. "A função primária é fazer o resgate. Mas também tem a função de dar cobertura para quem está avançando, como atiradora de precisão."

Embora saiba que a irmã precisava usar armas no conflito, Théo a define como uma "progressista genuína e defensora da paz". "Ela pegava em armas apenas porque era um contexto de guerra."

Há ainda uma série de vídeos em que Thalita aparece com uniforme militar na zona de conflito. A combatente estava na Ucrânia havia apenas três semanas, segundo a família.

'Ela só ligava para avisar que estava bem'

Théo diz ter falado com a irmã pouco antes da viagem para a Ucrânia. "Ela falou que estava indo para a Polônia [na fronteira com o território ucraniano] para fazer a função de socorrista, ajudando as pessoas a saírem do país em guerra. Mas logo já foi para a área de conflito." Após informar à família que estava em Kiev, a região foi alvo de bombardeios. Thalita só voltou a falar com os parentes 48 horas depois.

"Quando a gente conversava por telefone, eu queria saber tudo. Mas ela dizia que não podia falar muito, porque as atividades por celular estavam sendo monitoradas por drones russos. Ela ligava só para avisar que estava bem", diz Théo. O último contato, afirma, ocorreu em 27 de junho, há uma semana, quando Thalita tinha acabado de se deslocar para a cidade de Kharviv, onde ocorreu o bombardeio que a matou.

Atriz mirim e modelo na juventude

Natural de Ribeirão Preto (SP), Thalita se mudou com a família na infância para a capital paulista, onde morou até se alistar junto às tropas ucranianas. Em São Paulo, foi protagonista de peças teatrais durante a infância. Aos 18, também passou a trabalhar como modelo fotográfica. Ela atuava ainda em parceria com ONGs para defender os direitos dos animais —integrava um grupo que luta em defesa dos pitbulls.

"A exposição sensacionalista dissemina medo, desinformação e preconceitos, condenando-os à marginalização e penalizando socialmente bons criadores", diz um trecho de um comunicado escrito em conjunto pelos membros do movimento.

Thalita participou de resgates de animais nos últimos anos. Esteve em uma equipe de socorristas após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), que matou 19 pessoas em novembro de 2015. Também esteve em ações de buscas na tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 270 mortos em janeiro de 2019. As ações de resgate foram registradas em fotos no seu perfil profissional no LinkedIn.

Lá, a estudante de direito se identificava como integrante da comissão dos Direitos dos Imigrantes e Refugiados da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo). "Ajuda humanitária em áreas de conflito pelo mundo. Atuação em áreas remotas e de escombros", descreve em seu perfil.

Ataques com morteiros e disparos de drone

Procurado pelo UOL, o Itamaraty não se manifestou sobre o relato das mortes de Douglas e Thalita até a publicação desta reportagem —o órgão levou quatro dias para confirmar a morte de André.

Já a família de Douglas disse ter sido procurada pela embaixada brasileira na Ucrânia. A informação foi corroborada pelo tenente Sandro Carvalho da Silva, brasileiro que comanda o pelotão.

Ele disse que estava no local com Douglas, Thalita e outro combatente quando começou uma série de ataques com morteiros e disparos de drone. "Em um desses intervalos [dos ataques], saímos do bunker e corremos. Mas, por causa do fogo, a Thalita não saiu. O Douglas voltou para ajudar e não conseguiu sair."

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