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Cidades na Itália disputam título de capital das pessoas centenárias

Perdasdefogu e Seulo, na ilha de Sardenha, buscam atrair turistas avessos à mortalidade

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Jason Horowitz
PERDASDEFOGU (Itália) | The New York Times

Uma placa numa estrada cheia de curvas nas montanhas da Sardenha, de frente para um playground abandonado, dá as boas-vindas a quem chega a Perdasdefogu, cidade que ganhou o "recorde mundial de longevidade familiar".

Retratos em preto e branco de habitantes locais enrugados que já chegaram aos 100 anos têm como pano de fundo uma rua pacata perto da praça da Longevidade. Cartazes prometem que a cidade vai renascer graças ao DNA e à longevidade.

Isolada e antes conhecida principalmente por sua proximidade com uma base militar que por décadas foi plataforma de lançamento de mísseis de longo alcance, Perdasdefogu está tentando posicionar-se como capital mundial da longevidade. Atingida, como tantas outras cidades italianas, pela perda de empregos, o baixo índice de natalidade e o êxodo de jovens, se aproveita seu reconhecimento pelo Guinness como município com a maior concentração de centenários (no momento, sete, de um total de 1.780 habitantes) para tentar um rejuvenescimento econômico.

Placa em Perdasdefogu, na ilha da Sardenha, fala do recorde de longevidade da família Melis - Gianni Cipriano/The New York Times

A esperança é que estrangeiros avessos à mortalidade e loucos para descobrir os segredos da perpetuação prolongada vão alimentar um boom turístico —ou que pesquisadores interessados invistam em instalações de ponta ou até melhorem o sinal telefônico fraco, instalando cabos de fibra ótica.

Mas há uma intrusa tentando entrar de penetra. Seulo, cidadezinha ainda menor e mais no coração da ilha, ameaça esses planos grandiosos.

"Nem vale a pena falar desse pessoal", diz o engenheiro e político local Salvatore Mura, 63, responsável pela candidatura de Perdasdefogu ao Guinness. Ele argumenta que, como Seulo tem menos de mil habitantes, não atende aos requisitos para figurar no ranking. "É uma questão de matemática."

Ao lado de Giacomo Mameli –escritor ágil e alerta de apenas 81 anos—, Mura propõe todo tipo de teoria para explicar a longevidade dos perdasdefoguenses: as muitas hortas, com abobrinhas colossais; o pão local de batata, que teria sido estudado por geneticistas; auxílios digestivos naturais, incluindo um queijo que balança como gelatina. "É um antiácido natural", diz Mameli.

Os dois apontam para os retratos dos centenários ao lado da floricultura (que deve suas maiores vendas a enterros) e de uma pousada. Então entram no bar da família Melis, que em 2014 obteve o recorde de maior idade conjunta, com nove irmãos vivos que somavam mais de 800 anos.

Mura diz que o milagre econômico de "Perdas", já começou: com uma marca de vinho inspirada pelos habitantes centenários e uma nova firma que promove mel adoçado pelo ar "respirado pelos idosos".

Consolata Melis, 105, segura o certificado do Guiness e posa para foto com seus três irmãos em sua casa em Perdasdefogu, na Itália - Ettore Loi - 21.ago.12/AFP

Ele e Mameli cumprimentam anciões na praça e nos terraços e tentam convencê-los a decorar falas sobre o poder do minestrone local, do ar das montanhas, do grão-de-bico e da simplicidade do estilo de vida em Perdasdefogu —mas os centenários mostram uma tendência a desviar-se do script.

Mura incentivou Bonino Lai, 102, a falar dos superalimentos locais. Em vez disso, Lai recordou que, depois de lançamentos de mísseis ele e seus amigos ficavam vasculhando o local em busca de componentes que pudessem ter caído, além de cogumelos. "Eram muito bons. Todo o mundo colhia os cogumelos."

Outros afirmam que a variedade é o tempero da vida —ou seu conservante. "Num dia eu faço isso", exemplifica Annunziata Stori, que completa 100 anos em agosto, enrolando semolina para formar grãozinhos de fregola. "No dia seguinte faço espaguete. No outro, é lasanha." Adolfo Melis, 99, da família de irmãos recordistas, guarda um terço no bolso do casaco e diz que o importante é não se agitar com o que acontece.

O morador mais velho da cidade, Antonio Brundu, tem 104 anos, e seu pai viveu até os 103. "Se você não tiver um trabalho estável, que vida vai poder ter?", pergunta, olhando com desconfiança para a pilha de jornais que noticiaram a tentativa de Seulo de contestar o título de Perdasdefogu.

Uma coisa sobre a qual todos estavam de acordo era o orgulho sentido com o novo recorde local. "Habitante por habitante, somos a número 1", diz Antonio Lai, 100, o "Pistola". Ele conta orgulhoso que renovou a carteira de motorista há dois anos apenas —"Deve ter sido uma versão inglesa, porque ele andou no lado errado da rua", comenta seu neto Giampiero.

A fama proporcionada pelo Guinness veio acompanhada de benefícios dos quais Lai não pretende abrir mão. "Uma mulher de 84 anos, gorda, veio e me tascou um beijo", conta.

Mas os poucos jovens remanescentes em Perdasdefogu não estão igualmente entusiasmados. "Tudo aqui é feito para os idosos", diz Alessio Vittorio Lai, 16, tataraneto do "Pistola". Seu amigo Gabriele Pastrelo, 16, concorda. "Não acontece nada por aqui."

Seulo tem um cartaz semelhante de boas-vindas, proclamando-a "A Cidade dos Centenários", e também decorou sua rua na encosta de um morro com fotos em preto e branco de habitantes que atingiram o marco dos 100 anos. A loja de turismo traz exemplares de um livro de Dan Buettner, que está ajudando a colocar Seulo e outros pontos onde pessoas têm vida longa no mapa.

Moradores de Seulo reagem com escárnio à pretensão de Perdasdefogu de ocupar o trono geriátrico. "Simplesmente não é assim. Eles erraram os cálculas", diz Maria Murgia, 89. "Somos nós", grita Giovanni Deiana, 79, sentado num banco com seus amigos num playground vazio. "Nós!"

Como Perdas e sua base de mísseis, Seulo costumava ser conhecida por outra coisa. Um mural na parede da Câmara mostra um jovem barbado dos anos 1930 usando botas de pastor e segurando um diploma de medicina, ilustrando o recorde anterior: mais alta densidade de universitários formados no país. "Mas eles foram embora", lamenta o prefeito, Enrico Murgia, 55.

Segundo ele, para quem a distinção "é um veículo de marketing", os cinco centenários vivos da cidade —e dois outros prestes a completar 100— conferem a Seulo, de 790 habitantes, densidade muito maior do que Perdasdefogu (antes da publicação deste texto morreu Pietrina Murgia, 100, reduzindo o número para quatro).

Murgia leva a reportagem à casa de Anna Mulas, 100. Perguntada sobre o segredo de sua resiliência surpreendente, falou de ter carregado sacos de cimento para ajudar a construir o imóvel —mas o que ela fez principalmente foi criticar a filha por não oferecer doces suficientes às visitas.

O prefeito depois anda até o Museu da Longevidade (a ser inaugurado), pintado com murais de idosos, e prometeu "uma atividade turística experiencial". Com o sol se pondo, aprecia a vista e lamenta que anos de gripe suína tenham levado ao abate de milhares de porcos, custando empregos e obrigando ao menos 200 habitantes a abandonar a cidade. "Seulo teria mil habitantes", diz. "Poderíamos ter acabado com a empáfia do pessoal de Perdasdefogu."

Tradução de Clara Allain

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