Descrição de chapéu União Europeia

Premiê da Itália vê derrota em vitória, e instabilidade se aprofunda

Mais partidos boicotam votação de confiança mesmo após apelo de Draghi, que deve reapresentar renúncia

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Milão | Reuters

A crise política na Itália se aprofundou nesta quarta-feira (20), após três grandes partidos da coalizão parlamentar que apoia o primeiro-ministro Mario Draghi boicotarem um voto de confiança ao governo solicitado pelo premiê ao Senado.

Seis dias após Draghi ter pedido demissão mas recuado ao aceitar a indicação do presidente Sergio Mattarella de tentar recompor seu apoio no Parlamento, a realização de eleições antecipadas parece ser o cenário mais provável.

Pela manhã, em discurso no Senado, o premiê explicou seu pedido do dia 14, centrado no fato de o partido populista Movimento 5 Estrelas (M5S), de sua base de apoio, ter se ausentado da votação de um decreto que tinha também validade de voto de confiança, alegando discordância sobre alguns pontos do texto.

De pé, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, discursa ao Parlamento italiano, em Roma
De pé, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, discursa ao Parlamento italiano, em Roma - Andreas Solaro/AFP

Segundo Draghi, a decisão do M5S, liderada pelo ex-premiê Giuseppe Conte, foi um gesto político claro, que não poderia ter sido "ignorado, contido nem minimizado". Em uma fala enérgica, ele completou: "A única estrada, se quisermos continuar juntos, é reconstruir do zero esse pacto, com coragem, altruísmo e credibilidade".

O premiê ainda abordou preocupações do M5S, citando a importância de combater a crescente desigualdade social e prometendo avanços na introdução de um salário mínimo. Também indicou a intenção de atuar em prioridades da direitista Liga, como corte de impostos e maior autonomia às regiões.

Desde o início do governo, em fevereiro de 2021, Draghi repetia que, já que ele não tinha sido eleito nas urnas, sua presença como chefe do Executivo fazia sentido somente se estivesse à frente de uma aliança de união nacional —à qual, ao menos no papel, estiveram lado a lado todas as forças políticas, da esquerda à direita, com exceção da ultradireita do Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni.

A resposta do Parlamento ao discurso do premiê veio em questão de horas, no meio da tarde. A Liga, de Matteo Salvini, e o Força, Itália, de Silvio Berlusconi, que compõem a ala mais conservadora da aliança (à direita e centro-direita, respectivamente), anunciaram que só dariam o voto de confiança se o novo pacto significasse uma reforma no governo que excluísse o M5S, que ocupa três ministérios.

Draghi, após um breve discurso de réplica, confirmou o pedido de voto de confiança, ignorando a imposição. Além de Liga e Força, Itália, o M5S, como já era esperado, não votou. Mesmo assim, numericamente a confiança foi obtida, com 95 votos a favor, 38 contrários e 59 abstenções (além de ausentes). Politicamente, no entanto, significou o fim tanto do governo de união nacional quanto da possibilidade de uma recomposição.

Nesta quinta, a formalidade do voto de confiança continua pela manhã na Câmara, mas é esperado que o primeiro-ministro, após assistir aos debates, reapresente seu pedido de demissão ao presidente Mattarella. Caso se confirme esse cenário mais provável, diante do desacordo entre os partidos da coalizão, o Parlamento deve ser dissolvido e novas eleições convocadas meses antes do previsto —nos bastidores, comenta-se a possibilidade de os italianos irem às urnas no início de outubro.

Segundo as pesquisas de intenção de voto, o partido mais bem colocado hoje é o de Meloni, nacionalista, conservador e eurocético. Em seguida, aparecem o Partido Democrático, de centro-esquerda, a Liga e o M5S. Este, que foi o mais votado há quatro anos, viu seu apoio derreter em meio a uma crise de identidade e disputas internas.

Analistas apontam as motivações eleitorais como a essência da atual trepidação política. O possível desfecho se dá após dias de apelos para a continuidade de Draghi à frente do Executivo, emitidos por prefeitos, empresários, sociedade civil e líderes internacionais, como o premiê espanhol, Pedro Sánchez.

O ex-chefe do Banco Central Europeu teve como principal missão no cargo levar estabilidade ao cenário político fragmentado que marcou as últimas décadas na Itália. Somente na atual legislatura, que tomou posse em março de 2018, esta é a terceira formação de governo, após duas lideradas por Conte.

Draghi, reconhecido internacionalmente por ter salvado o euro da crise financeira de 2008, assumiu como um nome forte capaz de garantir as reformas necessárias para que o país pudesse acessar os recursos da União Europeia de recuperação econômica da pandemia. Segundo o próprio Draghi disse em seu discurso, realizadas as reformas que atingiram o sistema Judiciário e tributário, entre outras, os objetivos foram, até o momento, alcançados —e cerca de € 46 bilhões, recebidos.

Outro marco de sua gestão foi o avanço da vacinação contra o Covid-19, que engatinhava quando o premiê assumiu.

Sua saída, porém, acrescenta ainda mais instabilidade não só para a Itália —cujo Orçamento para 2023 deverá ser aprovado no último trimestre—, mas também para a Europa. Draghi, ao lado dos líderes de França, Alemanha e Reino Unido, se posicionou como um dos protagonistas da aliança ocidental formada contra a invasão da Rússia na Ucrânia. Diante de sua saída, da renúncia de Boris Johnson, do aumento do custo de vida e de uma iminente crise energética, a era das incertezas se intensifica dentro e fora das fronteiras italianas.

Entenda a crise italiana

Por que Draghi continua no cargo mesmo após ter entregue a renúncia? O premiê entrou em rota de colisão com o M5S, partido que é parte de sua aliança e que, depois de pressionar por mudanças na gestão, boicotou uma votação que tinha peso de moção de confiança ao governo. Draghi apresentou a renúncia, mas o presidente Sergio Mattarella a rejeitou, orientando que ele buscasse recompor o apoio no Parlamento — ainda que ele continue com maioria, nesta quinta uma votação no Senado terminou com novas defecções na coalizão governista.

Quais são os caminhos possíveis agora? Como ele insiste em ter uma aliança de união nacional, a chance de permanência de Draghi é pequena, e ele deve reapresentar o pedido de demissão. O mais provável é que Mattarella dissolva o Parlamento e antecipe as eleições, para perto do último trimestre. A nomeação de um premiê para um governo-tampão também seria possível.

Quem seriam os favoritos numa possível eleição antecipada? Pesquisas mostram o partido Irmãos da Itália, de ultradireita, na liderança, com 22,5% das intenções de voto. Ele é seguido pelo PD, de centro-esquerda, a direitista Liga e o populista M5S, que perdeu espaço junto ao eleitorado depois de ser o mais votado há quatro anos.

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