Deputada republicana que investiga Trump perde primária e está fora de eleição nos EUA

Filiação de democratas a partido rival não ajuda Liz Cheney; deputada fala em se lançar à Presidência em 2024

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Washington

Em comício em maio deste ano no estado de Wyoming, região oeste dos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump recomendou a seus apoiadores: "Vocês vão dizer a Liz Cheney, ‘Liz, você está demitida, saia daqui’", ecoando o bordão que o fez ficar famoso como apresentador do programa "O Aprendiz".

Os eleitores obedeceram. Na noite desta terça (16), Cheney, deputada republicana por Wyoming, perdeu a primária do partido que decidiu quem se candidatará à eleição legislativa de novembro, em uma das prévias mais peculiares das midterms (eleições de meio de mandato).

O pleito chamou a atenção pelo esforço que Trump e seus apoiadores dedicaram para remover uma das deputadas mais conservadoras da Câmara, que foi condizente com a agenda do ex-presidente em 93% dos votos em projetos discutidos na Casa.

Liz Cheney, deputada republicana que investiga Trump e filha de ex-vice-presidente dos EUA - Evelyn Hockstein - 21.jul.2022/Reuters

Eleita pela primeira vez na noite em que Trump foi escolhido presidente dos EUA, em novembro de 2016, a parlamentar teve sua vida política virada de cabeça para baixo desde que o político passou a questionar, com base em mentiras, o resultado do pleito que perdeu para Biden em 2020.

Ainda no governo republicano, Cheney foi reeleita duas vezes (em 2018 e 2020) e viu seu nome ser cotado para a presidência da Câmara e mesmo como eventual candidata à Casa Branca no futuro. No final da gestão Trump, porém, ela foi um dos dez nomes do partido na Câmara a votar a favor do impeachment do então mandatário dias após a invasão do Capitólio —ele acabou absolvido no Senado. Depois, assumiu a vice-presidência da comissão que investiga o mais grave ataque à democracia na história recente do país.

Com a movimentação, ela viu seu futuro político escorrer pelo ralo quando o próprio ex-presidente entrou na campanha para evitar sua reeleição —enterrada nesta terça. "A narrativa falsa que Liz Cheney está promovendo tem sido o pretexto da esquerda radical para a guerra total contra a liberdade de expressão: a perseguição aos presos políticos de 6 de Janeiro", disse Trump no discurso de maio, em Casper.

Desde o início da investigação contra o ex-presidente, Cheney anda com escolta, após receber uma série de ameaças de morte.

Trump apoiou a vencedora do pleito, Harriet Hageman, que desde o início das pesquisas aparecia com ampla vantagem. Curioso é que Hageman era contumaz crítica do político nas primárias de 2016, quando apoiou o senador Ted Cruz como candidato à Casa Branca. Na ocasião, também endossou Cheney para a Câmara e a chamou de amiga em discursos.

O movimento mais inusitado nessas prévias, no entanto, foi o volume de democratas —incluindo um ex-governador, Mike Sullivan— que se cadastraram no Partido Republicano para aparentemente votar em Cheney, confiando em suas críticas a Trump. De janeiro a agosto, o número de filiados ao Partido Democrata caiu em 6.000 no estado, enquanto o de republicanos cresceu 11.495.

A cifra pode parecer pequena, mas tem alguma expressão no Wyoming, estado menos populoso dos EUA, com cerca de 579 mil habitantes espalhados por uma área maior que a do Reino Unido (que tem 67 milhões de habitantes).

Chama a atenção também que democratas tenham mudado de partido para votar em uma candidata com posições tão diametralmente opostas a bandeiras da legenda, como no caso do direito ao aborto. "Sempre fui fortemente pró-vida", escreveu ela no Twitter quando a Suprema Corte mudou de entendimento para dizer que a interrupção da gravidez não era um direito federal garantido pela Constituição.

"Não votei nela pelas políticas que defende; é literalmente um voto para salvar a República", disse Pat Lauber, que se filiou ao Partido Republicano após 40 anos como democrata, ao canal americano CNN. "Eu a vejo como uma pessoa de coragem e integridade."

Wyoming é talvez o estado mais republicano dos EUA, onde Trump teve a maior vantagem sobre Biden em 2020, com 69,9% dos votos —desde 1976 o estado não elege democratas para cargos federais, ainda que tenha tido um governador do partido no começo dos anos 2000. A população do maior produtor de carvão do país e um dos principais produtores de gás natural e petróleo tem especial desconfiança em relação às pautas ambientais da legenda de Biden.

A candidata derrotada nesta terça carrega um sobrenome forte. Seu pai, Dick Cheney, foi secretário de Defesa de George H. W. Bush (pai) e vice-presidente de George W. Bush (filho), descrito como o homem mais poderoso no cargo de que se tem notícia —vivido no cinema no premiado "Vice", de 2018, por Christian Bale.

Dick entrou na jogada para defender a filha da campanha liderada pelo ex-presidente. Em anúncio veiculado na TV, o ex-vice chamou Trump de covarde.

"Nos 246 anos de história da nossa nação, nunca houve um indivíduo que fosse uma ameaça maior à nossa República que Donald Trump. Ele tentou roubar a última eleição usando mentiras e violência para se manter no poder depois que os eleitores o rejeitaram", disse. "Um homem de verdade não mentiria para seus apoiadores."

Não foi o suficiente para salvar a filha da grande influência que Trump ainda detém sobre parcela do partido. "Nenhum cargo é mais importante do que os princípios que todos juramos proteger. A primária acabou, mas agora é que o verdadeiro trabalho começa", disse Cheney em discurso na noite desta terça reconhecendo a derrota.

Nesta quarta, ela repetiu que fará tudo que estiver ao seu alcance para evitar que Trump volte à Presidência —e que cogita até desafiá-lo nas primárias para 2024. "Ele continua a representar uma ameaça e um risco muito grave, e acho que derrotá-lo vai exigir uma frente ampla e unida de republicanos, democratas e independentes. É disso que pretendo fazer parte."

Dos dez deputados republicanos que votaram pelo impeachment do republicano, oito estarão fora da eleição de novembro: quatro se aposentaram e quatro perderam as primárias, incluindo Cheney. Nas cédulas de novembro devem estar apenas David Valadão, da Califórnia, e Dan Newhouse, de Washington.

A deputada Liz Cheney fala a apoiadores em discurso em que reconheceu derrota nas primárias republicanas do Wyoming, em Jackson - Patrick T. Fallon - 16.ago.22/AFP
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