Ex-republicanos e democratas tentam formar 'nova 3ª via' nos EUA e furar polarização

Partido Forward se propõe a atrair eleitores que não se identificam com nenhuma das duas grandes legendas

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Washington

Contra a polarização extrema às vésperas de uma eleição importante, nomes conhecidos do campo político se juntam para formar uma terceira via que não quer ser nem de direita nem de esquerda, mas para a frente. Nos Estados Unidos.

É o que propõe o Forward (adiante, para a frente, em português), novo partido que almeja romper o bipartidarismo e disputar espaço com democratas e republicanos, monopolizadores da cena partidária do país. "Rejeitamos a extrema esquerda e a extrema direita, buscamos um campo de consenso", diz a plataforma da legenda, que se vende no centro no espectro ideológico.

O que chama a atenção no anúncio é que a sigla chega à arena com nomes mais conhecidos, saídos das estruturas dos grandes partidos. São eles os copresidentes Christine Todd Whitman, ex-republicana que governou Nova Jersey, e Andrew Yang, ex-democrata que esteve nas prévias para a Presidência em 2020 que por fim lançaram Joe Biden.

Andrew Yang, ex-democrata e um dos líderes do Forward, partido de centro que busca romper o bipartidarismo nos EUA - Michael M. Santiago - 24.mai.2021/Getty Images/AFP

Com eles estão dezenas de ex-filiados, parte deles com experiência no governo —uma das forças políticas que formam o novo partido é o Movimento de Renovação dos EUA, que reúne ex-membros de administrações republicanas.

O desafio maior é que, entre boas intenções e plataformas à esquerda e à direita, a história mostra a dificuldade em furar o bipartidarismo.

Há 169 anos os EUA não elegem um presidente que não seja democrata ou republicano; o último foi Millard Fillmore (1850-1853), do Whig, sigla que viria a ser absorvida pelo Partido Republicano. Hoje, há dezenas de partidos menores, todos nanicos, como o Verde, o da Constituição e o Libertário, o de maior expressão hoje —tinha 1 assento dos 435 da Câmara até o começo deste ano e recebeu 1,8 milhão de votos na última eleição presidencial.

Na profusão de legendas, algumas chegaram a exercer papel mais relevante nos pleitos principais. Em 2000, Ralph Nader, do Partido Verde, recebeu cerca de 2,9 milhões de votos e foi acusado por democratas de ter subtraído apoio de Al Gore, particularmente na Flórida —onde Nader teve 97.488 votos. A derrota de Gore no estado para George W. Bush, por apenas 537 votos, custou-lhe a Presidência após uma batalha renhida em tribunais.

O Forward, que quer mudar esse cenário, será lançado oficialmente no fim de setembro, com eventos em dezenas de cidades para divulgar sua plataforma. A aposta é conquistar os americanos que não se veem representados nem por democratas nem por republicanos. Pesquisa do instituto Gallup do ano passado apontou que 62% dos entrevistados disseram ver como necessária uma terceira legenda forte no país.

Mas o sistema eleitoral do país, conhecido como "winner takes all" (o vencedor leva tudo), prejudica a ascensão de um novo partido, avalia Thad Kousser, professor de ciência política na Universidade da Califórnia, em San Diego.

No Brasil, o sistema de quociente eleitoral distribui assentos na Câmara dos Deputados proporcionalmente, levando em conta a quantidade de votos de cada partido num estado. No sistema distrital dos EUA, não importa quantos votos foram para os não eleitos para representar um distrito: é escolhido apenas o mais votado.

"Se você vota em um candidato com pouca chance de ganhar, desperdiça seu voto. Para evitar isso, acaba decidindo entre os dois com mais chance, em geral o que rejeita menos", afirma Kousser. "Isso desmotiva eleitores, e um candidato que poderia ter 5% dos votos acaba com 1% ou 2%, que no fim não adiantam de nada."

Não à toa, a principal bandeira do novo partido é uma reforma eleitoral. A legenda também defende renda básica universal e governo baseado em evidências, entre o pouco do que foi divulgado até aqui. No entanto é possível mapear algo da plataforma a partir de discursos e artigos que têm sido publicados nas últimas semanas.

"Quanto a armas, por exemplo, a maioria dos americanos não concorda com os apelos da extrema esquerda para confiscar todas as armas e revogar a Segunda Emenda, mas também está preocupada com a insistência da extrema direita em eliminar as leis sobre armas", escreveram os fundadores no jornal The Washington Post, no fim de julho.

"Sobre as mudanças climáticas, a maioria dos americanos não concorda com os apelos da extrema esquerda para derrubar completamente nossa economia e modo de vida, mas também rejeita a negação da extrema direita de que haja um problema. Sobre o aborto, a maioria dos americanos não concorda com as visões extremas da extrema esquerda sobre abortos tardios, mas também está alarmada com a busca da extrema direita de tornar a escolha de uma mulher uma ofensa criminal."

Há certa dúvida entre observadores políticos do país, no entanto, sobre a viabilidade de um partido que se propõe a fugir da forte polarização americana.

"Os partidos de terceira via mais bem-sucedidos na história dos EUA foram justamente aqueles que galvanizaram uma fatia estreita da sociedade com um conjunto específico de problemas", escreveu o colunista do New York Times Jamelle Bouie. "Aqueles que polarizaram ainda mais o eleitorado conseguiram mudar o quadro político e forçaram os partidos estabelecidos a reconhecer sua influência."

Foi o caso, por exemplo, do ultradireitista AIP (Partido Americano Independente), que lançou em 1968 à Presidência o governador do Alabama George Wallace com uma plataforma contra os direitos civis de negros e a favor da segregação racial. Ele recebeu quase 10 milhões de votos e foi o mais votado em cinco estados do sul: Alabama, Arkansas, Geórgia, Louisiana e Mississippi.


A terceira via nos EUA

John Adams Segundo presidente dos EUA (1797-1801), foi o primeiro mandatário filiado a um partido político, o Federalista; seu antecessor, George Washington, não era ligado a nenhuma legenda

Democratas-republicanos e Whigs Até metade do século 19, antes que a política americana se dividisse essencialmente entre Democratas e Republicanos, os Whigs e os Democratas-republicanos fizeram quatro presidentes cada um

George Wallace Ex-governador do Alabama saído do Partido Democrata, recebeu 10 milhões de votos em 1968, quando se candidatou à presidência pelo AIP, com uma plataforma a favor da segregação racial

Ralph Nader Candidato pelo Partido Verde em 2000, recebeu 2,9 milhões de votos; sua candidatura foi tida pelos democratas como o motivo da derrota de Al Gore para George W. Bush

Libertários Maior partido de terceira via hoje, teve seu melhor desempenho recente na eleição presidencial de 2016, quando Gary Johnson obteve 4,5 milhões de votos, 3,3% do total

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