Condado nos EUA onde negros foram massacrados no passado prospera a partir da diversidade

Cenário atual de Forsyth é mais equilibrado, mas carrega raízes do racismo do século 20 contra afroamericanos

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The New York Times

Em outubro de 1912, o corpo violentado e brutalizado de Mae Crow, uma jovem branca de 18 anos, foi sepultado ao lado da Igreja Batista de Pleasant Grove. Logo em seguida, os homens brancos do condado de Forsyth saíram em ataque enfurecido e expulsaram todos os 1.098 cidadãos negros da região, cerca de 10% da população.

Eles já tinham arrastado o negro Rob Edwards, 24, de uma cela da cadeia na praça principal de Cumming, o espancado com pés-de-cabra, crivado seu corpo de balas e o pendurado da verga de um poste telefônico. Dois adolescentes negros, Ernest Knox, 16, e Oscar Daniel, 18, seriam enforcados depois de passar por julgamentos espúrios.

Mas os cidadãos de Forsyth, condado ao norte de Atlanta, ainda fariam mais. Por boa parte do século 20 eles defenderam a divisa de Forsyth contra o avanço da cidade situada ao sul, usando violência, intimidação e deixando claro com ameaças que esse condado na Grande Atlanta deveria continuar reservado exclusivamente para brancos.

Distrito comercial de Cumming, no condado de Forsyth, no estado americano da Geórgia
Distrito comercial de Cumming, no condado de Forsyth, no estado americano da Geórgia - Audra Melton - 18.mai.22/The New York Times

As pessoas que expulsaram os habitantes negros de Forsyth de suas casas e de seus sítios não deram nome a esse ódio –ainda não existiam teorias sobre a "grande substituição" ou o "genocídio branco". Mas a ideia de que outras raças estariam conspirando para "tomar o lugar" dos habitantes por direito do condado tomou forma brutal mais de um século atrás, disse Patrick Phillips, cujo livro de 2016 "Blood at the Root" (sangue na raiz) relata a história da limpeza racial do condado no qual ele cresceu, além de sua própria conscientização do fato de que sua infância foi entre brancos.

Segundo Phillips, um pequeno grupo de agricultores negros estava começando a prosperar, a comprar terras e a se sair melhor que alguns de seus vizinhos brancos. Eles, no entanto, tiveram que partir.

Se os autores dos massacres de Buffalo, Nova York, Pittsburgh, El Paso, Texas e Christchurch, na Nova Zelândia, mostraram como ideias desse tipo podem ser letais nas mãos de um único atirador bem armado, o condado de Forsyth em 1912 mostrou o que podia ser realizado por uma operação de terror mais bem organizada.

Um século mais tarde, porém, o caso do condado de Forsyth também refuta os supremacistas brancos para os quais, nas palavras de Payton Gendron, acusado pela chacina em Buffalo, "diversidade não significa força". O século de exclusividade branca no condado foi um século de estagnação e isolamento. O condado só passou a crescer quando o avanço da Grande Atlanta superou as defesas de Forsyth, no final dos anos 1990 e no início da década de 2000.

"O que aconteceu impôs um estigma ao condado por muitos anos, e para algumas pessoas isso ainda está presente", comentou Jason May, 48, proprietário branco de uma imobiliária situada ao lado da praça de Cumming.

E o condado agora está em franco crescimento. Sua população já passa de 260 mil habitantes, contra os 45 mil que tinha quando os vestígios da Forsyth exclusivamente branca começaram a desaparecer. A população negra, que em 2000 era de 2,2% do total, ainda não passa de 4,4%; a título de comparação, Alphareta, no vizinho condado de Fulton, tem 12% de negros entre seus habitantes.

Mas outros grupos demográficos cresceram substancialmente em Forsyth, incluindo imigrantes. Asiáticos, especialmente os de origem indiana, formam 15,5% da população, e hispânicos, 9,7%. A renda familiar média anual está em US$ 112.834 (R$ 556,5 mil) e acaba de superar a do condado de Calvert, em Maryland, para tornar-se a 13ª mais alta do país.

"Sinto muito, mas para mim a diversidade nunca pode ser uma coisa ruim", comentou a empresária branca Barbra Curtiss, 71, cuja imobiliária situada ao lado da praça de Cumming, no condado de Forsyth, tem uma faixa dando as boas-vindas à sua corretora mais recente, Maria Zaragosa, e oferecendo serviços em "espanglês". "A diversidade é como a morte ou os impostos. Não há como evitar. Por mais que haja discurso de ódio, por mais chacinas que possam acontecer, a diversidade não vai parar."

Curtiss se radicou no condado de Forsyth em 1984. Ela já sabia de seu status exclusivamente branco desde quando vivia em Marietta, subúrbio de Atlanta, e seu então marido –"racista", segundo ela— queria mudar-se para um condado apenas de brancos.

Barbra Curtiss, à direita, corretora de imóveis, com sua mais nova agente, Maria Zaragoza, do lado de fora de seu escritório em Cumming, no estado americano da Geórgia
Barbra Curtiss, à direita, corretora de imóveis, com sua mais nova agente, Maria Zaragoza, do lado de fora de seu escritório em Cumming, no estado americano da Geórgia - Audra Melton - 18.mai.22 /The New York Times

Três anos mais tarde, em 1987, um pequeno grupo de ativistas dos direitos sociais, locais e de Atlanta, encabeçado por Hosea Williams, foi de ônibus de Atlanta ao condado de Forsyth para marcar os 75 anos da expulsão dos negros. Eles foram recebidos com bandeiras dos confederados e cartazes que diziam: "A pureza racial é a segurança de Forsyth" e "Forsyth continua branco". E quando tentaram fazer uma marcha até Cumming, foram apedrejados e atacados com garrafas e tijolos até recuarem para seus ônibus e voltarem a Atlanta.

Algumas semanas mais tarde os manifestantes retornaram em número muito maior, dessa vez incluindo Jesse Jackson, Coretta Scott King, Andrew Young e Oprah Winfrey –para citar apenas alguns nomes famosos. Eles estavam cercados de atenção da mídia nacional, com helicópteros sobrevoando e uma falange de integrantes da Guarda Nacional abrindo caminho para eles.

Muitos moradores do condado desconhecem sua história

Zaragosa, por exemplo, disse que não sabia sobre o passado de Forsyth. "Nossa ênfase principal é sobre os negócios", disse ela dois meses depois de começar a trabalhar na imobiliária, que, como outras, anuncia: "Se habla español".

Ao contrário do que se pode pensar, porém, o condado não tentou sepultar sua história. Uma placa na praça principal de Cumming relata a história do linchamento de Rob Edwards e da limpeza racial que se seguiu.

A placa diz: "A perda de propriedade de negros para fugir da violência arbitrária de turbas foi comum nessa época. Os moradores negros de Forsyth abandonaram suas casas e seus sítios para escapar, levando com eles apenas o que podiam carregar".

De fato, boa parte da renda per capita de Forsyth foi fruto da valorização enorme de propriedades que haviam ficado em posse das famílias antigas do condado por um século –e boa parte dessas propriedades tinha sido tomada de outros.

Diante de uma quitanda asiática na periferia de Cumming, Avani Vallabhaneni falou sobre a perseverança dos recém-chegados a Forsyth. Contou que quando ela e seu marido chegaram ao condado, 12 anos atrás, ouviam vizinhos cochichando às suas costas que ela deveria voltar para o lugar de onde viera. Seu marido, que viaja a trabalho, certa vez mostrou seu cartão profissional a um georgiano que se surpreendeu ao saber que ele vivia em Cumming.

Mas Avani teve seus dois filhos no condado de Forsyth, e a população de origem indiana cresceu tanto que ela não ouve mais os mesmos comentários cochichados.

Outros, porém, continuam a ouvir cochichos semelhantes, ainda que a queixa feita não seja necessariamente de teor racial.

Isso acontece com Bogdan Maruszak, pastor de uma pequena congregação de imigrantes. Ele fundou sua igreja ortodoxa ucraniana em 2000 num trailer estacionado num terreno na periferia de Cumming, atraindo fiéis ucranianos, georgianos e armênios –todos brancos– a um território inóspito no norte da Geórgia, onde abriu uma funilaria para conseguir pagar suas contas.

Maruszak sabia vagamente da história de Forsyth. "Pensei sobre isso, mas não senti medo", contou o imigrante ucraniano-polonês enquanto tomava um chá gelado com limonada na divisa com o condado de Fulton, em Johns Creek.

Com a Guerra da Ucrânia intensificando os temores de genocídio e o massacre em Buffalo chamando a atenção para a "substituição dos brancos", disse Maruszak, cabe a todos os habitantes de Forsyth, não apenas aos recém-chegados, manifestarem-se em defesa daqueles que estão ameaçados.

"Não podemos ficar observando passivamente", disse. "Podemos fazer alguma coisa. Precisamos reagir."

Para Patrick Phillips, autor de "Blood at the Root", não se pode pensar que isso é evidente e garantido.

Segundo ele, o progresso de Forsyth e sua prosperidade notável podem provar que a supremacia branca é um empecilho, mas esse entendimento não deve ser atribuído ao próprio condado. A região metropolitana de Atlanta foi se alastrando em direção ao norte até finalmente invadir o condado de Forsyth, disse ele.

"O que a gente gostaria de acreditar é que ocorreu uma mudança moral, que as pessoas entenderam que estavam erradas e que uma luz se acendeu." Mas, para ele, não foi isso o que aconteceu.

Tradução de Clara Allain

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