Bolsonaro chama Lula de ladrão, mas nega ter ido a Londres para fazer política

Presidente se irrita com questionamento sobre ato eleitoral que promoveu na viagem e volta a criticar Judiciário

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Londres

Em Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª, realizado nesta segunda-feira (19) com a presença de dezenas de líderes mundiais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a chamar Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário nas eleições de outubro, de ladrão. Irritou-se, porém, ao ser questionado se foi ao Reino Unido fazer política.

Bolsonaro foi criticado por adversários e pela imprensa britânica após realizar no domingo (18) um ato em tom eleitoral com apoiadores em frente à casa do embaixador brasileiro no Reino Unido, Fred Arruda, ocasião em que também chamou o petista de ladrão.

Presidente Jair Bolsonaro (PL), acompanhado da primeira-dama, Michelle, chega à Abadia de Westminster para cerimônia do funeral da rainha Elizabeth 2ª, em Londres - Marco Bertorello - 19.set.22/AFP

"Vocês acham que eu vim para cá fazer política? Não vou responder. Faz uma pergunta decente", disse o presidente quando questionado por jornalistas enquanto saía em direção à cerimônia em Westminster. "Se eu não viesse, estaria sendo criticado", acrescentou, explicitando o cálculo político acerca da viagem internacional a duas semanas da eleição.

Na mesma conversa com dezenas de apoiadores que o aguardavam na capital britânica, manteve o tom de campanha e voltou a atacar seu adversário petista. "Vocês têm alguma dúvida de que o Brasil é a terra prometida? Por que insistir em colocar um ladrão de volta na Presidência?"

Questionado sobre o rito de despedida da rainha Elizabeth, Bolsonaro iniciou uma resposta que parecia dialogar com a espiritualidade. "Todos, sem exceção, terão um ponto final. O julgamento vai ser por suas ações e omissões; todos que se omitiram quando puderam ajudar vão ter o seu veredicto."

O teor da fala, porém, voltou a ser político, com críticas veladas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, novamente, a Lula, ainda que não nominalmente. "Lá não tem gente como alguns do Supremo para 'descondenar' uma pessoa e torná-la elegível", afirmou, referindo-se à mudança de jurisprudência da corte que permitiu a soltura de Lula em 2019 e à permissão para que o petista concorresse às eleições.

Bolsonaro também fez novas críticas à imprensa ao citar reportagem do portal UOL que revelou que ele e sua família compraram 51 imóveis com dinheiro vivo. "A questão dos imóveis, canalhice! Pegaram parentes meus que têm vida própria. Covardia. Três anos e meio sem corrupção no meu governo."

Após outra pergunta sobre o tema do tom político de sua viagem, ele virou as costas e encerrou a entrevista. "Acabou a conversa."

Cumprindo a agenda oficial, o presidente participou da cerimônia em homenagem à rainha Elizabeth, na Abadia de Westminster, e de um almoço com a chancelaria do Reino Unido. Na volta para a residência do embaixador brasileiro, onde ficou hospedado, presenciou um conflito envolvendo os brasileiros que o apoiam em Londres.

Um homem que gritou "mito é Jesus", ressignificando o termo atribuído por bolsonaristas ao presidente, foi recebido com frases como "vai trabalhar, petista ladrão", "vai para Cuba, para a Venezuela que é o seu lugar". O grupo de apoiadores do líder brasileiro o cercou, até que um cidadão inglês saiu em sua defesa.

O britânico, que se identificou como Chris Harvey, disse que, uma vez no Reino Unido, o homem hostilizado tinha todo o direito de protestar sem se sentir ameaçado pelos outros. "As pessoas precisam ter respeito; o funeral da rainha acaba de acontecer."

Harvey também foi cercado por bolsonaristas, que começaram a questionar se ele já havia ido ao Brasil para poder opinar sobre o tema e a gritar "Globo lixo", generalizando a crítica à imprensa a partir do nome da emissora. Perto do local, estavam o pastor evangélico Silas Malafaia e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), parte da comitiva brasileira a Londres.

Malafaia disse que o verdadeiro alvo da cena originalmente foi ele. "Quem foi hostilizado fui eu. Quando saio da casa do embaixador, o cara grita: 'Malafaia, você está sendo parcial'." Segundo o pastor, com o homem insistindo em gritar "mito é Jesus", ele chamou o sujeito de bobo e só então instigou os bolsonaristas na porta a expressar quem eles apoiavam. "O povo estava quieto, esperando o presidente."

O líder evangélico disse que a Folha colocou como vítima o brasileiro anti-Bolsonaro. "Que jornalismo é esse, gente? Isso é uma coisa vergonhosa."

Além de Malafaia, o presidente viajou acompanhado da primeira-dama, Michelle, e do padre Paulo Antônio de Araújo. Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência e coordenador da campanha bolsonarista, também esteve com o grupo em encontros com apoiadores.

Malafaia, a quem Bolsonaro tem chamado de importante conselheiro, chegou a acompanhar o presidente e a primeira-dama na visita ao caixão da rainha Elizabeth 2ª. Em entrevista à coluna Mônica Bergamo, alegou ter entrado na cerimônia na vaga inicialmente reservada para Eduardo Bolsonaro.

No domingo (18), bolsonaristas já haviam hostilizado dois jornalistas brasileiros da rede britânica BBC. Laís Alegretti e Giovanni Bello, que cobriam a visita, foram abordados enquanto trabalhavam. "Não sei o que vocês estão fazendo aqui. Vocês não são bem-vindos", disse um apoiador do presidente. Outro pergunta a Bello qual o nome dele e, quando o jornalista declina, responde: "Isso significa que ele não está se comprometendo com a verdade".

Alegretti, sentada na calçada, responde que estava apenas fazendo seu trabalho. "Também estou fazendo o meu. Só que estou aqui para mostrar a verdade", afirma um dos bolsonaristas. Outro grita: "BBC fake news!". A Folha procurou a BBC em busca de um posicionamento sobre o episódio, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.

O presidente também usou a viagem para fazer campanha sobre o preço da gasolina, ao visitar um posto londrino e comparar o preço do combustível com o encontrado no Brasil. Em entrevista ao SBT, atacou o Tribunal Superior Eleitoral, atribuindo uma possível derrota eleitoral a "algo de anormal dentro do TSE".

A despeito de ter 33% das intenções de voto segundo a pesquisa Datafolha mais recente —Lula goza de 45%—, Bolsonaro afirmou, mais de uma vez em Londres, que vai ganhar a disputa no primeiro turno.

As campanhas de Lula e de Soraya Thronicke (União Brasil) recorreram ao TSE para que Bolsonaro seja impedido de explorar eleitoralmente as imagens produzidas durante a viagem oficial. A manifestação do petista reivindica que seja aplicada multa de R$ 25 mil ao presidente.

Na tentativa de desenhar um cenário de apoio popular a apenas duas semanas das eleições, Eduardo, um dos filhos do presidente, tem divulgado nas redes sociais imagens com apoiadores que vivem na capital britânica.

Nesta segunda, publicou uma imagem com pessoas vestindo as cores da bandeira do Brasil perto da casa do embaixador. "Uma multidão esperando o presidente vir à terra da rainha e aquela maravilhosa imprensa me fazendo perguntas para desvirtuar do momento", escreveu.

Do Reino Unido, Bolsonaro parte para Nova York, onde participa da Assembleia-Geral da ONU e faz, como manda a tradição, o discurso de abertura.

Colaborou Mayara Paixão, de Guarulhos

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