Descrição de chapéu Rainha Elizabeth 2ª

Conheça subúrbio inglês planejado pelo rei Charles, sem semáforos e com ruas curvas

Monarca é autor de projeto imobiliário cujo estilo pitoresco divide opiniões

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Sarah Mills Alistair Smout
Dorchester (Inglaterra) | Reuters

Qualquer um que queira conhecer os valores do rei Charles 3º —que, como príncipe, gerou controvérsia ao expressar opiniões fortes e às vezes tentar agir de acordo com elas—, pode se dirigir ao pitoresco vilarejo de Poundbury, projeto favorito do agora monarca.

Construída de acordo com os princípios arquitetônicos de Charles, a extensão da cidade de Dorchester, no sudoeste da Inglaterra, ilustra como sua visão da vida pública é diferente da de sua mãe, a rainha Elizabeth 2ª, morta na semana passada aos 96 anos.

Vista de rua que desemboca na praça Queen Mother no empreendimento imobiliário de Poundbury, construído em terreno do príncipe Charles e com desenho aprovado por ele - Toby Melville - 14.set.22/Reuters

A soberana revelava pouco sobre opiniões e preferências e tinha o cuidado de evitar polêmicas. Charles, por outro lado, costumava compartilhar com frequência seus pontos de vista sobre assuntos que o interessavam, como arquitetura, proteção ambiental e medicina alternativa.

Na semana passada, em seu primeiro discurso como rei, ele sinalizou que seria mais reservado a partir de agora. Mas Poundbury permanece como testemunho físico e habitado de suas antigas paixões.

O terreno onde o loteamento foi construído faz parte do Ducado da Cornualha. Como Charles era o duque da Cornualha antes de se tornar rei —portanto dono daquelas terras—, viu uma oportunidade de pôr em prática suas ideias sobre arquitetura quando foi designada a expansão de Dorchester.

Charles afirmou que muitos se opuseram ao seu projeto, "do Tesouro a todos os outros". "Disseram-me que não fazia o menor sentido economicamente", disse o então príncipe em um documentário da ITV em 2019. "Mas estava decidido a manter minhas opiniões. Porque sempre acreditei [nelas] a longo prazo."

Os críticos dizem que, sem sinais de trânsito e com ruas estranhamente curvas, Poundbury foi planejada de forma amadora e mais parece uma cidade de brinquedo do que um lugar real. Mas outros admiram Charles por manter suas convicções e enfrentar opositores por 30 anos, criando uma comunidade popular entre os cerca de 4.500 moradores e atraente para os recém-chegados.

A construção de Poundbury começou em 1993, depois que o então príncipe Charles expôs suas ideias sobre arquitetura e urbanismo no livro "A Vision of Britain: A Personal View of Architecture". Ali, ele expressou sua preferência por "edifícios que surgiram de nossa tradição arquitetônica e que estão em harmonia com a natureza" e ridicularizou construções do pós-guerra e o planejamento urbano moderno por sua "pura feiura e mediocridade".

"O espírito de Poundbury é construir uma cidade, um lugar que funcione principalmente para as pessoas que vivem aqui", diz Blake Holt, presidente da associação de moradores, à agência de notícias Reuters. "O que temos é uma arquitetura criativa e de alta qualidade, em escala humana."

Um único sinal de trânsito no local indica que as regras de rotatória se aplicam à área em torno de uma estátua da avó materna de Charles, a rainha mãe. É a única concessão feita nesse sentido. A ausência de semáforos, além das estradas irregulares, supostamente obrigaria os motoristas a diminuir a velocidade e dar preferência aos pedestres.

A abordagem incomum do gerenciamento de tráfego e a variedade de estilos de construção, baseados em diferentes aspectos da herança arquitetônica britânica, contribuem para a aparência distinta de Poundbury. Empresas foram integradas ao projeto, gerando cerca de 2.500 empregos em lojas, cafés, escritórios e fábricas.

Um chocolateiro local está entre os casos de sucesso de Poundbury. Durante algum tempo, um fabricante de cereais encheu as ruas com caminhões, mas depois desistiu. "Aprendemos com isso que certos usos industriais ou comerciais podem ser incorporados facilmente a bairros residenciais e de uso misto e outros não se encaixam", diz Simon Conibear, que foi diretor imobiliário de Poundbury por 20 anos.

Apesar do ceticismo inicial, os moradores estão se animando com Poundbury, segundo Chris Moyle, 64. Morador da vizinha Weymouth, ele conta que sua mãe está pensando em se mudar para o vilarejo. "No início, muitas pessoas achavam que faltava personalidade", diz. "O lugar cresceu um pouco, começou a ter bares, cafés e novidades, enquanto no início era apenas um monte de casas."

A artista Judy Tate o define como muito acolhedor. "A maioria das pessoas se mudou há relativamente pouco tempo, então todo mundo tem a mente muito aberta para sociabilizar."

O aumento do valor das casas indica que há interesse pelo bairro, embora os críticos aleguem que ele é inacessível para muitos. O preço médio dos imóveis em Poundbury no ano passado foi de mais de 400 mil libras (R$ 2,4 milhões), segundo o site de mercado imobiliário Rightmove.

O escritório do Ducado da Cornualha, que administra o empreendimento, diz que atende às metas oficiais de habitação social. "Sempre houve um pouco de 'efeito marmite' na cidade. Algumas coisas funcionaram de forma absolutamente brilhante, outras nem tanto", diz o conselheiro local Richard Biggs, referindo-se a uma famosa pasta de levedura para passar no pão que as pessoas tendem a amar ou odiar. "Sempre há uma espécie de conflito entre a visão de projeto e o que realmente é permitido pelos regulamentos de trânsito e esse tipo de coisa."

Com Charles tornando-se rei, seu filho William o sucede como duque da Cornualha e torna-se o dono das terras. William não demonstra o mesmo interesse por arquitetura, e os planejadores não esperam que ele interfira no restante do período de construção.

Conibear diz que, exceto por pequenas modificações no plano original, o empreendimento foi entregue de forma consistente com seus princípios. "Acho que ele [Charles] sempre se orgulhará de Poundbury, e com razão", diz. "Ele o considerará 'trabalho feito', efetivamente, quando Poundbury terminar, em 2025."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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