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MIT defende liberdade de expressão em universidades dos EUA após cancelamento de palestra

Transferência de palestra com crítico a medidas de diversidade leva a criação de grupo que redige manifesto

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São Paulo

Ataques nas redes sociais à palestra de um geofísico, por suas posições em relação à diversidade na academia, levaram à elaboração de um manifesto em defesa da liberdade de expressão no MIT (Massachusetts Institute of Technology). O documento afirma que a instituição "não pode proibir discursos que alguns considerem ofensivo ou prejudicial".

Elaborado por um grupo de estudos a partir de um pedido do presidente da faculdade, o manifesto sustenta que a universidade tem tradição de propor pensamentos provocativos e visões controversas e que a livre expressão é a condição necessária para uma comunidade diversa e inclusiva.

O campus do MIT, nos Estados Unidos - Rabbit75_fot / Adobe Stock

"Ao mesmo tempo, o MIT valoriza profundamente a civilidade, o respeito mútuo e o debate desinibido e aberto. Controvérsias sobre a liberdade de expressão são oportunidades de aprendizado, não ocasiões para ações disciplinares", diz o documento, divulgado em suas versões reduzida e integral no site da instituição sediada em Cambridge no último dia 1º.

O estopim para a elaboração da carta foi o cancelamento, em outubro de 2021, de uma palestra do geofísico Dorian Abbot —a respeito do clima e da possibilidade de vida em outros planetas— devido a uma avalanche de críticas às posições do professor da Universidade de Chicago em relação a diversidade e inclusão nas instituições de ensino superior americanas. A reação contra ele veio de alunos e ex-alunos do MIT, a quem Abbot chamou de ativistas.

Em um artigo de opinião publicado na revista Newsweek, o especialista argumentou que os atuais esforços de diversidade —conhecidos como Diversidade, Equidade e Inclusão, ou DEI, na sigla em inglês— nas universidades dos EUA violam a igualdade de tratamento de alunos e professores e influenciam o conteúdo dos cursos e os métodos de ensino.

"O DEI busca aumentar a representação de alguns grupos por meio da discriminação contra membros de outros grupos", escreve ele no texto, assinado junto com o professor de negócios da Universidade Stanford Ivan Marinovic.

No lugar do DEI, a dupla defende uma estrutura chamada de Mérito, Justiça e Igualdade, pela qual "os candidatos à universidade são tratados como indivíduos e avaliados por meio de um processo rigoroso e imparcial com base apenas em seu mérito e qualificações".

Eles fazem também uma comparação das políticas afirmativas nos ambientes acadêmicos com o nazismo, sem citar o regime de Adolf Hitler de forma explícita. Segundo os autores, a Alemanha tinha as melhores universidades do mundo há 90 anos, até que um regime ideológico obcecado com raça se instalou e expulsou alguns dos acadêmicos mais respeitados do país, o que levou à uma queda na qualidade das faculdades do país, da qual elas nunca se recuperaram.

"Devemos ver isso como um aviso sobre as consequências de encarar a participação de grupos como mais importante do que o mérito —e corrigir nosso curso antes que seja tarde demais", escrevem.

Ao anunciar neste mês o manifesto pela liberdade acadêmica no MIT, Leo Rafael Reif, presidente da instituição, afirmou que abrir espaço para toda a gama de pensamento e expressão não é um fim em si mesmo. "Em vez disso, o direito à liberdade de expressão é uma ferramenta —uma ferramenta afiada— para ampliar a compreensão e descobrir a verdade."

A palestra de Abbot acabou acontecendo na Universidade de Princeton no dia em que estava prevista para ser sediada pelo MIT —21 de outubro.

Leia abaixo a íntegra do documento do MIT.

O relatório do Grupo de Trabalho Específico sobre Liberdade de Expressão recomendou que a seguinte declaração do MIT sobre liberdade de expressão e liberdade acadêmica seja considerada e adotada pelo corpo docente do MIT.

Declaração do MIT sobre liberdade de expressão e liberdade acadêmica

O influente Relatório Lewis de 1949 observou que a missão do MIT era "incentivar a iniciativa, promover o espírito de investigação livre e objetiva, reconhecer e oferecer oportunidades para interesses e atitudes incomuns" e desenvolver "indivíduos que contribuirão criativamente para nossa sociedade". Com uma tradição de celebrar o pensamento instigante, visões controversas e a não conformidade, o MIT endossa inequivocamente os princípios de liberdade de expressão e liberdade acadêmica.

A liberdade de expressão é uma condição necessária, embora não suficiente, de uma comunidade diversificada e inclusiva. Não podemos ter uma comunidade de expressão verdadeiramente livre se algumas perspectivas puderem ser ouvidas e outras, não. A diversidade de pensamento é um ingrediente essencial da excelência acadêmica.

A liberdade de expressão promove a criatividade, afirmando a capacidade de trocar ideias sem restrições. Ela não apenas facilita a autonomia e a autorrealização individuais, como prevê a participação na tomada de decisões coletivas e é essencial para a busca por verdade e justiça. A liberdade de expressão é aprimorada pela doutrina da liberdade acadêmica, que protege a expressão intramuros e extramuros sem censura ou disciplina institucionais. A liberdade acadêmica promove o rigor acadêmico e o teste de ideias, protegendo de interferência a pesquisa, a publicação e o ensino.

O MIT não protege ameaças diretas, assédio, plágio ou outro discurso que caia fora dos limites da Primeira Emenda da Constituição. Além disso, o tempo, o local e o modo de expressão protegida, incluindo protestos organizados, podem ser contidos para não interromper as atividades essenciais do Instituto.

Na interseção do ideal de liberdade de expressão com os valores da comunidade do MIT, reside a expectativa de um ambiente de aprendizado e trabalho respeitoso e afirmativo. Não podemos proibir o discurso que alguns consideram ofensivo ou prejudicial. Ao mesmo tempo, o MIT valoriza profundamente a civilidade, o respeito mútuo e o debate desinibido e aberto.

Controvérsias sobre a liberdade de expressão são oportunidades de aprendizado, e não ocasiões para ações disciplinares. Isso se aplica amplamente. Por exemplo, quando os líderes do MIT falam sobre questões de interesse público, seja em sua própria voz ou em nome do MIT, isso sempre deve ser entendido como aberto a debate pela comunidade mais ampla do MIT.

Um compromisso com a liberdade de expressão inclui ouvir e abrigar oradores, incluindo aqueles cujas ideias ou opiniões possam não ser compartilhadas por muitos membros da comunidade do MIT e possam ser prejudiciais a alguns. Esse compromisso inclui a liberdade de criticar e protestar pacificamente contra falantes a quem alguém se oponha, mas não se estende a suprimir ou restringir esses falantes de expressar suas opiniões. Debate e deliberação de ideias controversas são características das missões educacionais e de pesquisa do Instituto, e são essenciais para a busca da verdade, de conhecimento, equidade e justiça.

O MIT desempenhou um papel de liderança na transformação contínua da tecnologia de comunicação, e os recentes modos de discurso digital e em rede tornam nosso campus mais acessível a todos. Ao mesmo tempo, essas tecnologias tornam nosso campus mais desincorporado e mais vulnerável à atração de extremos ideológicos.

Embora novos modos de discurso mudem o caráter da expressão, tais tecnologias não precisam e não devem diminuir nosso compromisso com os valores subjacentes à liberdade de expressão, mesmo enquanto nos adaptamos criativamente para atender às necessidades de nossas paisagens físicas e virtuais.

Tradução do documento do MIT de Luiz Roberto M. Gonçalves

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