Israel e Líbano selaram nesta quinta-feira (27) um histórico acordo para resolver a antiga disputa sobre suas fronteiras marítimas. O documento não altera as relações bilaterais entre as duas nações que, tecnicamente, estão em guerra, mas tem potencial de desbloquear a exploração de gás no mar Mediterrâneo.
A primeira consequência direta foi observada pouco depois: o grupo islâmico xiita Hizbullah, que nos últimos meses ameaçava atacar a infraestrutura israelense caso um pacto não fosse alcançado, anunciou o fim daquilo que chamava de "mobilização excepcional".
Hassan Nasrallah, líder do movimento, disse que o acordo representa uma grande vitória para o povo libanês e rechaçou que uma tratativa do tipo represente algum alívio da postura de Beirute contra Tel Aviv.
Na prática, não houve aperto de mãos entre líderes: o presidente libanês, Michel Aoun, assinou o acordo em Baabda e o premiê israelense, Yair Lapid, fez o mesmo em Jerusalém. Delegações dos países, então, levaram os documentos até a cidade de Naqoura, na fronteira terrestre —que segue em disputa—, onde há uma base da ONU.
As tratativas foram mediadas pelos Estados Unidos, e coube a Amos Hochstein, enviado do presidente Joe Biden, manifestar aquele que talvez seja o maior ponto de preocupação sobre o acordo: se ele será respeitado pelos próximos governos dos países envolvidos.
Israel tem eleições no próximo dia 1º —o quinto pleito em apenas três anos. Já o Líbano, imerso em uma grave crise econômica e social, acena para o caos político: o mandato de Aoun termina no próximo dia 31, mas o Parlamento do país ainda não foi capaz de eleger um novo líder, abrindo a possibilidade de o cargo ficar vago.
Após a assinatura do documento, Biden parabenizou as diplomacias dos dois países e disse que o acordo simboliza mais um passo no caminho para um Oriente Médio "mais seguro, integrado e próspero".
O acordo estabelece uma fronteira entre as águas libanesas e israelenses. Ao definir a zona econômica exclusiva de cada nação, também prevê um mecanismo para que ambos os países obtenham royalties de campos de gás offshore no Mediterrâneo.
Isso abre a possibilidade de Beirute, por exemplo, descobrir potencial de energia offshore —o que, embora não seja suficiente por si só para resolver a crônica crise do país, possivelmente aliviaria os apagões frequentes.
Lapid descreveu a medida como uma enorme conquista, e o negociador libanês Elias Bou Saab disse que a assinatura marca o início de uma nova era. Mas as falas estão longe de representar um avanço diplomático entre os países —as chances disso parecem remotas.
"Não é todo dia que um país inimigo reconhece o Estado de Israel, por escrito, perante a comunidade internacional", disse Lapid. Prontamente veio a resposta de Aoun, para quem o acordo não tem "nenhuma dimensão que possa mudar a política externa do Líbano".
O acordo prevê deixar sob controle de Israel o campo de gás de Karish e conceder ao Líbano o campo de Qana. Uma parte desta última reserva, no entanto, ultrapassa a linha de fronteira entre os dois países e, desta maneira, Tel Aviv ficará com parte do lucro de exploração.
Nesta quarta (26), segundo informações do jornal The Times of Israel, a facção radical Hamas manifestou apoio ao acordo. Suhail al-Hindi, do alto escalão do grupo, disse que a tratativa permitiria que o Líbano obtivesse direitos econômicos. "A resistência libanesa conseguirá impor suas condições a Israel", disse ele na sede do Hamas.
O acordo também é visto por Israel como possibilidade de reduzir a tensão com o Hizbullah. "Isso fortalece a segurança de Israel e nossa liberdade de ação contra o Hizbullah. Há um raro consenso de todo o establishment de defesa sobre a importância do acordo", disse Lapid nesta quinta.
Hassan Nasrallah, nos últimos meses, fez diversas ameaças de que atacaria a costa norte de Israel caso o país começasse a explorar a plataforma de Karish antes que um acordo fosse finalmente assinado.
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