Pesquisadora vê risco ambiental com vitória republicana em eleição legislativa nos EUA

Conselheira na gestão Obama, Alice Hill diz que pleito pode impactar diplomacia americana

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São Paulo

A transformação do tema das mudanças climáticas em uma questão de política partidária, não de uma ameaça real ao planeta, é um dos perigos que a pesquisadora americana Alice Hill destaca para a diplomacia dos Estados Unidos a partir do resultado das chamadas midterms. As eleições legislativas de meio de mandato, que renovarão a Câmara e parte do Senado, estão programadas para o próximo dia 8.

"Os republicanos não veem o tema de maneira tão urgente quanto os democratas", diz à Folha a pesquisadora-sênior do Conselho de Relações Exteriores americano e responsável pela política nacional de resiliência a catástrofes durante o governo do democrata Barack Obama, entre 2015 e 2016.

Segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa, atrás da China, os EUA viram recentemente uma vitória significativa do governo de Joe Biden na área. Em agosto, o Senado aprovou o maior investimento federal em mitigação da crise climática de que se tem notícia, injetando US$ 430 bilhões em programas de energia e clima e prevendo cortar emissões de carbono para um nível 40% abaixo do patamar de 2005 até o final da década.

O presidente Joe Biden, durante discurso no terreno da antiga usina Brayton, em Somerset - Jonathan Ernst - 20.jul.22/Reuters

É por ações como essa que Hill vê o risco de uma vitória conservadora no Legislativo resultar em consequências negativas para as ambições do presidente —que de resto ainda estão mais no papel. Segundo ela, uma maioria republicana na Câmara tornaria possível a abertura de investigações e poderia dificultar a execução do orçamento necessário para as propostas de Biden.

No Senado, o resultado não reverteria a chamada Lei de Redução da Inflação —título algo eufemístico para o pacote de clima, por incluir também medidas para combater a alta dos preços. "Mas tornaria mais devagar o avanço de parte das ambições para o setor que o presidente sinalizou ter", diz a pesquisadora, que na segunda (24) participou por videoconferência de um debate organizado pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) em parceria com a sede do consulado americano no Rio de Janeiro.

Hill chama a atenção ainda para o fato de que as midterms incluem eleições municipais, estaduais e de conselhos cujas ações também impactam a meta de redução das emissões nos próximos dez anos.

Então, além das consequências internas, uma troca na bússola do Congresso poderia prejudicar a mensagem que o democrata pretende passar à comunidade internacional, de que os EUA "estão de volta" para liderar as negociações sobre o tema —as midterms ocorrem ao mesmo tempo que a COP 27.

A questão é que Washington teve uma conduta errática nos últimos anos —enquanto Obama e, agora, Biden dizem colocar a pauta ambiental no centro da agenda política, Donald Trump era um "ecocético" e chegou a tirar o país do Acordo de Paris. Mais uma mudança de posição seria, portanto, "um acréscimo à retórica de que os EUA não vão seguir à frente com firmeza."

Hill diz ainda que o resultado das eleições pode impactar a colaboração entre EUA e Brasil no âmbito climático —tanto quanto uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro (PL), cujo governo foi marcado por recordes de desmatamento e o desmonte de órgãos de fiscalização, tirando o Brasil da liderança na diplomacia ambiental.

"Tudo depende dos lados da equação: se Bolsonaro será visto como um parceiro confiável ao combater esses problemas, em especial o desmatamento da Amazônia; e se o Congresso americano apoiará os esforços do presidente para enfocar mais as questões climáticas, incluindo o Brasil", diz ela. "Em ambos os contextos, há a questão de quem estará na liderança."

A despeito de um encontro na Cúpula das Américas, o líder brasileiro manteve relação distante de Biden e no ano passado chegou a citar a "obsessão pela questão ambiental" do americano como um obstáculo para as relações de Brasília e Washington.

Hill declara, no entanto, que oportunidades de colaboração e fortalecimento de esforços bilaterais na área não faltam —de estabelecer parcerias para combater crimes contra a conservação ao compartilhamento da pesquisas sobre combustíveis limpos em curso nos EUA hoje. "Os dois países desempenham um papel fundamental no combate às mudanças climáticas; e ambos estão entre os dez maiores emissores."

Para a pesquisadora, esse tipo de colaboração será ainda mais necessário à medida que eventos climáticos extremos se tornam mais recorrentes —assim como foi com a Covid-19.

Hill, que escreveu um livro sobre o enfrentamento das mudanças climáticas depois da pandemia, conta que essa é só uma das semelhanças na forma de combate aos dois fenômenos, uma lista que inclui ainda investimento em ações preventivas, lideranças que tomem decisões baseadas em dados científicos e uma atenção especial às faixas mais vulneráveis da população.

"Nenhuma dessas ameaças respeita os limites de jurisdição que os humanos desenvolveram no último milênio. Eles passam por cima delas, e precisamos nos coordenar através dessas fronteiras para que todos estejam devidamente protegidos."

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Alice Hill, pesquisadora-sênior do Conselho de Relações Exteriores americano e responsável por criar uma política nacional de resiliência a catástrofes entre 2015 e 2016, durante a administração de Barack Obama - Divulgação

Alice Hill, 66

Atuou como assistente especial do governo Barack Obama (2009-2017) e foi diretora-sênior para políticas de resiliência do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Em 2009, formulou o primeiro plano de adaptação climática do Departamento de Segurança Nacional do país.

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