Pedido de ajuda internacional do premiê do Haiti dispara protestos e agrava crises acumuladas

Manifestantes pedem renúncia de Ariel Henry e apontam traumas de intervenção estrangeira no país

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São Paulo

As graves crises que se acumulam no Haiti —política, humanitária, sanitária e de segurança— tiveram nos últimos dias um novo pico, com milhares de pessoas tomando as ruas da capital, Porto Príncipe, para protestar contra um pedido do governo por ajuda do exterior.

A maior manifestação ocorreu nesta segunda-feira (10), dias depois que o primeiro-ministro, Ariel Henry, solicitou formalmente à comunidade internacional uma "força armada especializada" para "deter, em todo o território" as ações de gangues.

Homem ajuda mulher ferida em protesto pedindo a renúncia do primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, na capital do país, Porto Príncipe - Richard Pierrin - 10.out.22/AFP

Os manifestantes marcaram posição contra a perspectiva de uma nova intervenção estrangeira e exigiram a renúncia do premiê —considerado ilegítimo por parte da população desde que tomou posse na esteira do assassinato do então presidente Jovenel Moïse.

Além disso, uma parcela dos haitianos considera traumática a missão de paz das Nações Unidas que atuou no país de 2004 a 2017. Embora fosse uma ação de ajuda humanitária, a iniciativa chefiada por militares brasileiros gerou uma série de acusações de estupro por parte de membros das tropas da ONU e levou a cólera à ilha, dando origem a uma epidemia que fez quase 10 mil vítimas.

Os protestos desta segunda terminaram em embates violentos entre os manifestantes e a polícia —várias pessoas foram baleadas e ao menos uma mulher morreu. Organizadores dos atos responsabilizam as forças de segurança pela morte. Um dos participantes afirmou à agência AFP, sob anonimato, que a jovem não representava ameaça.

O Haiti tem sido palco de manifestações marcadas por violência e saques há semanas. O gatilho foi uma decisão do governo de acabar com os subsídios para gasolina, diesel e querosene, aumentando os preços em cerca de 50%. Em resposta, uma gangue bloqueou o porto de Varreux, principal porta de entrada dos produtos importados do país.

A falta de combustível provocou caos no transporte e forçou comércios e hospitais a interromperem as atividades. A tomada do porto também levou à escassez de água engarrafada no momento em que o país vive um novo surto de cólera, controlada com a intensificação de medidas de higiene.

Um porta-voz da ONU afirmou que seus enviados ao local reportaram 16 mortes e 32 casos confirmados da doença até esta terça-feira (11). O Departamento de Estado dos EUA acusou criminosos de impedir ações de prevenção e declarou que a situação, descrita como terrível, "não pode persistir".

Os problemas se acumulam sobre uma nação que, há mais de um ano, foi sacudida por um terremoto —o mais mortal desde 2010, quando um tremor ainda mais grave deixou mais de 200 mil óbitos. As mazelas incluem ainda o recrudescimento de conflitos violentos entre gangues, a passagem de ciclones tropicais, a pandemia de Covid e uma crise política que culminou e ganhou novo fôlego com o assassinato de Moïse, em um ataque a tiros em sua própria casa.

O embaixador do Haiti em Washington, Bocchit Edmond, fez referência ao caso nesta segunda, ao pedir que EUA e Canadá liderem uma força-tarefa para confrontar as quadrilhas que o governo culpa pela crise humanitária. À Reuters ele disse que "se nada for feito rapidamente, há o risco de um novo presidente ser morto no Haiti". A Casa Branca se recusou a responder se enviaria tropas para o país.

Na última sexta-feira (7), o Ministério de Relações Exteriores canadense havia reafirmado o compromisso dos países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) de ajudar os haitianos a superar os complexos desafios da ilha caribenha. Um dia depois, no sábado (8), os EUA declararam que o pedido de ajuda do primeiro-ministro estava sob análise.

Na mesma data, centenas de ativistas se reuniram em frente à Casa Branca com cartazes estampados com a bandeira do Haiti em que se liam mensagens como "deixem os haitianos decidirem o próprio futuro". Parte da população acredita que Washington é responsável por manter Ariel Henry no poder.

Menina segura cartaz em que se lê 'deixe os haitianos decidirem seu próprio futuro' em protesto diante da Casa Branca, em Washington, nos EUA - Gordon Whitman - 9.out.22/Reuters

O premiê assumiu o cargo em julho de 2021, pouco depois do assassinato de Moïse, que o tinha indicado ao posto. Dois meses depois, foi acusado pela Procuradoria-Geral de ter participado do crime. Henry demitiu o responsável pela acusação, aprofundando a crise política interna, e adiou indefinidamente as eleições sob justificativa de instabilidade.

Seu governo vem atuando interinamente desde então. Muitos afirmam que a violência das gangues, que controlam vastas porções do território do país, tornariam um pleito impossível hoje.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, propôs no domingo "uma rápida força de ação" para ajudar a polícia haitiana a confrontar esses grupos armados, mas não indicou se o próprio organismo multilateral lideraria essa iniciativa. A entidade enviou milhares de soldados e policiais ao país na chamada Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti). A missão teve comando militar do Brasil pelos 13 anos que durou, e é propagandeada pelas Forças Armadas nacionais como um de seus maiores feitos.

Na prática, contudo, o saldo da ação decepcionou —em entrevista à Folha, o ex-comandante da missão, o general Santos Cruz, disse que a ONU não pode ser culpada pelo fracasso da iniciativa porque seu objetivo nunca foi administrar a nação e atribuiu as crises do Haiti à "instabilidade estrutural".

A atuação dos brasileiros na ilha divide opiniões entre a população local. Enquanto alguns afirmam que os militares ajudaram a protegê-la, outros dizem que o uso da força foi excessivo.

Com AFP e Reuters

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